Clarissa Wolff fala sobre as Riot Grrrls e discute o feminismo com representantes do movimento hoje

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Clarissa Wolff já conversou com gente massa para a “Broadly” (um dos canais digitais da VICE gringa), para o site UOL e para a revista Rolling Stone e também para o seu blog pessoal. Além disso, ela fala de literatura em seu canal no YouTube e está nas redes sociais todas como @clarissawolff. Para o especial Popload das Minas, Clarissa escolheu falar sobre o movimento “riot grrrl” que sacudiu o anos 90 e também sobre o futuro do feminismo.

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RIOT GRRRL E MÚSICA FEMINISTA
Muito antes do movimento riot grrrl, o feminismo como levante político começou a se organizar no fim da década de 60, nos Estados Unidos, com as feministas radicais e a publicação de livros como “The Feminine Mystique”, de Betty Friedan, em 63, “Sexual Politics”, de Kate Millett, em 68, e “The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution”, de Shulamith Firestone, em 70, além de uma série de ações políticas, partindo do famoso protesto no Miss America em 67 – responsável pela lenda dos sutiãs queimados que nunca aconteceu – e intervenções diretamente na mídia, como a ocupação no escritório do “Ladies’ Home Journal”, em 70, até que a publicação concordasse em ceder espaço no periódico para o grupo feminista. Tudo isso foi necessário para que nos anos 90, Kathleen Hanna, com 21 anos, já tendo trabalhado em aconselhamento para vítimas de estupro, decidisse reorganizar o movimento e engajar feministas através da música. Agora, duas décadas de distorção depois, cabe à nossa geração buscar a revolução.

EXISTE FUTURO PARA O FEMINISMO?

A revista “Time” pergunta na capa: “Existe futuro para o feminismo?”. Na matéria, descobrimos que 76% das mulheres não ligam para o feminismo e que feministas são descritas por um estudante como “alguém masculina que não se depila e faz tudo pra negar que é feminina”. A ideia geral é que o feminismo já cumpriu sua missão e algumas mulheres que insistem nisso foram levadas a acreditar que podem ser como homens. Poderia ser uma matéria de 2017, mas é de 1989. Época em que, nos Estados Unidos, o direito ao aborto, conquistado na década de 70, está ameaçado – exatamente como agora, com a presidência de Donald Trump. Foi nesse cenário que Kathleen Hanna ouviu de sua escritora favorita que, se quisesse ser ouvida, ela deveria formar uma banda.

Arte sempre foi o ambiente em que ela se sentia em casa, então parecia natural. Mas, mesmo dentro de grupos supostamente esclarecidos, como a galera da contra cultura e do punk rock, o feminismo era tido como completamente desnecessário. Contrário ao que a ideia parecia propagar, os shows eram ambientes hostis a mulheres, obrigadas a se deslocarem para os fundos com as constantes e agressivas rodas punk, verdadeiras expressões de masculinidade. Mas Kathleen Hanna resolveu “pegar em armas” sabendo que: uma mulher é espancada a cada 15 segundos, metade das mulheres assassinadas era morta pelos seus maridos ou namorados, uma a cada quatro mulheres vivencia estupro ou tentativas de estupro e em 78% dos casos, com alguém que elas conheciam. Nos anos 90, o mundo ainda estava muito distante da igualdade sexual. Ainda está.

BIKINI KILL
Tobi Vail, um ano mais nova, produzia um zine pessoal onde discursava sobre seu amor por música e seus posicionamentos políticos. Foi por causa dele que Kathleen decidiu contatá-la. Naquela época, ela já era rotulada como “exageradamente” política, “exageradamente” raivosa, mas Tobi já sabia que, se falavam isso dela, ela deveria ser legal. Juntas, trocaram conhecimentos sobre música e política: Tobi era formada por escritoras negras como Angela Davis e Bell Hooks, que faziam ela se questionar sobre como ser branca afetava o fato de ser mulher e sua realidade social. Foi ela quem cunhou o slogan do movimento: REVOLUTION GIRL STYLE NOW, uma declaração ousada ainda hoje. Tobi também foi quem sugeriu a grafia alterada de grrl, uma referência às alterações gráficas da década de 70 (herstory para negar o “his”, dele, e womyn, para tirar a parte “man” da palavra), e o nome da banda que formariam.

Com Kathi Wilcox, o Bikini Kill surgiu, com suas letras explicitamente políticas e sonoridade forte, pungente, raivosa, nada feminina pelos padrões sociais. Nas performances, mais ainda: Kathleen, nada depilada, subia ao palco só de blusa e calcinha, deixando os pelos pubianos aparecerem. Outras vezes, ela tirava a blusa de costas e encarava a plateia em seguida com a palavra VADIA escrita na barriga: ela explica que sabia que era isso que homens pensariam de uma mulher que tira a roupa, e era legal fazê-los confrontar o próprio preconceito.

É inegável a influência que elas tiveram também em bandas formadas apenas por homens: Ian MacKaye, do Fugazi, já declarou o quão maravilhosas elas eram, e como Kathleen parecia ter uma força divina. E Kurt Cobain se sentia até mesmo intimidado pela assertividade delas – especialmente de Tobi, por quem se apaixonou. Há quem diga que o “Nevermind” (Nirvana) inteiro tenha sido escrito para ela, mesmo que em seu diário ele tenha, em tom raivoso, declarado que nada do que fez – com exceção talvez de “Lounge Act” – foi pra ela. O maior sucesso do Nirvana foi “graças” ao Bikini Kill, em uma anedota clássica em que Kathleen, bêbada, pichou “Kurt smells like teen spirit” no quarto dele, se referindo à marca de desodorante de Tobi, Teen Spirit.

