Desde janeiro até aqui foram semanas juntando o que de melhor a música brasileira fez na nossa visão. Sempre tentando expandir nossos limites, conhecer, não deixar escapar nada que é legal. Tanto que nossa lista final é menos uma “decisão” e mais um “convite ao incrível 2024 da música brasileira” do que qualquer outra coisa.
Nossa missão aqui nunca foi falar sobre quem é melhor, mas documentar o que de mais relevante é feito no país, que mais uma vez provou ter a cena musical mais criativa do mundo.
A listinha final de 2024, com os 50 sons que gostaríamos que você conhecesse até 31 de dezembro ficou assim:
“Quero viver uma vida cheia de paisagens” é o mantra de Vitor Milagres. E querer é poder. Não por acaso seu álbum leva o nome de “Vontade de Beleza”. Ele, que também é designer 3D, cria por aqui as belas paisagens em seu artesanato sonoro – músicas expansivas, que transitam entre gêneros diversos e vão do eletrônico para o acústico sem pedir licença. Vitor é como o ponta de lança craque no futebol que encontra brechas onde a física jura que não existe. A fineza da produção deixa até indefinido se Vitor fez tudo no computador de sua casa ou no estúdio mais caro do mundo – essa é a sua força. O cara é um barato, de fato.
Outro construtor de belezas é Bruno Berle. Em “Reino dos Afetos 2”, seu segundo trabalho, a busca parece ser pela melodia mais bonita possível e ele encontra algumas. “Te Amar Eterno”, de João Menezes, emociona de primeira, daquelas de fazer chorar. Pela letra, pelo cantar doce e pelos sons, meio nostálgicos e meio modernos, o piano que tromba no violão e faz a cama para se tirar um cochilo e sonhar com o amar eterno.
Negro Leo está online agora, tá de olho no lance, tá vendo lá na frente. Se alguém entendeu 2024 foi ele, só não peça uma explicação simples. “Rela” vai buscar na tradição do bumba-meu-boi e sua noção circular de tempo um jeito de falar sobre sexo. “Eu tô pensando em sexo, não em trend (…), Eu: to pensando em sexo, não em Bet”, diz o texto de apresentação do álbum. “Me Ensina a Te Castigar” é o resumo desse mix, com seu instrumental balançado preenchido por pequenas vinhetas e presença mágica de um daqueles locutores de voz grave que avisam que uma música é S-U-C-E-S-S-O, sabe? Enquanto todos buscam sentido, Negro Leo dá a sensação. O segredo, afinal, está na pergunta.
Tássia Reis se supera disco a disco, daí que não é de se estranhar o alcance de “Topo da Minha Cabeça”, seu quinto álbum, um dos destaques de 2024 e que a botou em alguns festivais lindos por aí. Seu melhor trabalho até aqui esse disco novo, que parece unir como nunca antes todos os interesses da cantora: do rap, sua primeira vitrine, ao samba, sua base. Entre os dois gêneros, seu forte interesse em jazz e também em R&B aparecem mais abrasileirados. E a tradução disso está bem representada em “Sol Maior”, samba balançado com versos de rap que rumam a um refrão grandioso e reverente a Alcione – uma das modelos de Tássia. Falando assim parece fácil, mas na mistura de samba e rap poucas vezes alguém fez algo nessa linha onde a fronteira entre os gêneros desaparece.
Para entender a força de “Colinho” basta pensar que ela nem precisaria de letra para ganhar a marquinha de conteúdo explícito que ganhou. Só o jeito que Maria Beraldo organiza a música e o modo como coloca a voz já é o suficiente para arrepiar geral e deixar a censura maluca. De forma metalinguística, Beraldo pega a força de uma rebolada inesquecível e arrebenta os versos que mostram e escondem a fervura desse encontro de corpos. A dor que desatina sem doer é lembrar “do peso da minha bunda no teu colinho”.
“Maria Esmeralda” também entra no hall de discos mais comentados do ano. Como um segredo, o projeto que reúne Thalin, VCR Slim, Cravinhos, Langelo e Pirlo foi passando de boca a boca, ouvido a ouvido, conquistando geral. Para se ter ideia, alcançaram de Roberta Martinelli a Marcelo D2, para ficar em dois fãs famosos. O que arrebatou tanta gente? O ambiente misterioso e sedutor do eu-lírico imaginário Maria Esmeralda em versos e beats, em uma espécie de união em disco do passado e do futuro da música brasileira, é talvez o principal motivo. O jeito curioso de recortar os samples e deixar o ouvinte no contrapé enquanto as letras não entregam nada de mão beijada é outra explicação. “Todo Tempo do Mundo” ganha os pontos de destaque pela carga emocional ao tratar um amor que continua após o fim de tudo.
