Top 50 da CENA – São só delírios? Papisa em primeiro. Varanda logo atrás. Taxidermia fecha o pódio da semana

Delírios guiam nossa semana na CENA. Do “Amor Delírio”, belo álbum da Papisa, até a faixa “Delírio”, de Mirela Hazin. É delirante mesmo ver a ascensão da incrível turma do Varanda, que a gente viu pequenino. Ou de delirar o velho punk Inocentes soando acústico. Louco.

Vamos usar a imaginação, certo? Pensa que a Madonna e a turma do Pavement nasceram no Brasil e, mais do que isso, que o querido grupo indie é a banda de base da conhecida artista pop. Eles escutaram Caetano, Gil, Rita, o rock dos anos 80 e nossa cena alternativa e tudo mais. O som que eles fariam seria mais ou menos o que encontramos em “Amor Delírio”, novo álbum da Papisa. Parece viagem, mas é essa brisa ou delírio que o disco provoca na gente. Rita Oliva, a Papisa, achou aqui um mix poderoso do pop mais radiofônico que parece tocado por banda de garagem. Na soma, muita brasilidade, para usar o termo em voga. Escutando mil artistas da CENA, a gente pode dizer que nunca ouviu essa mistura tão bem acabada ou fresca – dá para dizer que Papisa encontrou um novo lugar. Quem gostou de sua estreia, o forte “Fenda”, de 2019, lançado em uma época estranha do Brasil e com tom mais soturno, talvez estranhe tanto colorido agora. Mas a gente garante: formou um belo contraste.

A turma mineira do Varanda, banda que conta com Amélia do Carmo, Bernardo Merhy, Mario Lorenzi e Augusto Vargas, está para gravar seu primeiro álbum – quem já viu o grupo pelas noites paulistanas sabe que vem coisa boa por aí. Este parzinho de músicas que lançaram agora como single, funcionam melhor juntas do que separado. E dão conta como prévia do que está vindo. Quem quiser acelerar as coisas pode ajudar o grupo comprando camisetas e outros mimos que vão financiar as gravações. Fortaleça a CENA.

Ninguém tira um som igual Jadsa e João Milet Meirelles, que formam o Taxidermia. Sempre soando alto e bem, a duplinha prepara o primeiro álbum do projeto que tocam em paralelos com suas carreiras solo, “Vera Cruz Island”. “Clarão Azul” é a track que abre os trabalho e que de acordo com eles guia o disco todo. “Clarão Azul estabelece o ambiente imagético que queremos trazer para nosso trabalho.” O som ainda tem a participação da sergipiana Tori.

Tem algo na voz da jovem Mirela Hazin que nos lembra da Mallu Magalhães naquela primeira fase dela no Myspace. Alguém estava por aqui nesta época? Só que se as referências de Mallu ali eram do passado – o folk de Dylan e o country de Cash. Mirela pira em artistas contemporâneas suas, como Billie Eilish e Olivia Rodrigo. O produtor Eutymio não é irmão de Mirela, mas faz um pouco o papel de Finneas. Ver uma foto dos dois produzindo tudo do quarto remete aos irmãos Eilish e entrega o tom íntimo que percorre o disco: “A maioria dessas músicas eu escrevi sem a certeza, mas apenas com a esperança de que outras pessoas, que não eu, pudessem ouvir e guardar para si da forma que bem entenderem”, anota Mirela, que é bom exemplar da cena de Recife, para variar.

Os punks dos Inocentes vão lançar um disco acústico. E, pela prévia dada em “São Paulo”, música da banda 365 que os Inocentes já tinham gravado em 2001, não será uma transposição básica da guitarra para os violões. A nova cara de “São Paulo” ficou mais doce, com andamento um tiquinho mais lento, vocal mais terno e um arranjo que abre espaço até para um piano. Ficou meio Guilherme Arantes. Muito foda. 