Mas foi obviamente entre as mulheres que a banda encontrou sua maior plateia. Com mensagens vigorosas de força, elas urgiam que as mulheres fossem elas mesmas (“Double Dare Ya”), desejavam a morte do cara branco classe média que é a epítome do machismo (“White Boy”) e deixavam claro que não precisavam de homens (“Don’t Need You”).

REVOLUTION GIRL STYLE NOW

Kathleen ordenava que as mulheres viessem para a frente do palco, ficando seguras de qualquer tipo de violência e assédio e conquistando um espaço que antes era exclusivo dos homens. Elas incentivaram o surgimento de outras bandas, como Bratmobile e Heavens to Betsy (onde Corin Tucker, do Sleater-Kinney, começou) e inauguraram grupos de conscientização onde garotas de vinte e poucos anos, como elas, ou ainda mais novas, podiam se encontrar e quebrar o silêncio. E o Bikini Kill utilizava sua exposição para chamar mais garotas: convites para encontros e mensagens feministas eram feitos durante os shows. Kathleen foi até mesmo agredida, em uma apresentação, por causa disso: o agressor, depois descobriram, assassinou a ex-namorada algum tempo depois.

Embora algumas coisas não tenham mudado – no Primavera Sound de 2015, Kathleen Hanna parou o show da sua nova banda, The Julie Ruin, para fazer declarações feministas e para convidar o público para uma nova edição local do Ladyfest -, o movimento chegou ao fim na mesma década em que começou. Musicalmente, o Riot Grrrl ia bem (o disco do ‘Bikini Kill Pussy Whipped’ vendeu 75.000 cópias, quase o dobro de vendas que ‘Bleach’, estreia do Nirvana, em seu primeiro ano). Politicamente, porém, não poderia se dizer o mesmo. Nas palavras de Tobi Vail: “Riot Grrrl se tornou tudo sobre ‘girl’, sobre a identidade e individualidade feminina, e nada sobre ‘riot’, sobre revolução”.

A mesma coisa aconteceu com os slogans. GIRL POWER, originalmente cunhado por Hanna e Vail, ousava unir mulher ao conceito de poder. Infelizmente, na mesma década o jargão foi distorcido e capitalizado com o surgimento das Spice Girls, que vendiam a mesma ideia de GIRL POWER que se mercantiliza atualmente: individual, pessoal e sem dar a mínima para mulheres que precisam de poder real para sair de situações de violência.

FEMINISMO HOJE

Lá fora, o Ex Hex é uma das principais bandas ligadas ao feminismo. “Feminismo está em tudo o que fazemos – como pode ser diferente? Como mulheres, nós estamos sempre lutando contra a história e contra o padrão”, explica Betsy Wright, em entrevista exclusiva para este post. “Mulheres estão em todos os lugares sendo criativas, fazendo filmes, escrevendo roteiros, compondo músicas, tocando em bandas, trabalhando junto com outras mulheres ou sozinhas… eu só quero ver mais e mais”, ela incentiva.

O Bikini Kill acabou em 1997, mas Kathleen Hanna continuou fazendo música – e música boa – com o Le Tigre, de 1998 a 2011, e com o The Julie Ruin, resgatando a ex-colega de banda Kathi Wilcox, em 2010. Tobi Vail também continua na arte – ela é integrante da banda Spider & the Webs, envolvida com a gravadora Bikini Kill –, constantemente escrevendo e contribuindo para veículos. Mas ela rejeita a visão de feminismo como tendência. “A gente precisa ser cauteloso ao usar cultura e mídia para classificar a história. Feminismo é plural e contínuo – existe em muitas formas diferentes, simultaneamente, sem parar”, explica, nesta entrevista para a Popload. E segue: “O problema de movimentos jovens é que eles se perdem no individualismo. Uma ideia boa seria construir um movimento que realmente conectasse gerações diferentes”.

Também conversei com Rikki Styxx, baterista do duo de punk-rock The Two Tens, que acrescentou: “Esses tempos eu toquei com Alice Bag, de umas das primeiras bandas da cena punk de Los Angeles, e ela tem uma grande história no rock e no ativismo. Quando ela estava fazendo a turnê do seu livro, a banda Pussy Riot foi presa na Rússia e ela escreveu uma música para tocarem na turnê. Ela me ensinou que eu não preciso ser uma baterista perfeita, ou me vestir perfeitamente, ou ter uma aparência perfeita. É sobre ser mulher e aprender a se amar, a compartilhar isso com o mundo. E, sabe, é algo bem não-tradicional ser uma baterista mulher. Sempre me inspiro quando vejo mulheres confiantes arrasando nos instrumentos que elas tocam, não existe nada mais incrível. Mas, é claro, existem vários estereótipos que constantemente preciso quebrar”, explica, enquanto a conversa vai se tornando mais política. “Eu não acho que é possível ser mulher e não ser feminista”, declara, contando que sempre foi alguém que quebrou regras e torce para o sucesso das mulheres em qualquer área.

A gente também.

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