A seminal banda escocesa Primal Scream, de história gigantesca na música independente, toca nesta noite em São Paulo, em show único no país a ser realizado no clube Audio, na Barra Funda.
O grupo, liderado pelo figuraça Bobby Gillespie, apareceu em Glasgow no pós-punk real britânico dos anos 80, se alojou todo dance e psicodélico na Madchester no comecinho dos 90, se camuflou de roqueiro no grunge revolucionário da turma de Seattle e nunca acabou. Sempre seguiu lançando discos de música nova e saindo em turnês. Jamais entrou na onda dos comebacks.
O que pode parecer um “aproveitamento” das modas musicais é exatamente o contrário no caso do Primal Scream. A banda sempre trouxe sua identidade e seu frescor inventivo para as ondas sonoras da vez. Todos os movimentos teve a “marca Primal Scream”.
Foi assim com um dos discos mais absurdos da história, o “Screamadelica”, de 1991, que saiu poucos dias depois do “Nevermind”, do Nirvana, e botando ordem (ou bagunçando geral) na algazarra dance da galera ácida de Manchester. Foi assim nos poderosos discos posteriores: “Give Out but Don’t Give Up”, “Vanishing Point” e “XTRMNTR”.
Bobby Gillespie em si é e sempre foi o comandante dessa barca do grito primal. Foi atropelado na infância e adolescência pelo punk numa vida sofrida na periferia de Glasgow e acabou fundando o fundamental Jesus & Mary Chain com os irmãos Reid. Se você leu o incrível livro “Garoto do Cortiço” (Ed. Terreno Estranho) você consegue ter a dimensão de metade da importância desse cara para o rock inglês e para a música mundial.
Fora que o livro realmente para no auge do Primal Scream, que é o lançamento do “Screamadelica” em 1991. O resto (o melhor?) da história ainda está para ser contada.
Mas então Bobby Gillespie saiu dos Mary Chain e formou o Primal Scream, banda que arrasta a tiracolo até o palco da Audio, nesta abençoada noite de clássicos indeléveis da música independente.
Mais uma vez, e a respeito desta visita de hoje, conversamos com Bobby Gillespie. Enviamos um monte de perguntas por Whatsapp e ele foi respondendo por áudio, na mesma plataforma.
O resultado desse papo “moderno” com um dos caras mais modernos da história da música que a gente gosta, esse senhor de 64 anos aí da foto, você vê aqui logo abaixo.

* Sobre as vezes que se apresentou no Brasil com o Primal Scream
“Fizemos um grande show há bastante tempo, acho que em 2003 ou 2004, num festival [Tim Festival, 2004] que tinha a PJ Harvey, Brian Wilson e o CSS. Sim, conhecemos o CSS nele, garotas incríveis. Acho que essa foi a primeira vez que fomos ao Brasil. Depois tocamos o “Screamadelica” ao vivo [o terceiro álbum, show no Popload Gig de 2011 em comemoração dos 20 anos do disco]. Lembro das apresentações em São Paulo, Rio e Porto Alegre. Sempre grandes shows. Adoro voltar ao Brasil.”
* Sobre ter uma banda nos dias de hoje para um cara que está na estrada desde os anos 80.
“A gente começou a banda em 1984 e atravessamos muitas e muitas mudanças na indústria musical, e com essa proliferação de serviços de streamings me sinto completamente explorado como trabalhador da música. Nos anos 80 e 90, quando o principal era vender CD, vinil e k7, as pessoas compravam esses produtos físicos e era possível viver como artista. Hoje em dia, as gravadoras deram todo nosso catálogo de músicas da vida para os serviços de streaming. As gravadoras fazem dinheiro, os streamings fazem dinheiro e nós, como artistas, não vemos dinheiro nenhum com nossa música. Total exploração. Mas, enfim. Somos artistas e como tal estamos sempre pensando em novas ideias para nos mantermos motivados em trabalhar com música.”
* Sobre esse enorme interesse atual sobre bandas britânicas famosas dos anos 90, como Oasis, Pulp, Suede, Manic Street Preachers, o próprio Primal Scream, todos lançando discos relevants nestes últimos anos.
“O Primal Scream é uma banda diferente de todas as que você citou. À parte o Manic Street Preachers, todas essas bandas acabaram e depois voltaram. Primal Scream nunca acabou, nunca parou de lançar discos, sempre tivemos nova música para mostrar. Não foi o mesmo com Blur, Suede, Pulp, Oasis. Eles terminaram a banda. Nunca fizemos o mesmo disco, na mesma fórmula, duas vezes seguidas. Nosso som nunca remeteu apenas aos anos 90, a gente saiu dos anos 90, nunca ficamos presos nessa década. Até a capa de discos novos deles remetem aos anos 90. Primal Scream jamais deixou de viver adaptado aos tempos e sempre nos desafiamos para nos mantermos atuais, não uma “lembrança”.
Entende o Bobby?
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* O Primal Scream toca nesta terça às 21h30 na Audio, em São Paulo. Ainda tem ingressos disponíveis, aqui. A produção é uma ação conjunta da Music On e da Balaclava Records.
** A editora Terreno Estranho vai levar cópias de “O Garoto do Cortiço” para vender no local.
*** O crédito da foto de Bobby Gillespie que estampa este post é de Adam Peter Johnson.
**** Abaixo, o Primal Scream tocando a inesquecível a indie-dance-gospel “Loaded”, música do “Screamadelica”, há poucos dias em Santiago, no Chile.