Top 50 da CENA – Carlos Dafé está vivão, mas o jazz… Pelados e o hino da Copa do Mundo. E a Gab Ferreira terminando e começando

“Por que ler os clássicos”, já perguntou em livro Ítalo Calvino. Um dos aforismos do italiano é simples: “A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos”. Adrian Younge faz isso certinho em seu projeto Jazz Is Dead, que ironicamente anda deixando o gênero vivíssimo. E mais: celebrando a música brasileira!  

Com o selo Jazz Is Dead, Adrian Younge reconecta uma geração com o gênero. O projeto começou quase despretensiosamente, mas já reúne uma discografia e tanto colocando um monte de bambas para gravar material inédito. Para nós brasileiros, a lição vai além. Adrian se conectou com uma turma da pesada e vem lançando um álbum de cada um deles por vez: Hyldon, Dom Salvador, Antonio Carlos e Jocafi, Joyce e Tutty Moreno… O da vez é o enorme Carlos Dafé, que de quebra escreveu uma música para o fenômeno inventando por Adrian. “Jazz Está Morto” celebra a vivacidade do selo. Salve.

O lançamento oficial do ótimo disco novo da banda paulistana Pelados, o inspirador “Contato”, está sendo lançado oficialmente nesta semana (nesta sexta para quem está lendo este top na sexta). Nele, tem uma música “quase triste” chamada “Modric”. Luka Modric é atualmente jogador do Milan, fez carreira sólida no timaço do Real Madrid e é considerado o maior jogador da seleção da Croácia da história. A Croácia do Moldric eliminou a seleção brasileira na Copa do Catar, em 2022, na semifinal, nos pênaltis. A seleção brasileira do Tite, o grande “vilão” do fracasso brasileiro. Essa história é muito bem contada (musicada) de um “jeito Pelados” em uma das melhores músicas de “Contato”. Na voz da incrível Manu Julian, em letra de Lauiz. Com batidinhas fofas e solos de guitarra. O que custa a Fifa fazer de “Modric” a música da próxima Copa do Mundo, em 2026?

“Daqui uns anos talvez vamos rir do que tinha peso”. Taí uma verdade. As dificuldades e nossas noías vão ficando menores com o tempo, não que outras não apareçam, mas é assim que aprendemos com o passo. A reflexão delicada combina com a construção das vozes como uma cama eletrônica para a base “Começos”, faixa que encerra “Carossel”, disco que ela dedicada “a todos que ainda se encantam com a beleza da vida cotidiana”. Não podemos ser poucos.

A carioca Lorena Moura prepara para o mês que vem o lançamento de “Mata-Leão”, seu disco de estreia. Cantora, compositora e instrumentista, ela vem há alguns anos burilando esse álbum na faculdade, no Rio, onde estuda música. Esta bonitona “Quis”, destacada aqui, discute encontro e desencontros amorosos. E a complicada partilha de bens no fim, em que se discute com quem ficam as cordas do violão.

Gilberto Gil pode até se aposentar dos palcos, algo que duvidamos, mas das gravações ele não se aposenta. Tanto que Lucas Santtana convidou Gil para a primeira das celebrações de seus 25 anos de carreira. A parceria dos dois vem de longe, Lucas estava na banda de Gil nas gravações do acústico MTV, seu primeiro momento no mundo da música. O reencontro em “A História da Nossa Língua” aproveita o livraço “Latim em pó”, de Caetano Galindo, para traçar a história do português como se fosse gente, uma pessoa que andou por aí por muito tempo e foi fazendo amigos, arrumando amores até chegar na gente. Cuidamos bem dela? 

Muita gente finalmente descobriu o Negro Leo graças ao alcance fenomenal da edição brasileira do Tiny Desk Brasil. Sejam bem-vindos a ele! Vamos perdoar vocês pelo atraso. Estão com sorte porque Negro Leo é um dos convidados no álbum de estreia da Jup do Bairro, “Juízo Final”. Aliás, bom momento para descobrir também o som da Jup, se você já não a conhece. Em seu álbum de estreia, ela reuniu um time de produtores variados (peles, Baby Plus Size, Exfera, CyberKills, Thiago Klein e VINEX) e passeia por diferentes gêneros como boa fã de música que é: do samba ao metal. Na reflexão das letras, um conjunto conceitual sobre cansaço e força. Jup chegou ao fim da festa, está exausta, mas não vai deixar de contemplar o seu momento. Ninguém fode com ela, oras. A metáfora vale para o mundão, para o Brasil que atrasa a vida de sua população trans e também para a indústria musical, sempre sedenta, sugando artista por artista. E, assim, agora temos a nossa “Guess”, atura ou surta Charli e Billie.

Muita gente também finalmente descobriu a Juçara Marçal graças ao nosso Tiny Desk. Sejam bem-vindos de novo! Vamos perdoar vocês pelo atraso, estamos há dez anos batendo na tecla sobre o trabalho da Juçara ser brilhante. Mas sempre é hora, ok. Ainda neste mês, o Sesc lança “Sessões Selo Sesc #16: Juçara Marçal”, registro do show de lançamento do primeiro disco solo da cantora, “Encarnado”. Gravado na unidade da Vila Mariana, Juçara contava naquele momento com uma banda formada por Kiko Dinucci (guitarra), Rodrigo Campos (guitarra e cavaquinho) e Thomas Rohrer (rabeca). Na participação especial, ele mesmo, Thiago França (sax). Dá neles, Juçara.

