Top 50 da CENA – Zé Ibarra traz um segredo ao ranking. Marrakesh troca as palavras em segundo. E agora é Uana que toma uma antes do almoço para pensar melhor

Encontrar novos compositores, revistar o passado com originalidade, voltar a falar bom português, saber escrever com bom humor. Esses são alguns dos aspectos das músicas que selecionamos nesta semana. Em um momento de mercado aparentemente aquecido, alguns artistas parecem começar a se preocupar mais com um desejo de outras partes por uma homogeneização totalmente cruel com seus trabalhos. Algo está rolando.  

Já dá para afirmar que Zé Ibarra é um dos grandes intérpretes da obra de Sophia Chablau. Em “Marquês, 256”, ele sacou a engraçada “Hello”. Agora em “Afim”, deixa “Segredo” ainda mais romântica ao verter o toque indie rock da original para uma MPB setentista. Mais: ainda tem uma Sophia Chablau inédita no novo disco: “Hexagrama 28”. E isso é só um aspecto de mais um bom álbum de Zé, mesclando mais uma vez suas habilidades de compositor com o olhar aguçado para encontrar os novos compositores, sua geração. Ítallo França, Maria Beraldo e os amigos mais próximos Tom Veloso e Dora Morelenbaum estão presentes. Em um texto no Instagram, Zé falou de sua vontade de explorar mais e mais quem ele é, escapar dos limites forçados de um mundo pautado no algoritmo. No papo, colocou “Afim” como meio desse processo, da busca. Só de ter um esforço efetivo para sair da massificação, dessa insanidade que anda deixando tudo soando igual, Zé sai na frente e sugere um movimento, um aspecto da obra de seus ídolos que muito fã/artista deixa de lado ao só pensar no mercado da música. 

Legal quando nossas bandas cantam em inglês, mas vamos combinar: tudo é melhor em português. O terceiro disco do grupo paranaense (radicados em SP) Marrakesh, o primeiro inteiramente em português, fortalece essa afirmação. Os singles lançados até aqui praticamente reapresentam o time formado por Winebathory, Truno, Daniel Ferraz e Matheus Castello. Vemos outros traços, novos humores, outra dinâmica. Tudo soa mais próximo, nosso, reconfortante mesmo quando fala de dor. 

“Replay” tem sido um nobre projeto audiovisual interessado em trazer artistas da nova geração para regravar álbuns clássicos da música brasileira. “Da Lama ao Caos”, estreia da Nação Zumbi, é o segundo discão homenageado e reatualizado (o primeiro foi “Acabou Chorare”, dos Novos Baianos, em 2021). Como acontece em ideias do tipo, algumas releituras funcionam melhor do que outras e tudo bem. Nossa favorita é a sacada da Uana em tirar onda com “A Praiera” e seu convite esperto de tomar uma antes do almoço. Ao jogar um grave e suavizar a música ao mesmo tempo, ela encontrou uma nova alma para a música. Soa bem aos ouvidos. 

Música de duplo sentido é moleza, duro é mesclar duplo sentido e outra substâncias. E é isso que Candy Mel faz em “Tanto para Dar”, onde lança um papo sobre imaginar novos e coloridos futuros. De brinde, Rico Dalasam capricha em versos inéditos, algo sempre bom. Temos em “5Estrelas”, primeiro solo de Candy, a vocalista que conhecemos na Banda Uó ainda mais dona de si, seja para tirar sarro, falar sério, amar ou sofrer. Ela tem mesmo muito mais para dar. Chega no “amor sincero”.

Em um post no Instagram, a vocalista Carol Cavesso brincou anunciando seu disco com o trio de jazz Otis Trio: “Jazz?”, ela questiona. Parece que não é, mas é também. Não é de hoje que o trio formado em Santo André há 20 anos tem dificuldade em dar nome para o que faz. Com Carol colocando voz no som da banda, antes todo instrumental, rola uma conexão do jazz amalucado deles com uma MPB mais tradicional. Mas ainda faltam palavras para explicar a bagunça aqui. É como a sobreposição de duas imagens que só fazem sentido juntas. Faz sentido? 

