
A gente não vai tentar aqui esconder nosso contentamento com a nova mixtape-álbum do rapper Don L, trabalho de uma enorme felicidade, lançado agora. Foi difícil escolher uma só faixa, mas fomos logo pegar esse recadinho pra esses dois caras do título da música. E a intersecção foi concluída com sucesso.

“A longa e escura noite do fim da história deve ser encarada como uma enorme oportunidade”, avisa Mark Fisher no livro “Realismo Capitalista”. Em “Caro Vapor II – Qual a Forma de Pagamento?”, nova mixtape de Don L, já é 12h20 do dia seguinte do fim da história. Acorda, camarada! Embora tratem de universos distintos, em seu álbum anterior, “Roteiro pra Aïnouz, Vol. 2”, o rapper já sugeria como seria sua revolução e o quanto ela estava atrelada a simplesmente pensar e agir sutilmente diferente do hoje. Aqui saímos de dentro da noite, dentro do sonho. Em “Caro Vapor II” a nova realidade está em exercício. “A literatura constrói a experiência”, afirmou o argentino Ricardo Piglia. Don L sabe bem disso, é nosso mestre-de-obras. Não é por acaso que destina essa carta aberta aos maiores rappers gringos da nossa geracão. Os nossos Lennon e McCartney (ainda que cada um na sua) precisam saber algumas coisas sobre nós.
A vírgula em “Um Mar para Cada Um,” não era acaso. Luedji Luna entrega duas semanas depois do arrepiante álbum novo uma sequência completa, o apaixonado “Antes Que a Terra Acabe”. Tão jazzístico quanto o anterior, há algo de mais quente por aqui. Uma emergência, mais terra que mar, o título entrega. E nem só de amor romântico se faz a vida, tem amor aos pares e companheiros de luta. Só ver a bossa em “Bonita”, com letra inglês como se quisesse retomar dos gringos o nosso ritmo original e entregar a mãe da coisa, nossa Alaíde Costa. Luedji faz justiça com as próprias canções.
E, por falar em ritmos e tons nossos, aqui a busca é por uma brasilidade evaporada no canto de “Coivara do Sono…”, prévia do segundo álbum de Lau e Eu, a persona artística assumida pelo sergipano Lauckson José Santos Melo. Um Brasil que não vira as costas para América Latina. Como ele avisa no Instagram: “Feroz comum silêncio entre nós”. Outro detalhe: parte do som foi feito em casa mesmo. Uau.
Outro olhar para a tradicão é oferecido por Moisés Navarro, que saúda a obra de Noel Rosa com as ferramentas atuais da música brasileira. Tudo com contribuições certeiras de nomes como Alaide Costa e Claudette Soares.
É uma pira nova mesmo ver a banda Marrakesh, do Paraná e adotada por São Paulo, cantar em português. Ok, não vamos mais falar nisso quando for para nos referirmos à Marrakesh. Já normalizou. Mas é que esse “noise luxuoso” e experimental de uma banda cheia de sonoridades e backing vocals espertos e bem colocados entregam a sensação de que a língua-mãe coube de um modo perfeito nesta nova pegada da banda. “Cão” é o último single antes do terceiro álbum da Marrakesh, homônimo, ainda a ter sua data divulgada.
Caetano em “Nosso Estranho Amor”, Roberto Carlos em “Fera Ferida”, Tim Bernardes em “Pra Sempre Será”. Tem algo em comum nessas canções que Joaquim encontra ao seu modo na sua “Emboscada”. Algo de muito sincero, algo entre o falado e o épico. Não é comparando ninguém, é só um traço, um modo de propôr semelhante. Um arzinho clássico no vão das notas. Olho no homem e no burburinho acerca de “Varanda dos Palpites”.
Luedji já dá continuidade no recém-lançado “Um Mar para Cada Um”. Aqui o amor supremo vem com pressa, com aflição, quase desespero, mas sem deixar de soar sexy. “Antes que a terra acabe, quero me acabar nela”, canta. E o peso da declaração fica maior no grave de Seu Jorge e nas cordas de Arthur Verocai. Verocai cria uma tensão tão forte que parece mesmo que o mundo está por acabar.
