Top 10 Gringo – FKA Twigs chega para nos libertar. Timothée Chalamet vem para libertar um outro Dylan. E o absurdo Deafheaven chega para quebrar tudo

Andamos muito temáticos nas últimas semanas. É o clima do mundo, que parece pedir por músicas que reflitam essa insegurança política e ambiental geral. Encontramos nesta semana a reflexão corporal/espiritual de FKA twigs, o reencontro dos EUA com o folk de Dylan via Hollywood e o folk em outros cantos do mundo, como a Irlanda. Tem quem cante nossos tempos com paz, vide Anna B Savage, tem quem cante com raiva e sarcasmo, vide Viagra Boys, ou quem cante sob o mais puro metal apocalíptico, como a Deafheaven. Daqui vamos dosando nosso humor.  

Uma palavra com múltiplos significados, uma palavra que pode ser a palavra do ano. Já vimos esse roteiro? Calma lá. “Eusexua” não é “brat” e talvez seja até uma espécie de resposta à ironia hiperconectada de Charlie. Inventada pela britânica FKA Twigs, “Eusexua” é um estar presente no momento, mas um pouco mais que isso. “É um momento de nada. Ou é o momento antes de uma ideia realmente incrível. (…) Essa presença sem ego que é preenchida com esse tipo de clareza formigante”, descreveu a artista em entrevista à NPR. A sacada veio após um período em Praga, onde ficou imersa na vida noturna da cidade, uma vida menos online, mais ligada à dança e ao corpo. Por isso, o álbum, voltado para a pista e para o movimento, parece buscar essa espécie de nirvana. Te levar para essa paz, para essa reconexão, mesmo que o transe sugerido se quebre em momentos mais tortos do álbum, tipo a bizarra “Drums of Death”. Porque uma das missões de “Eusexua” também é essa busca por uma liberdade perdida, encontrar uma espontaneidade perdida diante da hipervigilância. É sobre poder dançar esquisito, se arriscar, talvez quebrar a cara, mas poder viver a experiência completa do ser humano, não esse cercadinho virtual besta em que nos enfiamos.  

“Um Completo Desconhecido” só chega aos cinemas do Brasil no fim de fevereiro, mas é lógico que ficamos impactados com a performance de Bob Dylan do nosso Timóteo Chalamet no programa “Saturday Night Live” no sábado passado. Lançada em 2024, a trilha sonora do filme, toda cantada por Timothée, funciona tanto como uma introdução à obra de Dylan quanto pegando o lugar de mais uma das múltiplas facetas do grande músico americano. Afinal, nada mais Dylan que ser incorporado por outra pessoa – uma sacada tão bem compreendida pelo longa “I’m Not There”, de 2007.

Ok, abandone a gaita e invista num pedal duplo para o bumbo da bateria. Assim que pensa a turma do Deafheaven, bandaça de São Francisco. “Magnolia” é o single que antecipa “Lonely People with Power”, seu sexto álbum. Se até aqui a banda foi identificada como “blackgaze” – mistura de black metal com shoegaze -, dá para dizer que eles estão agora vez para o lado mais metal da força. Pancada assustadora, especialmente para quem conheceu a turma pelo “pacífico” álbum anterior, o gostosinho “Infinite Granite”. Até parece outra banda.

E vamos apostar que 2025 vai ser o ano do folk graças ao filme sobre o Dylan estrelado pelo Timothée Chalamet. Por isso, ficamos felizes em encontrar o som da Lily Seabird, com sua gaitinha, canto frouxo e letra imensa. “Trash Mountain” é o single que apresenta seu próximo álbum, que levará o mesmo nome. Ela diz que a escrita do álbum começou a partir de reflexões sobre capitalismo tardio, tecnologia, mudança climática e sua dificuldade em se concentrar. Ou seja, basicamente um dia nas nossas vidas. Vamos prestar atenção, se conseguirmos focar um segundinho.

Agora vamos unir os dois assuntos: folk e cura. Aí encontramos a proposta de Anna B Savage, que com sua voz grave e seu violão sempre dedilhado, gravado daquela maneira que ouvimos até os dedos deslizando pelas cordas, canta sobre amor e sobre encontro. No caso dela, uma londrina de mudança para a Irlanda e que parece ter encontrado por lá um canto de paz no mundo. 

Quem não parece outra banda são os escoceses do Mogwai, que dentro do espectro do post-rock entregam mais um discão: “The Bad Fire”. O título é uma expressão usada em Glasgow para descrever inferno. O inferno enfrentado pela banda na produção do disco não foi de ordem musical, mas a doença da filha de um dos integrantes junto com uma série de perdas que atingiram todos os integrantes. O que fazer diante disso? A resposta parece ser simplesmente seguir. Após o sucesso inesperado do álbum anterior, “As the Love Continues”, que chegou a liderar as paradas britânicas durante a pandemia, “The Bad Fire” soa, inclusive, mais leve. Chamar de pop seria exagero, mas não seria estranho eles emplacarem outro primeiro lugar nas paradas. 

Considerando que os Viagra Boys são uma banda da Suécia, deve ter sido mesmo assustador encarar uma turnê pelos Estados Unidos com o Queens of the Stone Age. Foi essa trip, que inclui rolês por Walmarts, que inspirou as cenas bizarras inscritas nos versos do vocalista Sebastian Murphy, que incluem assinar o OnlyFans da sua mãe (pois é…) e fazer exercícios em frente a um McDonald ‘s até os próprios músculos explodirem. Sério, é só cena bizarra. Deve ser o trauma de ver a máquina do capitalismo tão de perto – um mar de gente viciada em internet e comida industrializada de quinta categoria. Se a gente falou nestes dias que as melhores músicas do ano andam capturando um certo mal estar global, pode incluir “Man Made of Meat” nessa listinha. Fora a crueza dos timbres. Ou dos vocais – que incluem um arroto.

Ghais Guevara não é filho do revolucionário argentino. O sobrenome Guevara é uma escolha artística. Mas o codinome escolhido pelo rapper norte-americano Jaja Gha’is Robinson não é por acaso. Ele se declara comunista e escreve a partir dessa perspectiva. Em entrevista recente para a “NME”, ele reclamou de como o mundo anda anti-intelectual e que o rap precisa responder a isso. Não por acaso que um dos versos de “Critical Acclaim” é “tentando purificar a casa daqueles que me ensinaram errado”. “Goyard Ibn Said’” é seu primeiro álbum. Olho nele. 

“Rise Up, Sing Out” é uma animação da Disney para crianças bem pequenas que mistura música com aprendizados sociais. Na segunda temporada do desenho, quem cola para dar um recado e fazer um show “pra-lá-de-animado” são as garotas da Linda Lindas, oferecendo um pouco de guitarra para a criançada. Ficou fofo elas imortalizadas em versão cartunesca.  

É justo que o Fontaines D.C. seja mais popularzinho, mas não podemos esquecer o grupo The Murder Capital, outro nomão da cena pós-punk irlandesa recente. “Blindness”, terceiro álbum deles, está previsto para o mês que vem. Esta “The Fall”, o single mais recente, é toda no esquema consagrado pelo Pixies – versos quietos, refrão barulhento. De brinde rola uma guitarrinha bizarra que fica desenhando uma melodia metálica o tempo todo. “The Fall is coming” se esgoela no final o vocalista James McGovern. Lembra um tiquinho o Nirvana, até o jeito desleixado de encerrar a faixa, deixando tudo fazendo barulho.

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* Na vinheta do Top 10, a cantora britânica FKA Twigs.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.