“No Reino dos Afetos 2”, novo disco do alagoano Bruno Berle, não é uma mera continuação de “No Reino dos Afetos”, sua estreia. O número dois aí tem outra função. Não é repeteco, é Bruno adentrando de um novo lugar físico, mental e profissional o modo “No Reino Dos Afetos” de pensar sua música. Dentro da metáfora do cinema, seria não fazer a sequência, mas a partir das mesmas premissas que guiaram o primeiro filme fazer um novo longa. O roteiro é outro, os atores são outros, a fotografia é outra, permanece a intenção. Confuso? Tudo bem. É mais fácil dar o play e ficar emocionado já nas primeiras notas e palavras de “No Reino dos Afetos 2”. O novo trabalho reflete muito a chegada do artista no Sudeste, suas novas percepções sobre a carreira e sobre a vida. Bruno não ficou livre de dolorosas questões, que faz questão de compartilhar e enfrentar, como o notório racismo que permeia a indústria musical brasileira, mas se presenteou com boas amizades, encontrou uma turma que imagina o futuro também ao seu novo modo. Bebé, BatataBoy, Dadá Joãozinho são nomes que vêm à mente. É desse lugar bacana que ele despeja e encontra as melodias e letras mais emocionantes e certeiras de sua carreira.

Desde o profético “Sua Alegria Foi Cancelada”, lançado em 2019, a Fresno parece ser a banda brasileira que mais sabe traduzir uma geração toda – que vai de uma turma muito jovem até os emos mais velhinhos ali quase beirando os 40, talvez. Pense que são das poucas bandas brasileiras de rock que já circularam pelo mainstream que tiveram a decência de criticar abertamente o bolsonarismo. Nesse meio tempo, fizeram seus melhores discos: o disruptivo álbum de 2019, a boa continuação mais pop “Vou Ter Que Me Virar” em 2021 e o novíssimo “Eu Nunca Fui Embora”, que teve até agora só sua primeira parte divulgada. Encarando esses discos como uma trilogia, “Vou Ter Que Me Virar” parece não só amarrar o período recente como ser um acerto de contas com o passado da banda – a sonoridade é mais emo clássica aqui, o que indica um retorno ao passado, mas a maturidade das letras seguiu adiante, o que leva a um olhar de futuro. As dores de amor da letra nunca foram tão complexas. E não andam sozinhas, até porque podem ser vividas por casais felizes, como é o caso de Lucas Silveira e Karen Jonz, que dessa aparece pelo disco como fiel parceira também na divisão das composições – as melhores do disco, diga-se. “Quando o Pesadelo Acabar” é desses exemplares de canetada em dupla. Numa primeira leitura, pode ser entendida como uma mera descrição de alguém durante um pesadelo. Dando um passo para trás dá para entender que eles não falam só de uma noite ruim de sono, mas de viver dentro do pesadelo político brasileiro – tanto que um trecho da música circulava antes das eleições de 2022. Uma sacada tão legal quanto os pequenos interlúdios que retomam melodias do passado, criando um filme mais denso na cabeça dos fãs atentos aos detalhes. A banda vendeu a história de que este é o disco do ano. Não sabemos, viu ? Estamos em abril, pera. Mas talvez seja o melhor que eles já fizeram, dá para dizer desde já.   

Quando Pabllo Vittar lançou o primeiro volume do “Batidão Tropical”, álbum onde mesclava inéditas e regravações de bandas de forró e tecnobrega em forma de hyperpop, rasgamos elogios aqui por duas razões: 1. lançar para o mundo um Brasil desconhecido até por muitos brasileiros por puro preconceito; 2. pensar a música pop global a partir da cultura do Brasil e não no sentido inverso, onde os nossos ritmos viram mero acessórios das tendências globais. É um lance tão quente que o lançamento posterior de Pabllo, o bom e divertido “Noitada”, não conseguiu repetir esse mesmo impacto transformador e/ou criar algo mais forte que isso. Dar o play em “Batidão Tropical Vol.2” é voltar a todos os elogios do primeiro volume, já que a ideia segue foda e zero repetitiva. Não tem cansaço. E basta ver o efeito – o volume de comentários e gente pirando com o disco já está absurdo. Pabllo conseguiu de novo.

