Top 50 da CENA – Quanto vale o show do Emicida? Primeiro lugar, claro. Nigéria Futebol Clube subverte o indie brazuca. E a bossa do grande Guilherme Arantes suaviza o pódio

Contrariando os modismos e tendências, o nosso pódio contempla álbuns e sons lutando para escapar do habitual: faixas ambientes, sons de longa duração, apostas na delicadeza. Um é de um velho conhecido nosso, o outro é de uma moçada que acabou de chegar, o terceiro é de um mestre da música brasileira. Ambos abrindo mata para discutir, cada um ao seu modo, como parar e pensar no mundo e na nossa vida nesta barafunda. 

A nota mais repetida com “Emicida Racional VL 2 – Mesmas Cores & Mesmos Valores” é de que ele voltou a rimar como no começo, pesadão. Vale como metáfora, mas uma ideia importante fica pelo caminho. Seu lado mais agressivo das batalhas nunca foi abandonado. O bem-sucedido projeto “Amarelo” pode soar fofo e pop, mas sua sugestão é radical:  imaginar a vida do preto no Brasil para além do “Negro Drama”. É 2025, mas o Brasil ainda amanhece com manchetes do tipo “Santa Catarina aprova fim de cotas raciais em universidades estaduais”. Outro exemplo: anos de trabalho na arte e o maior tempo que Emicida ganhou no “Fantástico” foi quando brigou com o irmão. Quanto vale o show? Uma pergunta que fica mais dolorida ainda quando o maior norte de Leandro vai embora: a mãe, Jacira. Tanto que é a ela que ele recorre para voltar ao trabalho. São os áudios deixados por ela que abrem o álbum, o mesmo onde recorre aos seus pais artísticos, os Racionais MC’s, para se reorientar. Embora retome “Cores e Valores” no nome e reconstrua diretamente sons do disco, Emicida vai muito além na homenagem e referências aos quatro pretos mais perigosos do Brasil, a ponto de fazer um som todo apenas com versos escritos pelo grupo. São tantas refs que temos um mar para ser investigado em cortes curtos por mil influenciadores nas próximas semanas. Mas saber de onde veio o que vale menos que entender que vieram do coração do compositor. Piegas? É o que é. Apesar de todas as canções autobiográficas até aqui, de todos os seus álbuns este é a biopic, nesse ele é o protagonista do filme. Um recorte radical espelhado no formato, nada pop: um som é uma coleção de áudios, duas são instrumentais, uma recitada e a outra é de “silêncio’. Um refrão só dá as caras. Duas passam dos oito minutos (!!!). “Hoje deu certo o sonho”, diz Jacira em um dos áudios. É memo. Deu certo o sonho. E ainda tem o volume 1 por vir.  

“Os Meninos de Itaquá, várzea do Tietê/ Atrás da HK vem Nigéria Futebol/ Zona Leste de SP como São Paulo oriental”. Sophia Chablau gostou tanto do “Entre Quatro Paredes”, estreia do Nigéria Futebol Clube, que escreveu uma música para eles. De fato, o quarteto formado por Raphael Conceição, Rodrigo Silva,  Cauã de Souza e Eduardo Rocha provoca as melhores reações já no primeiro play. Dentro de uma mistura de punk, beats, música ambiente e jazz, em um esquema lo-fi e experimental, eles desenham novidades para o indie brasileiro em um disco com faixas extrapolando fácil dez minutos. 

Ano passado, Guilherme Arantes tomou um susto daqueles. Um exame do coração virou um cateterismo cardíaco de urgência com angioplastia. Na recuperação, foi hora de rever a vida toda. Um ano depois, entre venda de objetos e mudança de casa, ele compartilha seus pensamentos de forma muito sincera em seu Facebook. Recentemente mandou: “Estou num lugar onde um simples solo de clarineta basta para subverter a realidade e explicar a delicadeza da magia do mundo. Esse é o único lugar que existe de fato para mim.
(…) É ali que eu sou real. Na delicadeza sim, e jamais na truculência da ilusão de um mundo real”. Essa sacada bonita reaparece em sua primeira música inédita desde a cirurgia: “Libido da Alma”, um som onde recupera seu lado mais bossa nova, mais oitentista, deixando de lado um pouco sua retomada dos anos mais roqueiros. 

E temos um som roqueiro do MC Lan, das espertas “Rabetão” e “Open the Tcheka”. E assim: não é que é rock, é new metal (!!!). E ele ainda por cima chamou para o som John Dolmayan. Sim, John Dolmayan, o baterista reaça do System of a Down, o carinha que é fã do Donald Trump… 

Temos um dos versos mais bonitos do ano: “Eu vou varrer as lantejoulas que eu chorei e você não viu”. São de BUHR, o nome que Karina Buhr quer ser chamada agora – “feito o barulho do fantasma: bu”. Na voz de Lia de Itamaracá aos 81 anos, então, os sentidos se implicam. A canção faz parte da inédita parceria em disco da pernambucana Lia com a cantora baiana Daúde. “Pelos Olhos do Mar” ainda traz inéditas de Chico César, Emicida, Céu, Otto e Russo Passapusso em mais um daqueles esforços comandados por Marcus Preto de colocar diferentes gerações para conversar. Afinal, quem não tem passado não há de ter futuro. Exemplo, como destaca Daúde, temos aqui Lia mostrando sua força para além do coco e da ciranda. “Canta bolero, canção, divide com outra artista dentro do estúdio. É uma outra veia que está sendo explorada que ela tem dentro dela.” Revise imediatamente sua lista de melhores do ano.   