Luan Santana acorda assustado de um pesadelo. No conto de terror noturno, ele era um astro da música sertaneja e cantava sobre encontrar alguém com quem passaria a vida todinha. Atordoado, olha para seu pôster do my blood valentine na parede, lembra da ex recente, pega a guitarra e escreve uma canção de nove minutos sobre desamor. Que papo é esse? A gente acha que foi isso que a Lupe de Lupe imaginou para escrever “Redenção (Três Gatos e Um Cachorro)”, primeiro single do próximo álbum do quarteto mineiro, “Amor”. Parece viagem nossa, mas não é. “A música mistura elementos da música gótica, do funk, do rock, do noise, do sertanejo”, descreve a banda. E de fato, temos aqui três guitarras malucas conduzindo uma música que desemboca num verso ecoando o Luan Santana da vida real – “eu, você, dois filhos e um cachorro”. Talvez a música tenha ainda mais de sertanejo, é questão de repertório cultural para sacar. Dito isso, Renan Benini, Gustavo Scholz, Jonathan Tadeu e Vitor Brauer anunciaram junto com o single uma super turnê pelo Brasil – um primor de organização, passando por todas as regiões do país e com todos os ingressos já disponíveis para compra, a maior parte pelo que vimos em casas pequenas da CENA de cada cidade. Um exemplo de trampo para a turma independente. É luta. A promessa é de shows longos, papo de duas horas passeando por toda a discografia da banda. Os caras sabem muito. 

Nas capas das duas versões de “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água”, Luedji Luna aparece na água sempre próxima do raso. “Um Mar para Cada Um” fecha essa trilogia hídrica, mas a profundidade agora é outra. A capa traz uma hidromedusa capturada por Alvaro Migotto, pesquisador da biologia marinha. A ida agora é para aquela região do oceano onde os humanos não vão. Essa viagem até as profundezas é uma visita a si mesmo de Luedji. Ela toca em intimidades e segredos seus, chega até suas inseguranças, revela desejos. Expõe seus monstrinhos marinhos, mas suas belezas também. Até o formato do disco lembra um mergulho – vamos indo fundo até a meiuca do álbum e depois vamos voltando à superfície. No som, está expressa essa viagem sendo o trabalho mais solto de Luedji até aqui. Ela não faz referência ao jazz, não é uma citação ao gênero, é tudo jazz. Uma ousadia tamanha já na primeira faixa, um instrumental, zero voz num disco de cantora. Outra pesquisa presente é o sound healing, terapia experimentada por Luedji e presente especialmente em “Baby Te Amo”. As boas frequências curam.  

Branco dá a impressão de menos, mas é sinal de mais. Branco é todas as luzes. É o pós-Sgt. Pepper’s. Também é a cor da capa de “Big Buraco”, segundo álbum de Jadsa. E, olha aí, a grandeza tá no nome, entregando o conceito. Apesar de que “buraco” engana ali. Não representa fim ou vão, é uma porta/portal. Do outro lado da fotografia impressa na capa, que traz quatro Jadsas, encontramos ela na guitarra conduzindo um batalhão de músicos. O que não era possível em sua estreia agora se traduz em sopros, pandeiros, repiques, scratchs, rhodes e trompetes e mais. Muito mais. Um batalhão unido na criatividade, que teve pouco tempo para trabalhar, mas pensou em conjuntos os arranjos para as canções apresentadas. Quase tudo aqui em termos de arranjo é creditado a Jadsa, ao produtor Antônio Neves e a todos os músicos presentes em cada gravação. Nos timbres, um novo em elo com a Elis dos anos 70 ou o rádio do anos 2000, palavra da guitarrista e cantora. Ou cantoras? A multiplicidade do disco transborda na voz de Jadsa. Repare em “samba pra Juçara”, faixa escrita em parceria com sua “Big Mama”. Acredite, é só uma Jadsa ali. Mas não parece.  

