O ano dos gringos parece que acabou. Mas, se lá fora os lançamentos estão escassos neste gargalo de 2024, o nosso ainda ferve de bons lançamentos. Do Ceará, tem Nego Galo, dos melhores rappers nacionais. Da Bahia, tem o punk Pusher174 e o experimentalismo do Cajupitanga. Do ABC Paulista, Conde Favela Sexteto. De Curitiba porém em São Paulo, o indie agora indie (e aportuguesado) Marrakesh, em nova fase. E, do Sul via Buenos Aires (!!!), o professor gaúcho Frank Jorge. Até parece que o ano só começou, sério.
Esta é a melhor resposta para aquele coach que quase emplacou na prefeitura de São Paulo. Uma cadeirada musical, digamos. “Quem sou?”, pergunta o mineiro-baiano Pusher 174 antes de entregar o refrão, “Sou uma mosca humana!”. “Cérebro Dormente”, o terceiro disco do Pusher174 em 2024 (!!!), carrega a energia meio punk nas letras e no som, que soa meio produção de garagem/meio produção eletrônica, já ele faz tudo em casa no computador e sabe esconder/sem esconder seus recortes. Soa meio emulação de punk e por isso mesmo mais punk que muito punk. Sacou? Para se ter uma ideia, ao vivo ele toca acompanhado por um baixo e por um disparador de samples. Para entender certinho, vale sentir o cheiro do espírito juvenil no minidoc produzido pela A Pó de Vidro Filmes e Crise Crise Crise sobre seu primeiro show em São Paulo.
“YOPO” é o segundo álbum de Nego Galo, rapper que fez parte do Costa a Costa, grupo cearense que também revelou Don L. Com inspirações diversas, em especial o reggae, Galo mostra do mesmo modo que L o seu modo diverso de rimar. E, na moral, temos uma das love songs do ano por aqui: a balançada “Vidas Singulares”. Só os românticos vão entender a bonita descrição que Galo faz de um apaixonado indo ao encontro ao seu par. O álbum também toca em momentos difíceis da vida do rapper, como o sério acidente que sofreu em 2020, quando um dono de Mercedes lançou o carro contra sua moto e feriu seriamente Galo e sua esposa. É como ele mesmo anota: “Sem motivo para sorriso das hienas, eu tô forte!”
O conhecido quinteto curitibano Marrakesh andava quietinho. Mas era tudo para preparar uma transição importante: sonora, de postura e até de vida. A banda, agora toda em São Paulo, vai passar a cantar em português no próximo disco, a ser lançado no ano que vem pela Balaclava Records. A bandeira das mudanças foram fincadas quando lançaram nesta sexta o novo single, “Talvez”, em som e vídeo. A música em si já mostra uma pegada bem mais guitarras e bem menos synth, que antes marcavam o som da Marrakesh. Parece muito que vai dar jogo.
Também na estrutura de colagem, a união entre o duo Cajupitanga e Arthus Fochi rendeu o single “Flamengo”, uma junção doida e deliciosa de um violão superMPB com batidas brasileiríssimas de bateria de escola de samba. Outra conversa da reunião, que vai virar um álbum colaborativo, é o que envolve Bahia (Cajupitanga) e Rio de Janeiro (Arthus). “Seja pela paixão carioca ao futebol, seja pela imaginação no interior baiano com as rádios de fora, “Flamengo” apresenta um espaço emocional/imaginativo, bem maior que geográfico”, escreve a turma do Caju.
Das lendas do rock gaúcho, Frank Jorge, que passou pelos Cascavelletes e Graforréia Xilarmônica, divide o tempo entre o Tenente Cascavel, supergrupo que reúne integrantes do TNT e Os Cascavelletes, sua vida de escritor e seu trabalho solo. “Tudo Não Passou” é seu single mais recente, uma pancada roqueira bubblegum total. Vivendo hoje em Buenos Aires, Frank lançou em março o álbum “Um Tipo Estranho”, disco que também saiu em espanhol com o nome de “Un Tipo Muy Raro”. Frank Jorge representa!
