Entre a tranquilidade do campo, de um sítio rosa, até a chave de ouro visceral de Edgar. Ou então, entre novos nomes do underground, tipo Naimaculada, até instituições do rock brasileiro, tipo Forgotten Boys. É lá e cá, pancada e suavidade, igualzinho o que os Pixies ensinaram a todos nós.
Sítio Rosa é o nome do projeto e do primeiro álbum da turma formada por Jennifer Souza, Bernardo Bauer, Julia Baumfeld e Laura Lao, uma produção mineiríssima (ou quase) que começou na pandemia no acolhedor sítio de Bernardo. E acolhimento é a palavra que ressoa por todas as calmas canções dessa estreia. É um ambiente tão solto, tão sítio por assim dizer, que os cachorros passam, se ouve o barulhinho do vento expresso nas plantas e as crianças às vezes dão uma canja enquanto correm para a próxima brincadeira. Um disco feito no mato e que leva o mato para qualquer lugar que você queira. É música capaz de amenizar um calor brutal e seco de São Paulo, saca? Em algum período do mesmo dia em que esteja frio.
O rap de Edgar sempre é particular. Sua preferência é por deslocar as ideias do lugar, deixando tudo torto, a ponto de a cena do rap até fazer cara feia de vez em quando. Mas se cara feia, para nós, é fome, desta vez Edgar vem com um som com uma pegada bem tradicional e uma letra que é tiração de onda total. “Não é para pensar, é para se jogar na pista”, ele diz. Bem dito!
Julia Zatt é uma jovem do Rio Grande do Sul que brinca em sua minibio que é uma “cantora e compositora com dificuldade em se colocar numa caixinha”. Seus singles lançados até aqui são mesmo muito diferentes entre si, perambulando às vezes entre um pop mais clean, outro mais denso, como nesta “Visceral”, que explora bastante “uma sexualidade feminina mais real e menos performática”, como descreve Julia, que agora está em São Paulo estudando Artes Cênicas. Artista para ficar de olho.
Das muitas encarnações da tradicionalíssima banda Forgotten Boys, praticamente uma instituição da música underground brasileira, nenhuma parece tão no lugar quanto a atual com Gustavo Riviera, Zé Mazzei, Dionísio Dazul e Chuck Hipolitho – especialmente por Chuck ir para a bateria, seu instrumento principal, ainda que seja um guitarrista tremendo também. E desse lugar de sossego interno, muito alimentado pela experiência da estrada, “Click Clak” soa despretensiosa e leve.
Fazendo um forte remelexo de rock, punk, música psicodélica e até MPB, o jovem grupo de rock Naimaculada, que tem na bateria um herdeiro do punk brasileiro, o jovem Pietro Benedan, filho de João Gordo, tem força para sacudir a cena. É tão doido que chega a lembrar um pouco de Lobão e Cazuza, mas passando longe de soar oitentista, por exemplo.
Rodrigo Campos fecha com o álbum “Pode Ser Outra Beleza”, lançado nesta semana, uma segunda trilogia em sua carreira solo. Conforme ele mesmo explica, o processo que inclui “9 Sambas” (2018) e “Pagode Novo” (2023) é uma “labuta interna, tanto na busca de significado quanto na busca estética, gravando cada vez menos instrumentos e mais sozinho”. Aqui temos o auge do processo, um disco de voz e violão na busca por colar as duas emissões sonoras numa terceira coisa muito particular. É impossível não pensar em João Bosco em “Amar à Distância”, onde Campos também faz o papel de Aldir Blanc, já que joga em todas as posições. Esse “se virar” também está expresso na capa do álbum, um desenho de Romulo Fróes utilizando apenas caneta Bic. Nos tempos excessivos que geralmente escondem faltas de todos os tipos, os artistas que limpam o cenário e se despedem dos artifícios encontram o algo mais.
Precisamos falar um pouco mais do álbum mais comentado do momento: “Maria Esmeralda”. Eles já estiveram aqui no segundo lugar, lá em junho, mas é preciso um pouco mais. É um pouco difícil explicar o trabalho, porque a reunião de artistas que fez o disco não é um grupo fixo e até o streaming se confunde em como creditar o trabalho ao quinteto formado por Thalin, VCR Slim, Cravinhos, Pirlo, iloveyoulangelo. Mas, guiado pela voz e letras de Thalin e as bases dos quatro artistas, “Maria Esmeralda” convoca para uma imersão que só funciona dando play no álbum todo na ordem. Mais uma camada? O conceito do disco acontece fora do álbum. Como explicou Cravinhos em entrevista à “Veja SP”, é o disco que está contido na história de Maria Esmeralda e não o inverso. Sacou? Adicione aí também as letras que não iluminam o objeto, mas dão flashs em cenas, momentos, ideias breves. A brisa deles e a pesquisa lembra um pouquinho os momentos menos acelerados dos Beastie Boys. Desde que o grupo, que dificilmente consegue se reunir, tocou no Sesc Pompeia, artistas e curadores não falam em outra coisa.