Será que quando o Vanguart era só uma ideia na cabeça do jovem Hélio Flanders ele imaginava lançar um disco e ganhar de saída os elogios de sua ídola (e hoje sua amiga) Cida Moreira? São essas coisas que valem algo na vida. Essa sinceridade e calma diante do efêmero transbordam em “Estação Liberdade”. “Se você cai, tem um amigo/ Que canta por ti, e sonha junto contigo”, Hélio solta a voz com seu parça Reginaldo Lincoln. Após os altos e baixos da vida da estrada, que provocaram uma debandada dos integrantes originais da banda ao longo do tempo, e das ansiedades dos tempos da juventude, eles chegam à “Estação Liberdade” escrevendo o fino, aquela sabedoria de quem entende que a coisa mais certa de todas as coisas não vale o caminho sob o sol. Seguimos.

Rebarba é aquela sobrinha, aquele material que vai ser tido como a imperfeição no corte de um material qualquer. Mas os mineiros da Varanda não transam desperdício. Pegaram as composições levantadas durante a feitura das demos de seu álbum de estreia, “Beirada”, e colocaram ela para jogo, este novo EP, o “Rebarba”. Resultado: é bem legal vê-los experimentando, vendo o que funciona e o que não funciona, como se fôssemos infiltrados no estúdio. Dá até vontade de opinar: “Gente, essa é boa, coloca no disco!”.  

“Eu gosto de poesia. De som, textura, timbre, take inteiro. Eu gosto de persistir até acertar”, escreveu Teago Oliveira em seu Instagram na apresentação do seu mais novo disco, “Canções do Velho Mundo”. Esse texto esperto dele poderia muito bem ser a nossa resenha todinha, de tão certeiro. “Meus pais são pessoas humildes. Tenho medo do futuro. Do futuro da arte. Do meu futuro com a arte. Do futuro dos meus amigos. Já pensei em largar tudo. Ter uma vida normal”, confessou com a mesma sinceridade de suas canções apresentadas no álbum. Canções, realmente, ô jeito antigo de se fazer música, né? O que não aparece no texto de Teago, talvez por modéstia da parte dele, é que ele também gosta de fazer a gente se emocionar, outra coisa super fora de moda. É do inexplicável como a gente fica com vontade de chorar em “Desencontros, Despedidas”, uma coleção de pequenas fotografias em versos registrando seus amigos e amores (“Ana entrou na minha porta e pra sempre ficou” é sua parceria de vida, Ana Paula Bohnenberger/ ”O vento passou para Luquinha, Léo e Didi” são os colegas de Maglore). A coisa é tão envolvente, tão delicada, que vem a lembrança de “Encontros e Despedidas do Milton”, vêm lembranças dos Carnavais todos, de cada mudança de casa, da escola, de jogar bola na rua. Pô, parece que o Teago era um amigo nosso daquela época. Se pá, era mesmo. Certeza que era.  

11 – Urias – “Voz do Brasil” (7)
12 – João Parahyba – “Xei Lá Town” (8)
13 – Tulipa Ruiz e Yehaiyahan – “Caule de Bambu” (9)
14 – Marisa Monte – “Sua Onda” (10)
15 – Tasha & Tracie – “Serena & Venus” (11)
16 – Sophia Chablau & Felipe Vaqueiro – “Cinema Total” (12)
17 – Dadá Joãozinho & Mundo Vídeo – “Dourado” (13)
18 – PUSHER174 – “Eu Sou do Contra” (14)
19 – Oruã – “Casual” (16)
20 – Djavan – “Um Brinde” (17)
21 – Douglas Germano – “Tudo É Samba” (19)    
22 – Eliminadorzinho – “Você Me Deixa Coisado” (20)
23 – Rodrigo Ogi e niLL – “Doze Badaladas” (21)
24 – Sessa – “Vale a Pena” (22)
25 – Tori – “Ilha Úmida” (23)
26 – Bike – “Essência Real” (24)
27 – Fleezus – “Pace de Malandro” (26)
28 – Valentim Frateschi – “Mau Contato” (com Sophia Chablau) (27)
29 – Chico César – “Breu” (28)
30 – Supervão – “Love e Vício Em Sunshine (Ao Vivo)” (29)
31 – Nina Maia – “Manha” (31)
32 – Janine Mathias – “Um Minuto” (32)
33 – Mateus Fazeno Rock – “O Braseiro e as Estrelas” (33)
34 – Joca – “BADU & 3000” (com Ebony) (34)
35 – Marabu – “Rubato” (35)
36 – Don L – “Iminência Parda” (36)
37 – Lupe de Lupe – “Vermelho (Seus Olhos Brilhanto Violentamente Sob os Meus)” (37)
38 – Zé Ibarra – “Segredo” (38)
39 – Jadsa – “Samba pra Juçara” (39)
40 – Mateus Aleluia – “No Amor Não Mando” (40)
41 – Stefanie – “Fugir Não Adianta” (com Mahmundi) (41)
42 – Vera Fischer Era Clubber – “Lololove U” (42)  
43 – Cajupitanga e Arthus Fochi – “Flamengo” (43)
45 – Apeles – “Mandrião (Vida e Obra)” (45)
46 – ÀIYÉ e Juan De Vitrola – “De Nuevo Saudade” (46)
47 – Dadá Joãozinho – “As Coisas” (com Jadidi) (47)
48 – Gabriel Ventura – “Fogos” (48)
49 – Nyron Higor – “São Só Palavras” (49)
50 – BK – “Só Quero Ver” (50)

https://open.spotify.com/playlist/7JbCpBlfKAIAvvRW5ATOkV?si=df0122bde97a468c

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* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o rei da soul music, o cantor carioca Carlos Dafé.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro Vinícius Felix.