Boogarins, de Goiânia, no SXSW. Uma pequena graaaande revolução

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* A gente vem falando deles aqui há tempos, mais pela boa qualidade musical do que pelo grande acontecimento em que a banda está inserida. Ou melhor, SE inseriu. Não sei como você enxerga uma coisa assim, mas aqui deste lado a gente vê esta história toda a seguir um feito inacreditável. E ela é mais ou menos assim:

Com três shows HOJE, daqui a pouco, em Austin, Texas, no meio da confusão chamada South by Southwest, a banda goiana Boogarins inicia uma aventura internacional que consiste em 60 shows em 11 países, incluindo EUA, Inglaterra, França, Espanha e Holanda e festivais do nível do próprio Sxsw, Primavera Festival (Barcelona) e Austin Psych Fest (outro na cidade texana, mas este em maio).

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O Boogarins, que toca hoje no Sxsw, no Texas. Fernando Almeida, Hans Castro, Raphael Vaz e Benke Ferraz. Imagem de Luiz Campos Jr.

Vou repetir: o grupo goiano Boogarins, de um rock autoral que vai da psicodelia moderna ao velho Clube da Esquina mineiro sem perder o embalo, um “Mutante meets Beatles” como uma hora alguém na gringa vai escrever, há menos de um ano nem uma banda era. Até menos de cinco meses nunca tinham tocado fora de Goiânia, hoje inicia uma certa turnê mundial que passará por cidades como Nova York, Manchester, Dallas, Liverpool, Paris, Milão, Zurique, Amsterdã.

A banda que não era banda quando 2013 começou lançou seu primeiro disco no dia primeiro de outubro, “As Plantas Que Curam”. Lançou NOS ESTADOS UNIDOS. O disco não existe no Brasil. Mas nos EUA, graças a um contrato de três álbuns que receberam de selo americano ANTES MESMO DE TOCAR AO VIVO PELA PRIMEIRA VEZ como grupo, o Boogarins tem seu álbum de estréia nos formatos de vinil, CD, mp3 e FITA CASSETE.

O álbum saiu pelo selo Other Music Recording, uma famosa loja de disco nova-iorquina que virou gravadora. Quem tem a responsabilidade de espalhar os Boogarins pelas lojas de disco americanas é a Fat Possum Records, selo e distribuidora importante do Mississippi que tem em seu elenco nomes importantes como Black Keys, Dinosaur Jr, Band of Horses, e Iggy & The Stooges. Olha em que meio os Boogarins está metido.

Os Boogarins é uma banda de quatro, mas quem fala pelo grupo é a dupla Benke Ferraz (guitarrista) e Fernando Almeida (vocalista e guitarrista), o primeiro 20 anos de idade e o segundo 21, que começaram na verdade o Boogarins na escola há alguns anos, mas entraram sério no “business” no ano passado. Porque fizeram algumas músicas e Benke teve a pachorra de mandar para uns blogs americanos. E daí aconteceu o seguinte, como Benke mesmo conta, em entrevista à Popload domingo passado, fazendo as malas, na manhã do dia de ir para Brasília pegar os vistos e um dia antes de embarcar para Austin, Texas.

“Tudo é surreal. E aconteceu muito rápido. É muito bom fazer as coisas que a gente sempre sonhou em fazer. Só que seis meses atrás a gente não imaginava nada disso que está acontecendo hoje. Não tínhamos noção. Quando a gente tocou, em outubro, em São Paulo e São José no mesmo dia, já pensamos: “Uau!”. Imagina estar numa turnê grande dessas? Quando a gente olha aquele tanto de data e lugares, e as pessoas de fora vêm falar pelo Twitter que vão no show da cidade tal, isso dá um orgulho desgramado. Ao mesmo tempo que é inacreditável. Até os brasileiros que estão no exterior vem procurar a gente dizendo que estão escutando nossas músicas nas rádios e que vão nos assistir ao vivo quando passarmos pelas cidades deles.”

