O universo que cerca o Skank é repleto de clubismo.
Clubismo nosso por eles. Clubismo deles por Minas, pelo Cruzeiro e pelo futebol. Elementos que o Skank flertou a vida toda, criando um microcosmo próprio em torno do ska-pop-rock-mineiro que chamaram para si. Nesse microcosmo, tudo tem hora e lugar: difícil imaginar artista que tenha se associado tão intrinsecamente a um estádio como o Skank e o Mineirão, por exemplo. E, para alguns, vaiar o anúncio da final Atlético-MG x América que passava ocasionalmente pelo telão do estádio – antes do show de domingo – já fazia parte desse universo.
Samuel Rosa não reclamaria.
Tinha que ser ali, na casa do Cruzeiro; do vídeo de “É Uma Partida de Futebol”; no palco do estelar show ao vivo de 2010; no palco até da live durante a pandemia, usado como se fosse casa da banda. Foi lá, com 50 mil pessoas clubistas pelo Skank, que a banda se despediu calorosamente.
Tão calorosamente que, por vezes, você esquecia que Samuel Rosa, Lelo Zaneti, Henrique Portugal e Haroldo Ferretti pretendiam encerrar por ali. Se a despedida de Milton Nascimento naquele mesmo palco, meses atrás, tinha um tom solene e magistral, a do Skank tinha a mesma potência elétrica dos garotos de 20 e poucos anos que ali começaram: com pulos, gritaria, guitarra e baixo enérgicos. Energia essa que se estendia para as pessoas de diversas idades espalhadas pelo estádio. Da querida Rosely, de 60 anos, viúva que encontrou no Skank uma paixão ardente, ao Matheus, 32, artista que sonha em um dia achar a fórmula mágica que Skank encontrou, todos pulavam feito crianças ao meu lado.
Mas, se não parecia, aquele adeus tinha razão de ser. Ao longo da turnê de despedida que o Skank conduziu pelo Brasil nos últimos meses – e que desembarcaria, finalmente, no Mineirão –, Samuel Rosa reafirmava a vontade da banda de sair por cima. É o velho risco da banda de rock: o medo de se estender além da conta, se tornar a caricatura de si mesmo, sem força ou saúde para tanto. Craque que é craque sabe a hora de parar.
Com um repertório que passeava por toda a carreira, a banda abriu o derradeiro show com “Dois Rios” e seguiu crescendo, com clássicas como “Jackie Tequila”, “Tão Seu”, “Balada do Amor Inabalável” e “Sutilmente”. Em certos momentos, revisitou faixas menos conhecidas, como “Formato Mínimo”, sempre buscando envolver os presentes com algum gesto que os incluísse – mesmo nas músicas que não lhes eram familiares.
Em piada com o repercutido show do Coldplay, por exemplo, Samuel brincou que no show do Skank não tinha pulseirinha; o público respondeu acendendo as lanternas dos celulares e colocando dentro dos copos laranja, rosa e azul, uma forma mais rock à la Skank de reproduzir os gadgets. O vocalista pedia, a plateia fazia: rodar a camisa ao som de “Três Lados” ou cantar os maiores hits acapella, de novo e de novo.
A aura jovem se contrastava com a paz que a banda transparecia. Ainda que emocionados, os quatro transmitiam um clima de resolução com a decisão. Entre lágrimas, Samuel lembrava: “A gente teme muito ser efêmero no mundo da música pop. Hoje, a gente sobe com todas as respostas”.
Todas mesmo: em “Resposta”, curiosamente, a banda trouxe o grande convidado da noite – o próprio Milton Nascimento. Nesse gesto, o Skank cravava seu lugar nas alturas; inquestionável e contagiante, sim, mas também altivo. Afinal, se uma entidade como Bituca, já aposentado, se junta até você em seu ato derradeiro, de que outra resposta você precisa?
Para as 50 mil pessoas ali presentes, dificilmente ficariam dúvidas do tamanho do Skank. Mas naquele show de mais de três horas – que passaram voando –, câmeras e drones rodearam banda e público para um presente a mais. A banda afirma que o registro do fatídico show vai se tornar um DVD: um alento a quem teme se enviuvar do grupo. Simbolicamente, esse gesto denuncia que, ainda que o grupo pare, ainda se preocupa em deixar um legado – um comprometimento com o futuro, com se manter tocando por aí.
E, realmente, basta reparar: da praia na Bahia à loja em São Paulo, dá para ouvir Skank em todo lugar, mesmo hoje.
Quem vai ter coragem de dizer que acabou?
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* Fotos: Alexandre Stehling