Chorar na boate. É o nome de uma das músicas que celebramos nesta semana. E chorar está em CENA porque mais uma semana lamentamos uma perda imensa na música brasileira. Desta vez foi Astrud Gilberto. No espaço, também falamos de prisão e liberdade e encontramos um pouco de ar fresco no rap mineiro. Uma semana daquelas.
A voz brasileira mais conhecida da história. Por consequência, talvez a mais influente com seu modo de cantar – suave e preciso. Astrud Gilberto levou a bossa nova ao mundo sem receber por isso – a gravação de “Garota de Ipanema” lhe rendeu menos de duas centenas de dólares – e sem levar os créditos no álbum de Stan Getz, com que trabalhou por muito tempo, e João Gilberto, na época, seu par. Um peso do machismo que lhe afastou do reconhecimento e do próprio país – onde ficou o resto da vida pós-estouro global sem se apresentar. Mais uma parte gigante da história da música brasileira que perdemos neste triste 2023. Dica de leitura: a vasculhada que o jornalista Pedro Alexandre Sanches deu na discografia da Astrud.
O alagoano Ítallo França lançou seu terceiro álbum solo, o íncrivel “Tarde no Walkiria”. A faixa-título é um dos destaque do disco, que passa por diversas sonoridades e amplia a boa mistura de MPB e experimentalismo que marca sua obra. Vale prestar atenção na conexão da canção com “Terra”, de Caetano Veloso, canções sobre prisão e a percepção que a ausência da liberdade traz sobre a própria noção de liberdade. Outra do álbum que merece um alô é “Dr. Manoel”, uma canção torta, sem métrica e de letra poderosa, que talvez seja das coisas mais certeiras da música brasileira neste ano, viu? Sincera em lidar com seus sentimentos e percepções. A gente fala mais dela em breve.
Já falamos muito por aqui do movimento de rebolar enquanto protesta. Dançar enquanto se pensa criticamente no mundo é normal, né? Clarice Falcão ligadíssima nisso avança e explora em “Chorar na Boate” a possibilidade de a pista de dançar ser espaço para uma forte reflexão existencial. Por que está feliz? Por que tudo acaba? É. Está liberado chorar na pistinha: ninguém vai ver. O single antecipa o próximo disco solo de Clarice, que ao que tudo indica deve explorar mais ainda a música eletrônica, como proposto em “Tem Conserto”, seu álbum de 2019.
Na rica cena de rap de Belo Horizonte, desponta a turma do Ruadois, formado por Well, Mirral ONE, georgeluqas e AKILA. Eles acabaram de lançar o live set “Proibido Estacionar Vol. 2”, que traz ar fresco ao gênero. Boas letras em flows originais, batidas inspiradas em diversos gêneros – garage, drill e grime – e bordões que todo mundo quer passar a usar: “Tamô ônlineeee”. Eles afirmam que o “bagulho tá sincero” e está mesmo, turma.
Impressionante onde leva e é levado o som da persona solo de Bertoni, cujo lado A é (é?) a banda Scalene, o oooootro rolê dele. Esta música aqui encerra seu recém-lançado quarto álbum sozinho e serve como uma aterrissagem de uma viagem ambient dirigido por piano que ele criou em sons melancolicamente delicados. O disco foi gravado em Los Angeles com o produtor Mario Caldato, que carrega os Beastie Boys atrelados ao seu currículo. E tem o nome de “I Got My Eyes Fixed”, que remete tanto a um exame nos olhos que o fez dilatar a pupila quanto a enxergar a vida de forma mais simples. Conceito e resultado redondinhos.
Caímos por indicação das plataformas no som da Anttónia por sermos fã do Giovani Cidreira. Ficamos de cara com a produção massa, voz bacana e letra boa. Quem seria a artista desconhecida ainda com 0 ouvinte mensal na plataforma? Desconhecida nada, caramba, é a Antônia Morais, filha do Orlando Morais e da Glória Pires e que acumula 1,8 milhão de seguidores no Instagram. É que ela adotou uma nova persona artística. Louco chegar por acaso nela. Sonzeira, viu?
“Mais uma do RaMeMes”, sorri a vinheta. Mais uma e boa sorte. Sorte porque talvez seus fones não sobrevivam a audição de “Sem Limites”, novo álbum do DJ RaMeMes, aka O Destruidor do Funk. O bagulho toca alto mesmo se você baixar o volume do som. Como será que ele faz isso? Cria de Volta Redonda, RaMeMes honra o apelido. Mas não confunda. O que ele destrói não é o gênero em si, mas qualquer tentativa de travar sua inventividade inata. A regra é não ter regras, é sem limites mesmo. O volume é estridente, as repetições alucinadas e os cortes abruptos – RaMeMes tira tudo do lugar; as vozes, por exemplo, são distorcidas, aceleradas, remexidas, vão para o fundo da faixa, depois se apresentam na frente. São tantos samples, trechos, que uma listagem ficaria do tamanho de uma boa enciclopédia. Alguns recortes são repetidos exaustivamente, alguns passam quase sem aviso – tem um de rap gringo aqui em “Vamo Fuder” que é de chorar de tão sutil. Ramemes é isso. Velocidade mil, volume dez mil, como um carro a toda para o baile – a missão: tirar o funk das mãos de quem tenta enquadrar o gênero. Resultado: objetivo concluído com sucesso. “Copia não, comédia.”
