Top 50 da CENA – Os “recados” sonoros de Planet Hemp e Chico César. E a volta linda da Marina Gasolina. Este é o nosso pódio da semana

Nesta semana a disputa foi vencida com facilidade. O evento da vez é o retorno triunfal do Planet Hemp. A banda carioca há um tempo voltou a fazer shows, causando terror aos bolsonaristas de plantão nos palcos. Mas agora temos uma inédita, a primeira em mais de duas décadas (!!!), que chega chutando a porta ao mesmo tempo que chama para uma reflexão. Sacou? Vem com a gente que a semana ferveu nos protestos – será a eleição se aproximando?

O novo single do Planet Hemp quebra um silêncio de 22 anos sem músicas inéditas da banda. O mundo era outro, a gente era outra, pensa. Será mesmo? Vivíamos governados por Fernando Henrique Cardoso – ele mesmo, FHC. Eram tempos duros, abuso de poder do Estado comendo solto – basta lembrar que o próprio Planet Hemp chegou a ser preso. Tempos até meio parecidos com os de hoje, que até tinha uma celebração patética da história brasileira para chamar de sua. No caso, a tal celebração dos 500 anos do “Descobrimento”. Quem viu a banda ao vivo recentemente sente o quanto as músicas antigas envelheceram bem, tamanha são as coincidências. Nesta “Distopia”, a ex-quadrilha da fumaça olha para a frente e retoma seus momentos mais roqueiros em um chamado a repensar, refletir, recusar e resistir. Apostando “na força da canção”, como canta Criolo no refrão, e na libertação do medo, como pede Marcelo Yuka na fala que abre o novo single. Uma música para a gente ficar pensando no quanto avançamos e o que perdemos no caminho destes 22 anos.

Se o Planet Hemp puxa o bonde do protesto, Chico César vem logo em seguida na mesma toada com um punk reggae. A letra é uma pancada tão direta que praticamente dispensa mais explicações, basta ler o título dela e sacar tudo. Mas o compositor faz questão de detalhar: “Esta é uma canção em defesa da fé cristã e uma crítica a um grupo político de inspiração fascista que sequestrou de modo bastante hipócrita parte significativa das igrejas e o rebanho que professam essa fé”. De todos os pontos abordados na música, o que mais nos pega é quando Chico comenta sobre o “horror à festa” dos “minions”. É uma verdade imensa, vide o horror ao Carnaval que a turma desenvolveu nestes tempos. Carnaval, justamente a festa de libertação popular. Esse ódio a si mesmo, “de toda humanidade que não quer ser salva”, fica para a história registrada na canção de Chico Cesar.  

Se o silêncio do Planet foi de de 22 anos, Marina Vello, mais conhecida como Marina Gasolina, deu um tempinho menor, mas não menos sentido por quem adora suas músicas. Desde 2014 fora de cena, ela que encantou a gente no Bonde do Rolê e no Madrid, seu duo com Adriano Cintra, volta após traumas pessoais muito dolorosos. Marina viu de muito perto a escuridão total e definitiva, para usar algumas de suas palavras, mas voltou de lá com a canção de um filme que ficou pelo caminho para ser trilha do filme que acontece agora. Queremos mais! 

Quem viu “Amarelo – É Tudo Pra Ontem”, doc do Emicida, deve lembrar da hora em que ele explica que a primeira fusão de rap com samba veio da dupla The Brothers Rap, da Zona Norte de São Paulo. A retribuição por esse reconhecimento vem agora com Spainy, um dos brothers, convidando Emicida para registrar uma versão dessa primeira mistura. Daqueles momentos bonitos de encontros na música brasileira.

Giovanna Moraes podia facilmente ter caído para a MPB nos últimos trabalhos, mas resolveu botar sua personalíssima voz para enfrentar guitarras cada vez mais pesadas. A briga é interessante. E entre mortos e feridos esta “Vai Que Você Gosta”, que encerra seu recém-lançado novo álbum “Para Tomar Coragem, é a mais indie do disco. E também sua batalha mais vencida no novo trabalho. Se rádios como a 89FM não bota uma música assim em sua programação, está vacilando.

Na semana das músicas de protestos que dispensam textos elaborados da nossa parte. Vírus expressa sua revolta e chega sem suavizar. Sente os primeiros oito versos da novidade do rapper baiano: “Pega o facão, pega o facão/ Pega o facão que é pra cortar bambu/ Pega o facão que é pra cortar cabeça/ Do senhor de engenho que acha que é dono/ Acha que dono da porra da terra/ Acha que é dono da porra do mar/ Acha que dono dessa porra toda/ Subindo mais predio não sabe cuidar”. Avisamos que era papo reto.

Tocado por Rodrigo Vellozo, filho de Benito di Paula, e Rômulo Fróes, “Benito 80” é um projeto que celebra os 80 anos do compositor, completados no ano passado. A série de regravações já tem singles nas vozes de João Bosco e Teresa Cristina. Criolo se une à turma com a clássica Charlie Brown, que pode muito bem ser lida como um sutil protesto de Benito à ditadura militar ao resumir um Brasil bonito e resistente ao horror daqueles tempos.