Alberto Continentino pode não ser um nome que você reconheça, mas você conhece bem o som dele. Seu baixo é o cerne de nomes como Caetano Veloso, Milton Nascimento, Adriana Calcanhoto e Ana Frango Elétrico. E por que ele é o favorito dos seus favoritos? Ele tenta explicar em seu terceiro álbum solo, onde mostra suas habilidades de produtor, arranjador, letrista e vocal. Repara em como ele transfere o groove do baixo para a letra.
Parte de “Escuro Brilhante, Último Dia no Orfanato Tia Guga”, lançado em 2023, Rico retomou “Imã” para um vídeo onde luz e sombras vão falar sobre celebração – do funeral ou Carnaval, da luta ao luto o espaço é pouco. Fervo é luta, é mote antigo de Rico. E aqui “Imã” cai como luva com seu texto sobre a força do amor muito além da idealização romântica. É a amizade radical que Amara Moira defendeu recentemente em uma entrevista para a Revista Gama.
Já dá para afirmar que Zé Ibarra é um dos grandes intérpretes da obra de Sophia Chablau. Em “Marquês, 256”, ele sacou a engraçada “Hello”. Agora em “Afim”, deixa “Segredo” ainda mais romântica ao verter o toque indie rock da original para uma MPB setentista. Mais: ainda tem uma Sophia Chablau inédita no novo disco: “Hexagrama 28”. E isso é só um aspecto de mais um bom álbum de Zé, mesclando mais uma vez suas habilidades de compositor com o olhar aguçado para encontrar os novos compositores, sua geração. Ítallo França, Maria Beraldo e os amigos mais próximos Tom Veloso e Dora Morelenbaum estão presentes. Em um texto no Instagram, Zé falou de sua vontade de explorar mais e mais quem ele é, escapar dos limites forçados de um mundo pautado no algoritmo. No papo, colocou “Afim” como meio desse processo, da busca. Só de ter um esforço efetivo para sair da massificação, dessa insanidade que anda deixando tudo soando igual, Zé sai na frente e sugere um movimento, um aspecto da obra de seus ídolos que muito fã/artista deixa de lado ao só pensar no mercado da música.
11– Uana – “A Praiera” (7)
12 – Candy Mel – “Tanto para Dar” (com Rico Dalasam) (8)
13 – Carol Cavesso e Otis Trio – “Astra” (9)
14– Lupe de Lupe – “Redenção (Três Gatos e Um Cachorro) (10)
15 – Jadsa – “Samba pra Juçara” (11)
16 – Mateus Fazeno Rock – “Arte Mata” (12)
17– Caetano Veloso – “Um Baiana” (13)
18 – eliminadorzinho – “A Cidade É uma Selva” (14)
19 – Marina Melo – “Cidade” (com Ná Ozzetti) (15)
20 – Gab Ferreira – “Ponta da Língua” (16)
21 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (18)
22 – Alaíde Costa – “Bandeira Branca” (com Amaro Freitas) (19)
23 – Antropoceno – “Queda do Céu” (20)
24 – Nego Joca – “Nada Igual” (21)
25 – Catto – “Eu Te Amo” (22)
26 – Eduardo Manso – “FRB 20220610A” (23)
27 – clara bicho – “Meu Quarto” (24)
28 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (25)
29 – Maré Tardia – “Ian Curtis” (26)
30 – Avenida Paulista, da Consolação ao Paraíso – “No Fundo, no Fundo” (Maurício Pereira e Gui Calzavara) (27)
31 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (28)
32 – Celacanto – “Quadros” (29)
33 – Josyara – “Eu Gosto Assim” (30)
34 – Terno Rei – “Peito” (31)
35 – Rachael Reis – “Jorge Ben” (32)
36 – Rael – “Onda (Citaçaõ A Onda) (com Mano Brown e Dom Filó) (35)
37 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (37)
38 – Djonga – “Demoro a Dormir” (com Milton Nascimento) (38)
39 – Jovens Ateus – “Mágoas – Dirty Mix + Slowed Reverb” (39)
40 – Danilo Moralles – “Fervo de Amor” (40)
41 – Ogoin & Linguini – “Vícios Que Eu Gosto” (41)
42 – Bufo Borealis – “Urca” (42)
43 – Terraplana – “Todo Dia” (43)
44 – Marina Melo – “Prometeu” (com Maurício Pereira) (44)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)
***
* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o cantor e rapper Don L.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.