“Bem-Vindos de Volta”, novo álbum de Mahmundi, tem título dúbio. Quem voltou? Nós ou ela? Talvez as duas coisas. Com o fim de um período em gravadora grande e agora parceira da UnitedMasters Brasil, Marcelinha parece voltar a respirar um ar menos carregado, conectado com quem entende seu som, seu público e alcance. Menos margem, mais arte – ainda que todos os seus trabalhos na major sejam da maior categoria. Vai entender expectativa de executivo… Bom, seu novo disco transborda amor e amigos. Rico Dalasam é um dos feats. Transborda também seu interesse pela pesquisa de sons, cores e valores. Ou como simplificaram Magrão e Sá na voz de Milton Nascimento: “Doce ou atroz, manso ou feroz/ Eu, caçador de mim”. Ela nunca nos deixou, mas Marcela está de volta. 

Presença imensa na cena alternativa paulistana, entre produtor, agitador, frequentador e atração, Ottopapi vai aos poucos preenchendo um espaço vazio restante: seu perfil nas plataformas de música. Previsto para o ano que vem, seu álbum de estreia, “Bala de Banana”, ganha mais um single: a acelerada “Ruim da Cuca”. Desengonçada como o autor enquanto canção, mas superbem produzida enquanto fonograma por Chuck Hipolitho, a música vai escorregando nas confissões de alguém que tomou um fora daqueles.   

“Breu” já frequenta nossa lista há semanas. Denúncia forte à la Dylan quanto ao genocídio promovido por Israel na Palestina, a faixa é presença constante em shows de Chico Cesár. Devastadora, antecipamos ela aqui. Uma hora viria e veio a versão gravada por Chico em companhia de um time de músicos de origem judaica. Uma maneira de mostrar como é balela classificar a condenação ao genocídio palestino como forma de antisemitismo. 

Dos muitos Tuyos que existem (acústico, infantil e tantas versões do trio), o nosso predileto é o levemente fritadinho na eletrônica. É exatamente esse o caminho escolhido em parceria com o produtor português Branko. Delicinha para qualquer cair de tarde. E pro mundo todo ouvir.

Quando Caetano Veloso quis reunir os filhos para uma turnê, Zeca foi o mais receoso em aceitar. Cruzar o mundo com o pai e os irmãos deve ter acendido algo nele, fora sua música inédita na tour, “Todo Homem”, ter virado um fenômeno. Com calma, coisa de 8 anos, ele foi tecendo suas “Boas Novas”. O material de sua estreia lembra muito o do pai – no cadenciar do canto, na escolha das palavras e até dos arranjos, em especial da fase oitentista de Caê. Repare no brilho de “Salvador”, arranjado por Luciano Oliveira, e como ela dialoga com “Queixa” ou “Outras Palavras”, dica dada pelo próprio Zeca. Em entrevistas, já entregou que seu falsete, que percorre o álbum todo, também vem de Caetano em “Zii e Zie”, e também de influências estrangeiras, tipo Radiohead, embora deteste ser comparado a Bon Iver. Faz sentido. O minimalismo de Zeca Veloso parece ter mesmo outras origens. 

11 – Alt Niss – “AmorLíquido” (7)
12 – Jovem Dionísio & Terno Rei – “Você Sabe Bem” (8)
13 – Drik Barbosa – “Sob Medida” (9)
14 – Antropoceno – “O Ar nos Meus Pulmões” (10)
15 – Desastros – “Desastres” (11)
16 – Clara Bicho – “Telejornal Animal” (12)
17 – Djavan – “Pra Sempre” (14)
18 – Sessa – “Pequena Vertigem” (15)
19 – Rachel Reis – “Coisa Rara” (16)
20 – João Parahyba – “Forró World” (18)
21 – Tori – “Trastejo” (19)
22 – Janine Mathias – “Deixa pra Lá” (20)
23 – YMA – “Rita” (com Sophia Chablau) (21)
24 – Carlos Dafé – “Jazz Está Morto” (22) 
25 – Pelados – “Modric” (23)
26 – Teago Oliveira – “Desencontros, Despedidas” (26)
27 – Tasha & Tracie – “Serena & Venus” (27) 
28 – Sophia Chablau & Felipe Vaqueiro – “Cinema Total” (28)
29 – PUSHER174 – “Eu Sou do Contra” (29) 
30 – Oruã – “Casual” (30) 
31 – Douglas Germano – “Tudo É Samba” (31)     
32 – Eliminadorzinho – “Você Me Deixa Coisado” (32) 
33 – Valentim Frateschi – “Mau Contato” (com Sophia Chablau) (33)
34 – Supervão – “Love e Vício Em Sunshine (Ao Vivo)” (34)
35 – Mateus Fazeno Rock – “O Braseiro e as Estrelas” (35) 
36 – Joca – “BADU & 3000” (com Ebony) (36) 
37 – Marabu – “Rubato” (37) 
38 – Don L – “Iminência Parda” (38) 
39 – Lupe de Lupe – “Vermelho (Seus Olhos Brilhanto Violentamente Sob os Meus)” (39) 
40 – Zé Ibarra – “Segredo” (40)
41 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (41) 
42 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (42) 
43 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (43)   
44 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (44) 
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45) 
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46) 
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47) 
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48) 
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49) 
50 – BK – “Só Quero Ver” (50) 

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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o rapper Emicida.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro Vinícius Felix.