Escrever uma música é uma treta. Pior ainda é registrar fielmente o que se imagina. Estúdios caseiros ou caros impõe seus limites técnicos à imaginação. Tom Zé já disse algo sobre o microfone ser o primeiro censor de todos. Não sei se Zé Ibarra ficou noiado com isso ou não, na hora de fazer seu primeiro álbum. Mas ele deu um jeito para essa questão e achou algo novo. Gravou tudo na escada e corredores do prédio onde cresceu, onde se sente confortável com o espaço e a reverberação que sua voz ganha. Ele já tinha achado um som, agora deu conta de pôr isso em disco. E ficou bacana, diferente. O repertório entre velhas e novas canções é acertado, tem humor e poesia – vai de Sophia Chablau na hilária “Hello” a bela canção de Paulo Diniz que escolhemos. Talvez melhor que isso só ir lá um dia no prédio pessoalmente e pedir para o Zé cantar alguma coisa ao vivo. Fica aí uma ideia de show particular. Venderia muitos ingressos, embora dê muito trabalho – levaria uns anos para esgotar a fila. É questão de combinar com a vizinhança.
Ê, Marcelo. Sempre dificultando a gente de encontrar seus discos e filmes colocando em plataformas exclusivas. Mas tudo bem. Sua nova mixtape “Marcelo D2 e um Punhado de Bamba Ao Vivo no Cacique de Ramos” nem é tão inacessível assim: está no YouTube. Mas só por lá. Tudo bem, porque é um jogo sonoro e visual. Marcelo leva seu som para o Cacique de Ramos, “celeiro de bambas e quartel general do samba”. E, onde o samba se cria, o convite é que o samba dê a ordem ao rap de D2. Ele já tinha feito o jogo inverso quando deixou sua levada se contaminar de elementos do samba em álbuns como “A Procura da Batida Perfeita”. Ao alternar a origem do lance, a suingada dá uma nova perspectiva para o trabalho do compositor. “1967” soa insanamente acelerada e mais soturna que a original em um arranjo com destaque para os metais e para os graves. A versão de “Maneiras”, de Silvio da Silva, chega com a autorização de Zeca Pagodinho, intérprete mais famoso da canção. E o show honra o respeito aos mais velhos, ao ser todo dedicado a Ubirani, integrante do Fundo de Quintal que morreu durante a pandemia.
O single “XONA” abre os trabalhos para o novo álbum de Rincon Sapiência, seu terceiro disco. Pesquisador nato, sempre de olho em entender a música que vem do continente africano, Rincon chega com um afrobeats. Importante: não confundir com afrobeat, criação de Fela Kuti – uma questão que até virou “polêmica de Twitter” recentemente dada que a semelhança dos termos rende confusões. O próprio Rincon tirou um tempinho para explicar a diferença entre as duas coisas e detalhar seus achados musicais. Vem discão aí.
11 – TUM – “DTF” (5)
12 – L’homme Statue – “Espírito Livre” (6)
13 – ÀTTØØXXÁ – “Dejavú” (com Liniker) (7)
14 – Holger – “Domingo de Sol” (8)
15 – Guilherme Held – “Laço de Fita” (9)
16 – Drvnk – “Leaving Downtown” (10)
17 – Viratempo – “Te Quiero” (11)
18 – Mahmundi – “Meu Amor – Reprise” (12)
19 – BIKE – “Além-Ambiente” (13)
20 – Volver – “Volver de Novo” (14)
21 – Majur – “Tudo ou Nada” (15)
22 – Jards Macalé e Maria Bethânia – “Mistérios do Nosso Amor” (16)
23 – Marina Sena – “Meu Paraíso Sou Eu” (17)
24 – Mateus Fazeno Rock – “Indigno Love” (com Brisa Flow) (18)
25 – Tim Bernardes e Rodrigo Amarante – “Leve” (19)
26 – Lirinha – “O Campo É o Corpo” (20)
27 – Tasha & Tracie com Mc Luanna – “Combate” (21)
28 – Edgar e Nelson D – “”Três Palavras” (22)
29 – Domenico Lancelotti – “Quem Samba” (23)
30 – Giovanna Moraes – “Fala Na Cara” (24)
31 – ÀIYÉ – “OXUMARÉ (Que Meus Venenos Sejam Mel)” (25)
32 – Julia Mestre – “do do u” (26)
33 – Aláfia – “Cadê Meu Pai?” (27)
34 – Os Tincoãs – “Oiá Pepê Oia Bá” (28)
35 – João Gilberto – “Rei sem Coroa” (versão ao vivo no Sesc Vila Mariana, 1998) (29)
36 – Iara Rennó – “Iemanjá” (30)
37 – Juliano Gauche – “Ondas Que Acordam” (31)
38 – Pato Fu – “Fique Onde Eu Possa Te Ver” (32)
39 – YMA e Jadsa – “Meredith Monk” (33)
40 – Emicida e Chico Buarque – “Senzala e Favela” (34)
41 – Rei Lacoste – “Pareando” (com Dunna) (35)
42 – Gio – “Dois Lados” (com Russo Passapusso e Melly) (36)
43 – Sant – “SSA” (com Luedji Luna e VANDAL) (38)
44 – Gab Ferreira – “Forbidden Fruit” (40)
45 – Jambu – “Caso Sério” (41)
46 – Terraplana – “Me Encontrar” (43)
47 – Carolina Maria de Jesus – “O Pobre e o Rico” (com Nega Duda) (45)
48 – Rubel – “Lua de Garrafa” (com Milton Nascimento) (47)
49 – Assucena – “Nu” (48)
50 – Sessa – Vento a Favor” (49)
* Na vinheta do Top 50, a saudosa Astrud Gilberto.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.