A capa de “Paisagem”, novo álbum do trio paranaense Tuyo, é uma foto do mestre Walter Firmo. Na imagem, Lio, Lay e Jean correm por uma praia deserta, longe da câmera. Mas daqui dá para ver que eles estão pisando firme no presente. Em seu terceiro trabalho, descontando uma boa leva de EPs e singles, a banda parece completar o que foi ensaiado no disco anterior: uma ruptura com o modelo de seu início, mais formal, mais ao violão, de olho no que é possível ser reproduzido ao vivo em trio. Não há aqui uma ruptura com o modelo canção, mas como a forma de encarar até onde o estúdio pode levar cada registro – o que acaba por levar a estruturas mais soltinhas nas letras. Também não há medo em encontrar a sonoridade que cada faixa pediu. Algumas são mais experimentais, outras têm timbres oitentistas clássicos, há espaço até para um arranjo de cordas de Verocai. Esta “Devagar”, por exemplo, acena para um soft jersey club – dá para dançar ela no Tik Tok, saca? E, ainda assim, tudo é marcado por uma forte unidade. Discão.

O nome do álbum “Gambiarra Chic, Pt. 1” traduz o atual processo criativo de Isma Almeida e Vita Pereira, as Irmãs de Pau. A gambiarra foi escrever novas músicas com o pouco tempo do corre da estrada, cada vez mais agitada com o sucesso. Sucesso que promoveu a parte chic, já que o reconhecimento do trabalho anterior rendeu um pouco mais de conforto financeiro e mental – e também aumentou a farra, lógico.  Sente o pique em dois versos: “Um plug no meu rabo/ Silicone no meu peito”. É pra chegar chegando mesmo, dando novas facetas para o funk ostentação e espantando os caretas de Paris, New York. “Megatron” traduz um pouco desse agito todo – com direito a telefone de contato para shows, ops, e-mail de contato para shows no final da track, afinal o corre não pode parar.

11 – O Grilo – “Seja Você Quem Quiser” (6)
12 – FBC – “Atmosfera” – Ao Vivo (7)
13 – Sonhos Tomam Conta – “Uma Súplica” (8)
14 – Sabotage, Don L e Luedji Luna  – “Dama Tereza” (9)
15 – Tom Zé – “Jesus Floresta Amazônica” / ”Danilo Constelação” (10)
16 – Luiza Brina – “Oração 18 (Pra Viver Junto)” (11)
17 – Malu Maria – “A Língua Trava” (12)
18 – Francisco, El Hombre – “O Que Existe É o Agora (com Lenine)” (13)
19 – Bruna Mendez, BRUNÊ e DeVito Cxrleone – “Eu Já Não Falo de Amor” (14)
20 – Noporn – “Preferia Nunca” (15)
21 – Haroldo Bontempo – “Risada (com João Donato)” (16)
22 – Tássia Reis – “Mais Que Refrão (com Rashid)” (17)
23 – Jota Ghetto – “Michael B. Jordan na Fila do CAT” (18)
24 – Deize Tigrona – “25 de Abril (com Boogarins)” (19)
25 – Jujuliete –  “Dominatrix” (20)
26 – Apeles – “In God’s Hands” (21)
27 – Jota.pê – “Quem é Juão” (22)
28 – Juçara Marçal e DJ Ramemes – “Ladra – Remix” (23)
29 – Amaro Freitas – “Viva Naná” (24)
30 – Sofia Freire – “Autofagia” (25)
31 – Carne Doce – “Cererê” (27)
32 – Emicida – “Acabou, Mas Tem” (28)
33 – El Presidente – “Perigo no Sol (com Benke Ferraz)” (29)
34 – Kamau – “Documentário” (30)
35 – Josyara – “Ralé/Mimar Você” (31)
36 – BNegão – “Canto da Sereia” (32)
37 – Maria Maud – “02.02” (33)
38 – Madre – “Sirenes” (34)
39 – Guerra – “É Massa” (36)
40 – Raidol – “Imensidão” (37)
41 – Rodrigo Campos – “Gamei” (38)
42 – Chinaina – “Roubaram Minha Jóia” (42)
43 – Dead Fish – “11 de Setembro” (43)
44 – Vandal – Violah (44)
45 – Clara Bicho – “Luzes da Cidade” (45)
46 – Parteum – “’12 6 10” (46)
47 – Psirico – “Música do Carnaval” (47)
48 – GRIYÖ – “Afropenobeat” (48)
49 – Rico Dalasam – “Jovinho” (49)
50 – Ogoin & Linguini – “Quando Tudo Começou” (50)


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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a Papisa (Rita Oliva), em foto de Julia Mataruna.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.