Na semana que a polícia brasileira coloca na cadeia um funkeiro e usa como argumento suas letras, um absurdo de tons ditatoriais, faz mais sentido ainda o alerta de Mateus Fazeno Rock no manifesto “Arte Mata”. Ao modo spoken word, Mateus aborda a precariedade e o perigo de ser artista brasileiro: “Eu quero ser o verso poderoso de quem poderia segurar a bandeira, mas tá sem forças. Aquele que caiu, mas vai se levantar; aquela que falhou, mas vai tentar de novo; A ARTE MATA”. Mais para frente, perto da conclusão, ele diz: “Artista nato, eu trago o ritmo como artefato e, das palavras, faço artesanato apenas por comida no prato, fazendo aquilo que foi destinado: mudar o mundo bem lentamente, fazendo a arte que morreu, a Arte morta. BRASIL MATA”. A arte é a ferramenta da mudança, forma de jogar pressão no errado do mundo, mas no Brasil custa caro para o artista ser quem ele é de verdade. Ou o mercado regula, ou a bala, ou a autoestima derrubada. Não é de hoje que a música inventiva no Brasil sempre esteve mais perto da fome do que da fama. Tom Zé quase desistiu. Sabotage foi assassinado. João Gilberto teve problemas financeiros. Agora mesmo, Angela Ro Ro suspeita que está com doença grave e sem poder trabalhar pede que os fãs ajudem com um Pix. Da poesia que a gente não vive é ser artista no nosso convívio. Mateus avisou. O single anuncia seu terceiro álbum. Chega em agosto. 

É sintomático que os momentos mais comentados da turnê dos irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia tenham sido uma música gospel lançada há 3 anos e uma bronca de Bethânia durante um show. Ficou de lado “Um Baiana”, inédita de Caetano em homenagem ao BaianaSystem. Ok, ela só rolou nas duas últimas apresentações da tour, mas ainda assim, vamos ser melhores, né? Parte do álbum ao vivo registro da turnê, agora mais pessoas podem ouvir esse recado de paz frente aos homens da guerra. Caetano busca na energia de tocar multidões do Baiana a força para espantar os males do mundo. Quem já sentiu a vibração de Russo e a trupe no carnaval sabe do que o baiano está falando. 

11 – eliminadorzinho – “A Cidade É uma Selva” (7)
12 – Ná Ozzetti – “Bem humorado” (com Zécarlos Ribeiro e Tulipa Ruiz) (8)
13 – Marina Melo – “Cidade” (com Ná Ozzetti) (9)
14 – Gab Ferreira – “Ponta da Língua” (10)
15 – Gustavo Galo – “Viver É Fatal” (11)
16 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (12)
17 – Alaíde Costa – “Bandeira Branca” (com Amaro Freitas) (13)
18 – Antropoceno – “Queda do Céu” (14)
19 – Nego Joca – “Nada Igual” (16)
20 – Julia Mestre – “Maravilhosamente Bem” (17)
21 – Vovô Bebê – “Star Smoker Sucker” (18) 
22 – Catto – “Eu Te Amo” (19) 
23 – Eduardo Manso – “FRB 20220610A” (20) 
24 – clara bicho – “Meu Quarto” (21) 
25 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (22) 
26 – Maré Tardia – “Ian Curtis” (23)
27 – Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso – “No Fundo, no Fundo” (Maurício Pereira e Gui Calzavara) (25)
28 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (26)
29 – Celacanto – “Quadros” (27)  
30 – Josyara – “Eu Gosto Assim” (28) 
31 – Terno Rei – “Peito” (29)
32 – Rachael Reis – “Jorge Ben” (30)
33 – Bella e o Olmo da Bruxa – “A Melhor Música do Mundo” (31)
34 – Superafim – “MOUTH” (com Duda Beat) (34)  
35 – Rael – “Onda (Citaçaõ A Onda) (com Mano Brown e Dom Filó) (35)
36 – Leves Passos – “Ecos do Invisível” (36) 
37 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (37)
38  – Djonga – “Demoro a Dormir” (com Milton Nascimento) (38)
39 – Jovens Ateus – “Mágoas – Dirty Mix + Slowed Reverb” (39)
40 – Danilo Moralles – “Fervo de Amor” (40)
41 – Ogoin & Linguini – “Vícios Que Eu Gosto” (41)
42 – Bufo Borealis – “Urca” (42)
43 – Terraplana – “Todo Dia” (43)
44 – Marina Melo – “Prometeu” (com Maurício Pereira) (44)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48) 
49  – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)

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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o músico Zé Ibarra, em foto de Elisa Maciel.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro Vinícius Felix.