“Teve uma mulher de Seattle que quando viu que íamos tocar no Psych Festival, em Austin, em maio, comprou o ingresso e passagem para ficar três dias no Texas. Acabou que depois fechamos show em Seattle. Ela disse no nosso Facebook que vai nos dois.”

“O engraçado foi que a Other Music, nosso selo, não foi um dos lugares que eu mandei email para mostrar as nossas músicas. Quando a gente gravou o EP, por volta de março, eu sentei diante do computador para tentar promover o disco. E acabei escrevendo para uns blogs lá fora e para selos também, uns que eu achava que podia ter a ver com o nosso som. Fiz um pequeno release nosso, em inglês, e botei umas músicas junto na hora de enviar. O primeiro show que a gente fechou foi o festival Austin Psych Fest foi porque eu mandei um email para eles, pessoalmente, porque acompanho as coisas do festival há tempos. Eles disseram que curtiram a música mas que em 2013 estava com o line-up fechado, não rolava. Voltei a entrar em contato com o disco pronto e lançado nos EUA e conseguimos fechar um show lá. Foi o primeiro show fechado dessa turnê toda.”

“O Gordon Zacharias, que hoje é nosso empresário, leu sobre a gente em algum desses blogs e veio conversar comigo pelo Facebook. Nesse papo, ele disse que tinha gostado do som que ouviu e que já tinha mostrado nossa música para uns amigos em Nova York que tinham um selo. E que os caras desse selo, que era a Other Music, tinham ficado muito animados. Que tinham passado um domingo inteiro ouvindo e que provavelmente iam querer conversar comigo nos próximos dias. Na segunda-feira mesmo chegou um email enorme para mim com uma proposta de contrato anexada. Ficamos naquela paranóia. Isso aqui é de verdade mesmo? O que está acontecendo? Eu entrava no site da Fat Possum e via lá Iggy Pop, Melody Echo Chamber, Black Keys. E eu ficava pensando: “Bicho, como assim?”.”

“Conversei muito com o Gordon. Arrumamos um advogado nos EUA para ver as cláusulas do contrato certinho… Demorou, mas aconteceu. Eles entraram em contato com a gente em abril. Não tínhamos ainda feito o primeiro show em Goiânia. E já tínhamos recebido o contrato. Levamos mais de um mês para desembaraçar tudo e assinar. Mas fomos tocando mais e seguramos a informação do contrato gringo, para fazer as coisas direito. Quando em agosto lançamos o single de “Lucifernandis” e o vídeo saiu no Popload e no Stereogum, a gente falou do contrato com o selo americano. E aí…”

** O DISCO NOS EUA
“Nosso disco já passou das 2.000 cópias vendidas lá fora. Estados Unidos e Europa. O que para a gente é um número expressivo. Somos uma banda que canta em português e que não tem disco lançado no Brasil. Quando eu digo Europa, é assim. O disco por lá é distribuído em Londres, Amsterdã, Bruxelas, acho que só. Em Portugal mesmo, que poderia ser um mercado, também não tem o disco.”

“A gente tentou botar alguns discos no Brasil e chegamos a fazer isso no ano passado, importando de Nova York, da Other Music. Mas o vinil chega aqui pra gente e temos que pagar um caminhão de imposto. Não vale a pena. Ficou meio inviável para nós. Tínhamos 50 cópias que levamos nos shows daqui. Vendeu tudo só na primeira viagem a São Paulo. Agora, quando viajarmos para fora, para tocar, vamos trazer mais na mala.”

“Espero lançar o segundo disco no Brasil, em vinil, CD. A gente já está em pré-produção do próximo disco. Assim que voltarmos da turnê e conseguirmos parar um pouco, vamos tentar acabá-lo. Vai ser todo em português, também.”