Outra música que já tem um tempinho e merece um alô é “Tempo de Mistério”, o single mais recente da baiana Livia Nery. Com a produção de Curumin, que traz para o som sua típica densidade nos graves, Livia mergulha a gente aqui nas aventuras da maternidade, temática que atravessa a música de uma forma sublime, em especial pela habilidade de Livia de não usar um lugar comum na história. Que riqueza!
Momo., aka Marcelo Frota, é um brasileiro pelo mundo. Passou por Angola, Estados Unidos, Espanha, Portugal e agora está londrino. Seu sétimo álbum, “Gira”, que sai no dia 18 de outubro, é o primeiro gravado na capital inglesa. E lá de longe, ao lado do velho parça Wado nas letras, quem ele resolve visitar? O Brasil, lógico. E “Rio” é essa caminhada pela música a partir do piano de Jobim, a partir das ruas que inspiraram muitos dos melhores momentos da música brasileira.
A música infantil pode ser bem irritante para os pais, né? É um território que às vezes não respeita nem a criança e duvida da sua inteligência. Bom saber que agora temos um disco da turma da Tuyo se aventurando nesse território – que já foi espaço da MPB e que as novas gerações acabaram quase toda ignorando. As músicas são espertas, ternas e respeitam a discografia da banda – algumas são cheias de ousadia nos arranjos eletrônicos quebrados. Bonitinho demais.
11 – Rancore – “Quando Você Vem” (6)
12 – Giovani Cidreira – “Feira do Rolo” (com Vandal) (7)
13 – Rodrigo Amarante – “In Time” (8)
14 – Mundo Video – “O Que Nos Aproxima” (11)
15 – Curumim – “Só Para no Paraibuna” (14)
16 – Batata Boy – “Tudo pra Agora” (com Bruno Berle e Snowfuks) (15)
17 – Jean Tassy – “Dias Melhores” (com Don L) (16)
18 – Jonathan Ferr – “Lugar ao Sol” (com Orquestra Ouro Preto) (17)
19 – Rappin’ Hood – “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores” (com Geraldo Vandré) (18)
20 – Jards Macalé – “Olho de Lince” (com Waly Salomão) (19)
21 – Tássia Reis – “Só um Tempo” (com Criolo) (20)
22 – Papangu – “Rito de Coroação” (21)
23 – Zé Manoel – “Canção de Amor para Johnny Alf” (22)
24 – Ale Sater – “Final de Mim” (23)
25 – Liniker – “Me Ajude a Salvar os Domingos” (24)
26 – Swave – “Sirene” (25)
27 – Maria Beraldo – “Matagal” com Zélia Duncan (26)
28 – Caxtrinho – “Cria de Bel” (27)
29 – Bruna Mendez – “Temporal” (28)
30 – Thiago França – “Luango” (com Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) (30)
31 – Varanda – “Vida Pacata” (31)
32 – Vitor Milagres – “Um Barato” (32)
33 – Dora Morelenbaum – “Caco” (33)
34 – Bebé, Rei Lacoste, Giovani Cidreira e Tangolo Mangos – “Sem Ódio na Pista” (34)
35 – Apeles – “Fragment” (35)
36 – Febem – “Abaixo do Radar” (com CESRV e Smile) (36)
37 – DJ Anderson do Paraíso – “Madrugada Fria” (37)
38 – Alaíde Costa – “Foi Só Porque Você Não Quis” (38)
39 – Exclusive os Cabides – “Coisas Estranhas” (39)
40 – Chico Bernardes – “Até Que Enfim” (40)
41 – TRAGO – “Porvir” (41)
42 – Vivian Kuczynski – “Me Escapo a Cuba” (42)
43 – Papisa – “Vai Passar” (43)
44 – Antônio Neves – “Dinamite” (44)
45 – Mateus Fazeno Rock – “Madrugada” (45)
46 – Julia Branco – “Baby Blue” (46)
47 – Taxidermia – “Clarão Azul” (47)
48 – Mirela Hazin – “Delírio” (48)
49 – Bruno Berle – “Te Amar Eterno” (49)
50 – Pabllo Vittar – “Pra Te Esquecer” (50)
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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a banda Sítio Rosa, em foto de Pedro Hamdan.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.