Maria Beraldo nos desestabilizou legal. O retorno de um dos principais nomes da CENA é primeiro lugar, sem dúvida. E isso em uma semana competitiva, quase olímpica, para aproveitar o clima do momento: a fofura do Sítio Rosa, o mundo do Apeles ou a união de Jota Ghetto e Jamés Ventura. Na música brasileira é quase sempre assim: ouro para geral.
Desde o poderoso “Cavala”, lançado no muito muito distante 2018, esperávamos o próximo passo de Maria Beraldo. Ela não saiu de cena, lançou single, colaborou com outros artistas, mas faltava o segundo rumo. Agora vem aí “colinho”. A promessa do álbum é ser mais pop e experimental que seu antecessor e a proposta não é nada absurda. Faz todo sentido quando damos de cara com este primeiro single “I Can’t Stand My Father Anymore” e sua tortuosidade meio Talking Heads. Ancorada pelo baixo de Marcelo Cabral e a bateria de Sérgio Machado, o piano e a guitarra de Maria não buscam os acordes precisos, mas os sons que fazem ou deixam de fazer sentido. Na letra, uma provocação com quem atribui aos problemas paternos o fato de ela ser lésbica – uma chavão preconceituoso que ela já teve de aturar por muito tempo. E, para evitar malentendido poético, já que Maria não detesta seu pai na vida real, ela mandou a música para ele com as devidas explicações. Além de superentender, o pai respondeu Maria em versos de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor”. Fofo, não?
Dos dias da pandemia ainda nascem frutos de quem buscava alguma luz naquela tristeza infinita. No período, o Bernardo Bauer, músico de carreira solo e parte do Moons, deixou seu sítio à disposição dos amigos. Jennifer Souza colou por lá, as artistas visuais Julia Baumfeld e Laura Lao também e dessas visitas nasceu o coletivo Sítio Rosa. Sítio vem do sítio de Bauer, lógico. Rosa vem de sua filhinha, a pequena Rosa que chegou junto com a Lhasa, cachorrinha que dá nome à primeira canção deles. Só essas palavras já explicam o universo proposto pelo Sítio Rosa: família em suas mais diversas formas, amizade, acolhimento e muito carinho. Desculpa a repetição, mas fofo, não?
O terceiro álbum solo de Apeles, “Estasis”, está no mundo. Mas por não por ter sido meramente lançado, o conceito do álbum é global em essência. O paulistano “músico-de-várias-bandas-legais” Eduardo Praça juntou colegas de lugares como Grécia, do Reino Unido, Coréia do Sul, Itália, Argentina (e até do Brasil, veja só) para compor o mix de convidados que dialogam com ele em diferentes gêneros e línguas, dando um dinâmica bem diversa ao conjunto da obra. Discão na forma e no conceito.
O perfil de twitter @rapfalando nasceu como uma conta fake que comentava e brincava com o rap nacional. Dali, virou podcast e um canal de YouTube de sucesso ao comentar e até inventar as tendências do gênero. Faltava só avançar para a música propriamente dita, uma promessa antiga que virou realidade com muita paciência e articulação durante a produção da mixtape “Músicas para Sair na Mão Vol. 1”. O disquinho que muitos acreditavam que não veria a luz do dia saiu finalmente com projeto gráfico ambicioso e uma série de vídeos que transformaram os rappers em lutadores de videogame. Era meme, agora é música e reuniu os maiores pesos-pesados da cena: Rashid, Don L, Tasha & Tracie, Rincon Sapiência, Sant, Coruja BC1, Rodrigo Ogi, entre outros. Deu certo, viu? Esperamos agora pelo volume 2. Que personagens eles vão conseguir destravar dessa vez?
E o Siba, que lançou o álbum mais recente lá em 2019, o corajoso “Coruja Muda”, segue inventando e produzindo através de singles. O mais recente é “Vaivem”, um repente modernoso que também nomeia uma temporada que o artista fará na Casa de Francisca tocando seu material de várias épocas relido em versões que dialogam com sua sonoridade atual, uma “síntese eletropercussiva”.
No rap racional tem poucos que sabem tanto de rima e rua quanto Jota Ghetto e Jamés Ventura. Daí a felicidade da parceria da dupla em um EP que leva o nome de “Asfáltico” (não falamos que eles sabem tudo de rua?). O disquinho é uma boa chance para quem está moscando em ver que temos dois gigantes ainda injustamente subestimados por muitos. “Downtown”, por exemplo, tem nos toca-discos o maior de todos os tempos: DJ KL Jay.