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Foto algo psicodélica do último show do Boogarins no Brasil antes de se aventurar em tour internacional. Foi em Goiânia, no final de semana passado. Imagem de Renato Reis

** O COMEÇO DE TUDO
“As músicas do Boogarins começaram a aparecer desde que eu conheci o Fernando (Almeida) na escola, no Ensino Médio”, em 2008. No ano seguinte a gente já compunha umas canções. Não éramos bem uma banda. Ele tinha a dele (Ultravespa). Eu não tocava com ninguém. Mas a gente só pensou mesmo em gravar a sério em 2012.”

“Num dia só, quando resolvemos gravar, a gente compôs cinco músicas, algumas que inclusive estão no primeiro disco. “Lucifernandis”, “Despreocupar”, “Hoje Aprendi de Verdade”, “Paul” e uma em inglês, que a gente acabou não gravando. A gente pensou em fazer logo um EP. E até conseguir produzir esse EP fizemos outra música, como “Erre”. A ideia era lançar o EP em março de 2013. E desde o Reveillon de 2012 a gente chamou um baterista e começamos a ensaiar como trio. Não deu certo.”

“Lançamos o EP em março. A gente gravou ele em duo mesmo. Eu gravei as baterias, sem saber tocar a bateira. E em abril do ano passado fizemos nosso primeiro show, como banda, como quarteto, já com baixista e baterista, o Raphael e o Hans. Tocamos em Goiânia mesmo. Aliás, de abril a outubro só fizemos apresentações em Goiânia. Quando o disco foi lançado, nos EUA, é que saímos de Goiás para tocar. Fizemos shows de lançamento em Recife, São Paulo, Campinas, Sorocaba e São José dos Campos.”

“O nome Boogarins saiu quando a gente já ensaiava a banda, os quatro já. Tínhamos gravado as coisas. A gente precisava de um nome para lançar o EP. Como o disco já tinha o título “As Plantas Que Curam”, que eu tirei de um rótulo de uma garrafa de bebida medicinal da minha mãe, a gente queria um nome que tinha a ver. Olhei num livro de botânica e achei o nome “bogarin”, com um “o” só, que era uma flor que exalava o amor puro. Achei que tudo isso combinada com o pique das nossas músicas, algo como uma “onda boa”, então botamos o “o” a mais para parecer com “boogie” e ficou “Boogarins”.”

** A PSICODELIA DO BOOGARINS
A tradição de Goiânia é a música sertaneja. A galera que consegue escapar disso e cai na cena independente curte um rock mais pesado. Como o Boogarins aparece psicodélico, som viajante, meio cena mineira, falando de amor e com nome de flores.

“Isso vem mais do Fernando, o Dinho, que é do Paraná e chegou em Goiânia em 2007 com outras referências. Ele trouxe um pouco desse lado de bandas que cantam em português com uma pegada rock britânica, tipo o Júpiter Maçã. Eu meio que segui o meu pai, que curte mais o rock pesado tradicional mais pesado. Aos 12 anos eu fui pela primeira vez no festival Bananada. E pirei. Essa coisa de compor em português vem mais dele. Antes de conhecê-lo eu nunca tinha feito uma letra. Então, quando me meti a fazer, saiu em português.”

“Eu na verdade acho o nosso som mais “rock de canção”, bem anos 60, Beatles, verso, refrão, verso, do que psicodélico, no sentido de ter músicas longas, coisas muito instrumentais, ser “cabeçuda”. Tudo bem que o EP foi feito quando a gente estava ouvindo muito o primeiro disco solo do Syd Barrett (um dos fundadores do Pink Floyd), depois que ele saiu da banda. A gente procurava ter nas nossas músicas essa sonoridade dele. Uma coisa primitiva, de primeiro sentimento. A nossa psicodelia está mais no espírito, mesmo.”

** O Boogarins toca hoje em Austin em três showcases. Um dentro da programação oficial do South by Southwest e dois em eventos paralelos ao maior festival de música nova do mundo. O do festival mesmo é no Icenhauer’s, nesta madrugada. Amanhã, também dentro da programação oficial do Sxsw, eles tocam no tradicional Red 7 Patio.

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