Semiload – Precisamos falar de eurodance anos 2000. E do “Summer Eletrohits” (lembra?)

Quando tudo parecia tranquilo, lá vai a Dora Guerra mexer com o eurodance dos anos 2000, como tema da Semiload desta semana. A dona da newletter musical mais bacana desta nação, a Semibreve, nossa parceira quinzenal, se apoia no outrora famoso “Summer Eletrohits”. Mas a coisa não é só nostálgica. Tem um por quê, né, Dorinha?

Com uns fortes indícios aqui e ali – Charli XCX interpolando “September” e Tove Lo fazendo um aceno a “Crazy Frog”, que fazia um aceno a “Hot Butter” –, concluí que chegou a hora de realizar um sonho. É, gatinha, é dia de falar de “Summer Eletrohits”.

Para quem não era um jovenzinho no novo século, aqui está um contexto: o fenômeno “Summer Eletrohits” era uma coletânea anual da gravadora Som Livre e do canal Multishow, com icônicas faixas dançantes geralmente produzidas na Europa. É uma consequência direta do fenômeno eurodance (que precedia a virada do milênio, mas talvez tenha atingido um segundo auge na década de 2000).

Ali, naquela época, muitas das músicas não eram lá a coisa mais respeitada do mundo; orbitando entre disco, house, trance (e muitos sintetizadores), elas eram feitas para ser pegajosas – sem que fossem necessariamente significativas ou precisassem de tradução.

Ou seja: muitas delas são meio cafonas, para dizer o mínimo, mas algo na formatação de tudo (os vídeos que esbarram no surrealismo, as faixas dançantes e o clima europeu que se distinguia do dominante estadunidense) era realmente atraente. 

Os vídeos, aliás, eram um ponto interessantíssimo: acenavam claramente à época em que estávamos, abusando de um CGI precário de quem acabou de conhecer a internet ou representando a mentalidade “O mundo vai acabar em festa” que regia a primeira década do século. Coincidindo com o princípio do Youtube, esses vídeos começavam a apontar para uma música que pudesse ser divulgada e revisitada de forma mais ampla, com recursos mais à mão; a história do “Crazy Frog”, por exemplo, é fortemente ligada à cultura de websites e aquela coisa “Tudo é de todo mundo”, daquele período terra sem lei da internet. 

É interessante que o “Summer Eletrohits” seja um fenômeno dentro do fenômeno, uma manifestação típica para um povo que consumia coletâneas como ninguém. A boa recepção ao fenômeno no Brasil tem diversas possíveis razões – dentre elas, o território que se aqueceu aqui dos anos 90 em diante: 

“Ao fim da década de 1980, porém, essas casas já começavam a tocar sons vindos de uma linhagem de discos europeus que pegavam elementos dessa música eletrônica underground, principalmente o house, e incorporam isso num som muito mais comercial. O sucesso do gênero foi crescendo exponencialmente: o famoso termo “poperô”, por exemplo, surgiu do clássico “Pump Up the Jam”. – matéria da Tab Uol

Com grande público em formação por aqui, esse período foi essencial para que surgissem festivais, gravadoras, uma carreira inteira do Latino baseada em uma versão de um hit do eurodance e talvez a parte mais complicada: a ascensão da Jovem Pan, que até então parecia ser uma rádio inofensiva(!) com músicas para… jovens. Tivemos até nossos próprios hits, incluindo “Can’t Get Over”, do Kasino (que eu só fui descobrir recentemente que é um artista nacional).  

E é difícil até precisar quanto dessa leva da dance music influenciou o que surgiu por aqui: não só o popzão dançante, o Rouge e a Kelly Key, nem só a carreira inteira do Latino. É possível que esse fenômeno tenha mexido com boa parte da nossa cultura de modo geral, que hoje investe milhares de reais em festivais de eletrônica ou palcos em festivais. 

Curiosamente, o eurodance teve uma característica de crescer rapidamente, explodir e desaparecer. Em sua maior parte, não deixou grandes ídolos com carreira global duradoura: nunca mais ouvi falar de Cascada e não sei por onde anda O-Zone.

Claro, não sei o tamanho da relevância que eles tiveram em seus países natais ou no continente nos anos seguintes, mas fato é que poucos nomes ficaram. 

Isso pode ter a ver com alguns fatores: primeiro, que o sucesso do eurodance daquele momento era muito mais devido à sonoridade dançante feita pelos produtores que aos artistas que assinavam as faixas, fazendo com que só sobrassem os David Guettas da vida; segundo, o fato de que o eurodance não necessariamente emplacou nos EUA, apesar de seu forte impacto não só na Europa e por aqui, mas até no Canadá. E, por último, bom, admito que era uma sonoridade meio datada.

Mas basta fuçar para entender que o negócio deixou um legado. Os EUA ficaram lá, fingindo que não ouviam, mas o EDM dos anos 2010 que os artistas estadunidenses faziam não surgiu do nada; e tinha, com frequência, participação de produtores europeus (faixas que até foram parar nos “Summer Eletrohits” mais tardios, que eu desconsidero aqui por motivos de preciosismo). O eurodance foi fundamental para tornar a dance music familiar para muitos de nós, preparando o terreno pra tudo que viria em seguida.

E, claro, o “Summer Eletrohits” ficou na nossa cabeça atrelado a uma memória afetiva fortíssima, causando o que estou prestes a pedir: Pabllo Vittar, cadê sua versão de um “Summer Eletrohit”?
 
Uma playlist acompanha este texto aos mais nostálgicos. Ou os curiosos.


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Dora Guerra também causa uns fenômenos com seus tweets, no @goraduerra.

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