Foi nestes dias que escrevemos por aqui da saudade que a gente tava da Tulipa Ruiz? Hora de resolver essa questão. Saiu hoje o novo álbum da cantora santista mais mineira/paulistana que a gente já conheceu. “Habilidades Extraordinárias” é o disco pós-confinamento dela, “com os hematomas e as dores decorrentes de tanta violência social, política, ambiental, nos relacionamentos, trabalhista. Um disco que tenta expurgar o agora, cultivando a coragem em meio a tanta falta de estímulo. Sobre estar viva e presente, sobre renascer a cada dia”, escreve Tulipa.  “Samaúma”, seu primeiro single, dá o tom do álbum, com seu som encorpado gravado em fita. O frescor da faixa parece resultado do tempo que Tulipa deu nas inéditas – tem uma leveza, prazer e criatividade aqui difícil de traduzir em palavras. A letra, que entrega informações da mesma maneira que esconde, também é das melhores dela, que neste tempo fez excelentes letras para outros artistas – Elza Soares, Juçara Marçal, Tássia Reis… “A música fala da natureza de uma mulher que se relaciona com a natureza das coisas e dos mistérios de maneira consciente, inconsciente, orgástica e respeitosa”, ela conta. A sequência dos versos onde ela acelera a conversa (“Meu verbo vira espuma, eu viro espuma/ Eu viro verbo, eu viro espuma/ Eu viro espasmo e fico pasma quando vira música”) vai deixar muito rapper aplaudindo o flow.

Chora um pouco, ri depois. É assim que você vai escutando as músicas do Number Teddie. O menino que saiu de Manaus para tentar uma chance ao lado produtor Gorky (que você conhece do Bonde do Rolê ou da Pabllo) tem uma caneta afiada e cada verso seu é cortante a ponto de te deixar sem reação certa. É para rir ou chorar? Tudo soa fresco e original aqui – o instrumental, a postura da sua voz, a escrita. Ele foi uma das sensações de um certo “lado B” do Rock in Rio, pelo que a gente ouviu falar. Faz todo sentido que seja. É tão viciante o som do Number Teddie que a gente já recomenda mais duas que vão te deixar apaixonado: “PRÊMIO” e “bom ator”. Se você precisa de um aval gringo, saiba que o Zane Lowe, o homem forte da Apple Music, está apaixonado nessa maluquice.

A gente também já escreveu isso aqui algumas vezes, pelo que lembramos. Wry em inglês é foda, mas em português é ainda mais saboroso. E a banda chegou chutando a porta aqui. A pegada pós-punk nesta “Sem Medo de Mudar”, título que por si só já diz muito, é daquelas que deixam a gente imediatamente em alerta, com vontade de andar por ruas estranhas em dias nublados.

11 – Ubunto e Nara Gil – “Abafabanca” (4)
12 – Janu – “Vey” (5)
13 – Marrakesh – “Darkstars” (6)
14 – Tim Bernardes – “A Balada de Tim Bernardes” (7)
15 – Rashid – “Não Sabem de Nada” (8)
16 – Izzy Gordon – “A Ilha” (9)
17 – Winter – “Good” (10)
18 – Môa do Katendê – “Embaixada Africana” (com Criolo) (11)
19 – Ombu – “Pare” (Estreia) (12)
20 – Jonathan Ferr – “Lá Fora” (com Coruja BC1, Zudzilla, Lossio) (13)
21 – Tori e Bruno Berle – “Descese” (14)
22 – Josyara – “MAMA” (15)
23 – Valciãn Calixto – “Adoção” (16)
24 – Maglore – “Para Gil e Donato” (17)
25 – José Miguel Wisnik – “O Jequitibá” (18)
26 – Black Pantera – “Isolamento Social” (19)
27 – Tom Zé – “Pompeia – Piche No Muro Nu” (20)
28 – João Donato – “Órbita” (21)
29 – Francisco, El Hombre – “Arranca A Cabeça Do Rei” (22)
30 – Rohma – “@rroboboy” (23)
31 – Joyce Moreno – “Tantas Vidas” (com Mônica Salmaso) (24
32 – Filarmônica de Pasárgada – “Saudosa Ma Loka” (25)
33 – NoPorn – “Nome Sujo” (26)
34 – Luli Braga – “Depois das Onze” (27)
35 – Djavan – “Sevilhando” (28)
36 – Rico Dalasam – “Guia de um Amor Cego” (com Céu) (29)
37 – Nobat – “Beira do Mar” (com Luli) (30)
38 – Kamau – “Aparte” (Avulso #06) (31)
39 – Marissol Mwaba – “Parece Azul” (32)
40 – St. Aldo – “Curly Mind” (33)
41 – ÀVUÀ – “Famoso Amor” (35)
42 – Glue Trip – “Marcos Valle” (36)
43 – Juçara Marçal – “Odumbiodé” (39)
44 – Mulamba – “Barriga de Peixe” (com Kaê Guajajara) (40)
45 – MC Tha – “São Jorge” (com Comunidade Jongo Dito Ribeiro e Sueide Kintê) (41)
46 – Alaíde Costa – “Aurorear” (44)
47 – Sérgio Wong – “Filme” (47)
48 – Saskia – “Quarta Obra” (48)
49 – Radio Diaspora – “Ori” (49)
50 – Luneta Mágica – “Além das Fronteiras” (50) 


* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o rapper Marcelo D2, da banda Planet Hemp.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.