Música instrumental que emociona e te coloca para “cantar” junto? Ouça Conde Favela Sexteto. Com 15 anos de história, o grupo radicado no ABC Paulista dedica seu segundo álbum ao lugar de origem. Eles anotam sobre “Abcguetojazz”. “Com Jazz de CEP problemático, o álbum reflete estas vivências e andanças pela região, um retrato do fundão da periferia e subúrbio do ABC”. Ouça “Mamão” e tente não ficar arrepiado. Duvidamos que não consiga.
Tem um tempo que o Boogarins encara no palco o repertório do Clube da Esquina. E uma das grandes lições de Milton, Lô e cia. naqueles discos é que as convenções das bandas de rock são um atraso. Não é preciso ter limites entre quem compõe, quem canta e quem toca o quê. Se a música pede uma roupagem pouco usual a banda, a banda que se revire. É a canção que merece ser bem mais servida e não o inverso. Essa abertura, essa abordagem moderna, como se fosse o futebol total dos holandeses em 1974, se apresenta na sonoridade diversa impressa pelo Clube e que comove até hoje. Pelo visto, em “Bacuri”, novo álbum do Boogarins, a lição foi absorvida com sucessos. Eles não chegaram ao radicalismo de se alternar entre seus instrumentos, mas trocaram a abordagem mais experimental dos trabalhos anteriores para servirem mais cada canção e seus caprichos. Eles nunca soaram tão diferentes entre cada faixa de um álbum ao mesmo tempo que nunca soaram tão unidos. Todas as músicas de “Bacuri” são assinadas pelos quatros – Benke Ferraz (guitarra e voz), Dinho Almeida (guitarra e voz), Raphael Vaz (baixo, moog e voz) e Ynaiã Benthroldo (bateria e voz) – e foram moldadas em um processo que partiu das ideias individuais de cada para o processo coletivo. Resultado: em “Bacuri” todos cantam. Em termos de som, a produção caseira/hi-fi dividida entre a banda e a gênia do som Alejandra Luciani resultou no que a banda afirma ser o disco mais semelhante à energia ao vivo do grupo. E estão certos nisso, embora caiba dizer também que é o trabalho onde eles parecem ter a tranquilidade de saber que podem deixar o experimental para o palco enquanto no disco as coisas podem ficar um poucos mais objetivas, talvez, ou mais “nítidas”, como eles mesmo dizem. Muito longa a ideia? Resumimos, então: se dez anos é muito para uma banda de rock, os poucos mais de dez anos desde a estreia do Boogarins são um detalhe. É como se tivesse passado um dia só desde “As Plantas Que Curam”. A aventura só começou. Ah, o humor deles segue intacto. Ou não teriam escrito uma música que se chama “Chrystian & Ralf (Só Deus Sabe)” e que de fato caberia no repertório da dupla!
Ederaldo Gentil foi um dos grandes nomes do samba brasileiro. Baiano de Salvador, teve sucessos e frustrações ao longo da sua carreira. Foi regravado por muitos, mas no fim da vida optou por um longo isolamento artístico. Resgatando seu nome e pedindo licença para cantar sua obra, Giovani Cidreira cria um laço firme com o antigo compositor de sua cidade ao regravar suas músicas em “Carnaval Eu Chego Lá”. O álbum é fruto de uma longa pesquisa, que também virou documentário, e que proporcionou a Giovani encontrar muitas semelhanças entre os seus gostos e os de Ederaldo. O resultado é que o disco soa autoral, uma habilidade dos melhores intérpretes. É como se cada samba tivesse sido escrito em 2024. Pelas letras, sim, mas também pela sonoridade engenhosa, responsabilidade compartilhada por Gio com os produtores Mahal Pita e Filipe Castro, que honram a modernidade do samba de Ederaldo – recentemente sampleado por Don L em “Auri Sacra Fames”.