“Acima da média, abaixo do radar”, repete como uma mantra Febem na abertura do seu álbum “Abaixo do Radar”, que ainda conta com uma citação bonita a “Jorge da Capadócia”, de Jorge Ben Jor, ecoando a abertura de “Sobrevivendo no Inferno” dos Racionais MC’s. São muitos símbolos e recados deixados pelo rapper. Do beat que começa enganosamente leve, conduzido só por chimbau e piano, até a capa que mostra São Paulo entre a mata e a poluição do ar. Repara no flow: assinatura própria. Uma das músicas diz “Obrigado, Mainstream”, mostrando que ele é lá e cá, o importante é cuidar da família. Moda, grana e sucesso – tudo passa, se não cuidar legal. O segredo é passar ileso, nada consta, pode liberar. Febem sabe das coisas.
O mineiro DJ Anderson do Paraíso já tinha causado neste ano com o álbum “Queridão”. Com seu funk mineiro, este funk mais ambiente e minimalista, que tem em Anderson um dos seus pais, o disco levou um poderoso 7.8 na sempre pentelha “Pitchfork”. Agora ele volta com o EP “Paraíso Sombrio” e chega em uma sonoridade ainda mais… sombria. Dá para chamar de gótica, até. É o funk dialogando com música sacra e fazendo muito sentido.
Em 2022, “O Que Meus Calos Dizem de Mim” deu o devido respeito e reconhecimento a Alaíde Costa, com seu repertório especialmente composto para sua voz. O segundo capítulo da parceria da cantora com os produtores Emicida, Pupillo e Marcus Preto é “E O Tempo Agora Quer Voar”, que mantém a estética chique do trabalho anterior e reúne composições de autores de diversas gerações, muitos em parceria com Alaíde, caso do encontro dela com Emicida e Caetano Veloso na abertura do álbum. Ainda tem escritos de Rashid, Nando Reis, Junio Barreto, Zé Manoel, Ronaldo Bastos, Marisa Monte e Carlinhos Brown.
É difícil encaixar o Pluma em uma categoria ou estilo musical. O quarteto formado por Marina Reis, Diego Vargas, Guilherme Cunha e Lucas Teixeira consegue transitar tão bem em diversos gêneros que em uma música só, caso de “Se Você Quiser”, eles precisam só de 4 minutos para soarem modernos, retrôs, experimentais, pop e mais algumas coisas. Deve ser pelo fato de ser formado por quatro produtores ou até pela calma de surgir e deixar o primeiro álbum maturar legal em um tempo de estrada. O flash estourado que ilumina a capa de “Não Leve a Mal” simboliza que promete ser brilhante o caminho da turma.
11 – Vanguart e Fernanda Takai – “Demorou Para Ser” (5)
12 – Duda Beat e Mulú – “CHIHIRO” (6)
13 – Hoovaranas – “Fuga” (7)
14 – Raça – “Debochado” (com Carlos Dias) (8)
15 – Liniker – “Tudo” (9)
16 – Exclusive os Cabides – “Coisas Estranhas” (10)
17 – Bruxa Cósmica – “BOTE” (11)
18 – Adorável Clichê – “Devagar” (12)
19 – Duda Brack – “De Conchinha com a Diaba” (13)
20 – Momo. – “Jão” (14)
21 – PECI – “Doce do Azedo” (16)
22 – Chico Bernardes – “Até Que Enfim” (17)
23 – TRAGO – “Porvir” (18)
24 – FBC – “Não Deixa Secar” (19)
25 – Samuel Rosa – “Não Tenha Dó” (20)
26 – Mundo Video – “SOZINHOS: O Desafio (com Gab Ferreira)” (21)
27 – Tontom – “Tontom Perigosa” (23)
28 – Vivian Kuczynski – “Me Escapo a Cuba” (24)
29 – Quartabê – “Eu Cheguei Lá” (25)
30 – Jup do Bairro – “Mulher do Fim do Mundo” (26)
31 – Paira – “Música Lenta” (27)
32 – Papisa – “Vai Passar” (28)
33 – Carlos do Complexo – “Sextos Sentidos” com Menor do Engenho e Marlon do Engenho (30)
34 – Antônio Neves – “Dinamite” (31)
35 – Hermeto Pascoal – “Passeando pelo Jardim” (32)
36 – Bebé – “Recado Dado (com Dinho Almeida)” (34)
37 – Max B.O – “Impossível Não Achar Possível” (35)
38 – Mateus Fazeno Rock – “Madrugada” (36)
39 – Julia Branco – “Baby Blue” (37)
40 – O Grilo – “Manual Prático do Tédio” (38)
41 – Varanda – “Vá e Não Volte” (40)
42 – Taxidermia – “Clarão Azul” (41)
43 – Mirela Hazin – “Delírio” (42)
44 – Bruno Berle – “Te Amar Eterno” (43)
45 – Pabllo Vittar – “Pra Te Esquecer” (44)
46 – Tuyo – “Devagar” (45)
47 – Irmãs de Pau – “Megatron” (46)
48 – Haroldo Bontempo – “Risada (com João Donato)” (47)
49 – Deize Tigrona – “25 de Abril (com Boogarins)” (49)
50 – Amaro Freitas – “Y’Y” (50)
* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, a cantora e instrumentista feminista Maria Beraldo.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.