“O mar de passado me trava”. Falando de relacionamentos ou do modo de ver a vida, o grupo gaúcho Supervão fez em “Amores e Vícios da Geração Nostalgia” seu estudo dos efeitos do apego ao que já passou. Reflexão que se espalha pelas letras, mas também na sonoridade, que repete propositalmente lugares onde o rock já passou. Como já comentamos, é o disco que o Strokes falhou em fazer lá em 2013 – quando tudo começou a dar errado e a banda e sua geração entraram num beco sem saída. “Eu morro e não vejo
tudo de novo” é brilhante ao readaptar o dito popular. Fica como um dos versos do ano em que nos acomodamos com a repetição das inteligências artificiais soando todas tão iguais. Bom humor e inteligência para pensar porque o novo ainda não nasceu.
“Caju” foi o nosso “brat”. O disco fenômeno, o disco que é uma cor, um papo, o show mais procurado, uma vibração. Também fica como trabalho que na busca por sua verdade, sem concessão às regras bobas da indústria, soube encontrar em canções de quase oito minutos sua melhor forma – sem pressa do refrão, sem pressa para brindar. Os domingos nunca mais serão depressivos com tamanha companhia. Sonhemos longe com a Liniker.
Um dos primeiros lugares do Top 50 lá em maio, Paira é mais um lindo produto da versátil e talentosa cena mineira, sempre a nos impressionar, seja no rap, no funk, no indie, na música eletrônica. Ou misturando tudo. A dupla Paira, de BH, formada por André Pádua e Clara Borges, juntou em seus primeiros esboços muitas ondas: drum’n’bass, noise, dream pop. Como se isso fosse possível. Mas foi… “O Fio” é a prova.
A amplitude de Dora Morelenbaum, mais conhecida pelo sucesso do Bala Desejo, finalmente deu as caras com seu primeiro disco solo. “Pique” traz todos os seus interesses, e Dora pode brincar com referências aos seus ídolos (Tom, Gal, Gil, entre tantos outros). De baladas lentas (“Essa Confusão”) a experimentações rítmicas (“Caco”), seu olhar também aparece ao sacar uma inédita de Sophia Chablau, a solar “Venha Comigo”, capaz de abrir um céu nublado e surgir com 15 dias de férias do nada para cada ouvinte.
11 – Amaro Freitas – “Viva Naná”
12 – Hoovaranas – “Fuga”
13 – Luiza Brina – “Oração 18 (Pra Viver Junto)”
14 – Exclusive Os Cabides – “AAAAAAAAA”
15 – Sofia Freire – “Autofagia”
16 – Curumin – “Só para no Paraibuna” com Nellê
17 – Jean Tassy e Don L – “Dias Melhores” (com Iuri Rio Branco)
18 – Crizin da Z.O. – “Acelerado”
19 – Papisa – “Melhor Assim”
20 – Caxtrinho – “Cria de Bel”
21 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo”
22 – Tuyo – “Devagar”
23 – Rodrigo Campos – “Amar à Distância”
24 – Varanda – “Vida Pacata”
25 – Boogarins – “Corpo Asa”
26 – batata boy – “Novas Rotinas” (com Vitor Milagres)
27 – Mu540 – “DZ7” (com Garimpos)
28 – Slipmami – “Eles são Fracos”
29 – Malu Maria – “A Língua Trava”
30 – Giovani Cidreira – “Feira do Rolo” (com VANDAL)
31 – Mundo Video – “Perto da Praia”
32 – Nina Maia – “INTEIRA”
33 – Conde Favela Sexteto – “Mamão”
34 – Karina Buhr – “Poeira da Luz”
35 – Adorável Clichê – “amarga”
36 – Tontom – “Tontom Perigosa”
37 – Dead Fish – “11 de setembro”
38 – Vivian Kuczynski – “Me Escapo a Cuba”
39 – Bruna Mendez – “Temporal”
40 – Lucia Vulcano – “O que me faz viver”
41 – Sítio Rosa – “Amarelo”
42 – Papangu – “Rito de Coroação”
43 – Apeles – “Fragment”
44 – TRAGO – “Porvir”
45 – Hermeto Pascoal – “Passeando pelo Jardim”
46 – Clara Bicho – “Eu e a Lua” (com Linguini)
47 – Rico Dalasam – “Cartazes”
48 – Marabu – “Vida de Turista”
49 – Don L – “Bem Alto”
50 – Josyara – “Namoro a Dois”
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** Na vinheta deste Top 50 especial, o cantor carioca Vitor Milagres.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.