Aos 45 minutos do segundo tempo do fechamento deste texto, pintou online o novo álbum do Negro Leo, seu nono álbum de estúdio. O play merece, lógico, um reflexão mais demorada, mas já na primeira ouvida é possível entender o caminho da pesquisa do compositor. “Rela” é um álbum sobre sexo no século XXI (“Nunca se escreveu tão explicitamente sobre sexo na cultura popular (…) Se há algum mal-estar nessa geração, não é não falar o suficiente, é não fazer o suficiente”, diz Negro Leo) e traz uma mistura de música eletrônica contemporânea com a tradição do Boi em seu som. O disco inclusive é dedicado à mãe de Leo da seguinte forma: “À minha mãe, Lindomar Campelo Gonçalves, por ter sempre cultivado a presença do bumba meu boi dentro de casa. A Hélio Costa e Gilberth Ferreira do Boi Brilho de Lucas, fundamentais para consistência do disco”. O som de mensagem chegando, que ecoa na abertura do disco, é o recado, literalmente!
Não é todo dia que um álbum abre com um feat. de Chico Buarque, o compositor que é bem mais econômico que outros nomes de sua geração em termos de participações especiais. O mérito de tirar Chico de casa está em “Sentindo”, quinto álbum do 5 a Seco e o primeiro após um hiato de cinco anos na história do grupo formado por Leo Bianchin, Pedro Altério, Pedro Viáfora, Tó Brandileone e Vinicius Calderoni. Não é por menos, “Comédia de Enganos” é canção de emoção e porte buarquiana em sua melodia encravada em harmonia complexa que conduz um crescente tom levado por todas a vozes do grupo, um por vez, até desaguar em Chico Buarque. É como se fosse 6 a Seco. Será que ele topa entrar de vez no time? Acho que os meninos aceitam.
11 – Karina Buhr – “Poeira da Luz”(5)
12 – Rico Dalasam – “Cartazes” (6)
13 – BNegão – “A Verdadeira Dança do Patinho” (7)
14 – Supervão – “Querendo um Tempo” (com Papisa) (8)
15 – Arthur Nestrovski e Paula Morelenbaum – “Wave” (9)
16 – MADRE – “Transe” (10)
17 – Pullovers – “Não Se Mate” (12)
18 – Antiprisma – “Que Seja” (13)
19 – Danilo Penteado – “O Que, Então, Nos Faz Sonhar?” (14)
20 – BADBADNOTGOOD, Tim Bernardes e Arthur Verocai – “Poeira Cósmica” (15)
21 – Nina Maia – “Caricatura” (16)
22 – Paira – “Preciso Ir” (17)
23 – João Erbetta – “Pra Esquecer da Solidão” (18)
24 – Naïf – “Trópicos Úmidos” (19)
25 – Submerso – “Estrago Que Me Faz” (20)
26 – Janine Mathias – “Barracão É Seu” (com Criolo) (21)
27 – Amiri – “Rap Du Bom” (com DJ Will e O Adotado) (22)
28 – Maria Luiza Jobim e Mahmundi – “Insensatez” (23)
29 – Dora Morelenbaum – “Venha Comigo” (24)
30 – Maria Beraldo – “Baleia” (25)
31 – Gio – “O Samba e Você” (com Céu) (26)
32 – Batata Boy – “Novas Rotinas” (com Vitor Milagres) (27)
33 – Mundo Video – “COMO VOCÊ ME VÊ” (28)
34 – Sítio Rosa – “Amarelo” (29)
35 – Thalin, VCR Slim, Cravinhos, Pirlo, iloveyoulangelo – “Todo Tempo do Mundo” (30)
36 – Curumim – “Só Para no Paraibuna” (31)
37 – Jean Tassy – “Dias Melhores” (com Don L) (32)
38 – Tássia Reis – “Só um Tempo” (com Criolo) (33)
39 – Papangu – “Rito de Coroação” (34)
40 – Liniker – “Me Ajude a Salvar os Domingos” (35)
41 – Caxtrinho – “Cria de Bel” (36)
42 – Bruna Mendez – “Temporal” (37)
43 – Thiago França – “Luango” (com Marcelo Cabral e Welington “Pimpa” Moreira) (38)
44 – Vitor Milagres – “Um Barato” (39)
45 – Apeles – “Fragment” (40)
46 – Alaíde Costa – “Foi Só Porque Você Não Quis” (41)
47 – Exclusive os Cabides – “Coisas Estranhas” (42)
48 – TRAGO – “Porvir” (43)
49 – Vivian Kuczynski – “Me Escapo a Cuba” (44)
50 – Papisa – “Vai Passar” (45)
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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o punk mineiro que vive na Bahia Pusher 174.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.