Popload entrevista Bob Dyl… Quer dizer: Cat Power. Cantora americana traz seu último álbum (ou o álbum dele) a SP em maio


Eu não ficaria exatamente surpreso se, em minha ligação para entrevistar a cantora americana Cat Power, do outro lado da linha virtual estivesse um outro artista dos EUA, mais veterano e mais “clássico” que ela: um tal de Bob Dylan. De uma certa forma foi ele que atendeu, sim.

Um dos grandes discos de 2023, que inclusive vai render show no Brasil em maio dentro da programação do C6 Fest, é “Cat Power Sings Bob Dylan: 1966 Royal Albert Hall Concert”.

O álbum, gravado ao vivo como o original, foi lançado em novembro, recriando nos mínimos detalhes o histórico disco dos anos 60 que a princípio era pirata, entrou em 1998 na discografia oficial de Bob Dylan e manteve seu título assumidamente errado como ele ganhou ruas e feirinhas de música na Inglaterra à época e por muitos anos depois: o show foi gravado no Free Trade Hall, em Manchester, não no Royal Albert Hall, em Londres. 

O disco de Bob Dylan é icônico porque naquela época, o músico fazia um dos últimos shows de uma turnê tumultuada pela Europa, que foi recebida de forma hostil. Dylan havia, meses antes, começado a testar instrumentos elétricos como a guitarra em suas apresentações ao vivo, algo que os puristas de plantão, fãs do folk raiz de protesto do cantor e compositor, não curtiram nada.

Em um dado momento desse show em Manchester, numa transição de set, Dylan trocou o violão pela guitarra antes de cantar a faixa “Like a Rolling Stone”, quando ouviu muitas vaias e um sonoro grito de “Judas” por parte de um fã.

O recorte inesquecível desse importante episódio para os anais do rock foi recapitulado no show que Cat Power fez para captar a sonoridade do disco ao vivo que ela lançou agora. Detalhe: Cat Power escolheu o Royal Albert Hall para “corrigir” o erro pirata e recriar o disco de Dylan no “lugar certo”.

Nesse concerto dela que estava sendo gravado, alguém da plateia repetiu o “Judas” antes da performance de “Ballad of a Thin Man”. Cat Power resolveu responder “Jesus”. E a história foi recontada e ampliada agora.

“Sim, vocês não conseguem se livrar de mim. Eu gosto tanto do Brasil. Você sabe que eu quase morei no Brasil em 2001, né? Procurei uma casa em Santa Teresa, no Rio. Eu tinha um amigo em São Paulo, mas eu quis ir para Santa Teresa porque visitei lá com esse amigo e encontrei uma casa colonial linda, com mármores originais, mangas, as vegetações, macaquinhos visitando, todas essas coisas”, começou nossa conversa Chan Marshall, a Cat Power (Não, não foi o Bob que atendeu a “call”!).

“Acabei indo morar em Miami mesmo, onde meu melhor amigo morava”, falou a cantora, que emendou no papo a história de encarnar Bob Dylan e fazer disso um disco, corrigindo aspectos tipo gravando no lugar certo, respondendo reclamões da plateia etc.

Porque, sim, “Cat Power Sings Bob Dylan: 1966 Royal Albert Hall Concert” não é um mero álbum de covers, desses que ela já tem três em sua discografia (“The Covers Record”, de 2000, “Jukebox”, de 2008, e “Covers”, 2022). Ela virou o Bob Dylan.

Mas, antes, ela continuou falando de Brasil. “Acho que minhas melhores memórias da vida são do Brasil. Os públicos de shows são tão diferentes pelo mundo. Não tô dizendo melhor nem pior. Cada um tem o seu estilo, consigo ver isso claramente de cima do palco. O público daí é tão especial.”

Pronto, agora vem a parte Cat Power enquanto Bob Dylan, quando ela descamba a falar do ídolo homenageado.

“Esse disco é mais que uma gravação. Eu queria que o álbum fosse uma performance. Eu me transportei para 1966 para interpretar Bob Dylan nas gravações do mesmo jeito que eu fazia antes nos meus shows no começo de carreira, quando eu tinha meus 20 anos e era muito tímida para estar ali diante de um público. Mas tinha que fazer. Então eu me transportava para outro lugar, para lidar com aquilo. E, ao gravar Bob Dylan, eu me imaginava em 1966 com ele, fumando um cigarro, ele ali no soundcheck comigo. Então não acho que eu estava lá nas gravações atuando ser o Bob Dylan. Eu estava em 1966 com ele, sentindo aquela mágica, aquela energia.

“Não é que eu fui estudar 1966 para regravar esse disco do Bob Dylan. Eu amo música. Música é parte da minha vida. Não sou acadêmica, não consigo ser. Então eu apenas me senti em 1966, e um caminho foi conectar com memórias da minha infância com minha avó, você me entende? Eu costumava cantar essas canções de Bob quando eu era uma garotinha.

“Queria ter essa essência, a essência dessa época passada, quando gravei este disco agora. Porque era algo honesto, espontâneo. Tipo quando eu cismei quando criança que eu queria ser uma backing vocal do Michael Jackson. Era o sonho da minha vida naquele ponto. Eu achava que tinha muito potencial para aquilo, cantava todas as músicas dele como se eu fizesse parte daquilo. Foi o que eu procurei fazer agora com o Bob Dylan. Mais do que cantar no lugar dele, eu queria me sentir participando de alguma forma daquele show. 

“Eu também não ensaiei para cantar as músicas do disco. Passei elas umas duas vezes, no máximo. Quando você quer pintar, você não exatamente ensaia para começar a pintar o que você está imaginando. Você vai lá e pinta. Usei o mesmo raciocínio. O mesmo feeling. 

“Se eu conheço o Bob Dylan pessoalmente? Eu me sinto da mesma família dele. Devemos ter um mesmo DNA em algum lugar. Estou brincando. Já nos encontramos algumas vezes, gosto de me sentir amiga dele. Talvez o melhor jeito é dizer que temos uma relação amistosa. Ele sabe que eu o amo, eu sei que ele gosta muito de mim. Não sei se é uma questão de afinidade ou de respeito ou ambos, mas nós temos uma relação de quem joga no mesmo time, sabe?

“Se ele disse algo sobre o disco? Ele não precisa dizer nada. Não é sobre ele dizer se gostou ou não. É por ele saber que eu quis dar um presente para ele enquanto ele está na Terra.”

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* CAT POWER sings BOB DYLAN ’66 é uma das principais atrações do C6 Fest, junto com Pavement e mais umas 27 atrações para sua segunda edição. O festival acontece de 17 a 19 de maio no parque Ibirapuera, em São Paulo. Cat Power se apresenta no dia 19, o domingo do evento.Ingressos estão disponíveis para a compra aqui. Mais infos gerais do festival, por aqui.

** Esta entrevista com a Cat Power saiu originalmente na mais recente edição brasileira da revista francesa “Numéro”.