A semana é quase toda do rap por aqui. Bons lançamentos de Rico Dalasam, Rodrigo Ogi e Kamau – três pesos-pesados do gênero – dominaram nossos ouvidos por estes dias. Mas teve tempo para a bela voz de Marissol Mwaba, que chega com tudo agora no casting da Lab Fantasma, e uma delicada canção que vai estar no próximo do Vanguart.
Rico Dalasam usa sua escrita como diário. Em cada álbum, em cada fase, conta um pouco da sua vida. No conciso “Fim das Tentativas”, ele completa o ciclo iniciado no ótimo “Dolores Dala Guardião do Alívio” (2021), uma jornada sobre sua relação com o amor. Das dores internas até dores externas. Afinal, racismo, capitalismo, Brasil, quanto isso mexe com os sentimentos e as relações? Nessa pesquisa, Rico encontrou também uma conexão maior com seu público, que cresceu e ficou mais apaixonado. Os versos viraram tatuagens, justo versos dele que nem tatuagem tem, como faz questão de lembrar em “Ando Me Perguntando”. “Fim das Tentativas” é um disco curto, mas de profundidade rara – tem verso livre e tem verso recitado, tem música que faz chorar e música para rir e tirar uma onda. Tem pop, rap, tem uma que poderia ser um pagode. “Fim das Tentativas” virá acompanhado de shows, dos encontros de Rico com os fãs, ao mesmo tempo que ele anuncia que vai dar um tempo na sua escrita diária, quer achar arte em outros cantos antes de voltar a escrever música. Quer retomar um disco que pausou em 2018 e ficou no arquivo. Não dá para não dizer que a gente já fica ansioso pelos próximos passos.
O Vanguart prepara o sucessor do álbum “Intervenção Lunar”, lançado no ano passado. Aliás, sucessor é a palavra errada. “Oceano Rubi” é mais um irmão. Foi gravado nas mesmas sessões pandêmicas, mas ficou guardado para agora – como um segundo ato, a tendência do momento, pelo visto. Seu primeiro single, este aqui, é uma delicada letra de Hélio Flanders sobre alguém que se apaixona ao mesmo tempo que começa a lidar com as consequências do Alzheimer. “Acho bonito pensar que o amor pode ajudar em alguns processos difíceis. O refrão é repetido várias vezes no fim da música como se fosse o personagem lutando para não esquecer aquele amor, que, de fato, não será esquecido”, comenta Flanders, que acrescenta: “Tentei, dentro do possível, jogar luz sobre a causa tentando enxergar possibilidades de dignidade ou esperança”.
“Beira do Mar” é uma das joias espalhadas pelo excelente “Mestiço”, novo álbum de Nobat. A música é um samba lento, bem à moda antiga, um balanço leve, de beira do mar mesmo. Guardar um Brasil, sem dúvida, algo que está na intenção do cantor, que escreveu: “Fiz esse disco pAra salvar pAra mim o Brasil que amo, um Brasil que poderia ter sido, talvez possa a vir a ser, mas nunca foi, de fato, até então. (…) que entende as reparações históricas que precisamos fazer para que possamos dar um passo rumo à qualquer chance minimamente digna de sermos um povo”. O feat é de responsa e de casa: Luli é a esposa de Nobat.
Devagar, devagarinho, a seu modo o rapper Kamau, um dos nomes mais brilhantes do rap nacional, monta uma coleção de belos singles na série “Avulso”. Na sexta música dessa seleção de faixas soltas, o acerto vem na produção com muito esmero de Parteum e na reflexão de Kamau sobre os duros tempos para a arte e para o artista, quase relegados como acessório de uma venda. Kamau impõe seu limite: “É meu ganha pão, mas nem por isso eu faço qualquer negócio/ Faço o que eu quero e gosto, no tempo que eu quero e posso”. Mais que um fã de Racionais, testemunha da história do maior grupo da música brasileira, Kamau ecoa a clássica “minha cota eu quero em dólar” ao versar: “Escambo pelo justo e minha cota quero em vida e é isso”.
Não estamos cobrando, imagina, mas cadê o disco do Rodrigo Ogi produzido pelo Kiko Dinucci? Deve ter dois anos que de tempos em tempos a gente para e se pergunta por esse trabalho que promete fazer história. Enquanto o álbum não chega, dá para matar saudade do flow único e das construções primorosas de Ogi neste verso livre que ele fez para a turma do Jardim do Flow. Fino.
Marissol Mwaba, que já tem dois discos e colou no programa global “The Voice”, vem na manha dando uma repaginada na carreira em termos de visual e som – sai um pouco de cena o violão e a voz, entram os beats. Seu novo EP, “NDEKE”, marca essa virada e também é sua estreia como integrante do casting da Laboratório Fantasma, da família Emicida. E ela entra com este single que tem na produção Fabio Smeili e Iuri Rio Branco – Iuri que produziu a bombada estreia de Marina Sena, “De Primeira”. Dona de uma voz única, Marissol, que já estudou astrofísica em Paris, comenta sobre o som: “Representa um momento muito importante de transição do ser mental para o ser que também vivencia a existência no tato”. Hit.
Sucessor de “Mansa Fúria” (2018), o novo álbum da baiana Josyara vai refletir o impacto da pandemia e da atual crise política social na vida da artista. Seu primeiro single, “ladoAlado”, já fala um tanto sobre isso. Repare no questionamento dos versos: “Quem sustentará o meu sofrimento?/ Quem se importará com a minha dor?/ Quem suportará quem eu sou?/ Quem tá lado a lado?”. Questões que ganham amplitude na participação especial de Margareth Menezes, uma das maiores vozes da Bahia e que tanto já teve esse reconhecimento diminuído por conta do racismo. Na faixa, Josyara cuidou de quase tudo. É dela a produção musical, a base, o arranjo, a voz e o violão. E que voz (!!!) e que violão (!!!), sempre percussivo, marcante, com a assinatura muito particular que Josyara apresenta. Prepara para mexer na sua lista de álbuns favoritos do ano, ela tá chegando forte.
Ainda andando por Salvador, embora a banda esteja atualmente mais Sudeste e tenha gravado seu novo disco em Minas Gerais, os meninos da Maglore chegam com mais um single para “V”, primeiro álbum de inéditas da banda desde “Todas as Bandeiras” (2017). Como o tempo anda passando rápido, né? “Vira-Lata” é composição do baixista Lucas e é “uma música sobre fim de relacionamento”, nas palavras diretas da banda. De maneira semelhante com as outras músicas apresentadas até aqui, há fortes elementos dos anos 1970 na sonoridade. O violão de “Vira-Lata” caberia fácil no “Cluba Da Esquina” (1972), sem exagero.
Giovanna Moraes, a caminho de mais um álbum (sai em setembro), está mais roqueira do que nunca em um forte single que tem inspirações em bandas que sabiam (ou sabem) pesar a mão – sejam internacionais, como o Rage Against The Machine, sejam brasileiras, como a nossa querida Far from Alaska. Entre o português e o inglês, o recado é claro: “Prazer, mas no é no”. Aliás, é interessante perceber que Giovanna, uma das autoras com personalidade mais forte da CENA brasileira e que sempre conduziu seu som para onde quis, na verdade agora está sendo conduzida ou se deixando conduzir por esse som, no caso de um rock cheio de pegada. Estamos curiosos com o álbum.
Aldo, The Band, que virou Aldo em um momento, agora é St. Aldo. A homenagem ao tio dos irmãos André Faria e Murilo Faria mudou após seu falecimento, por conta da Covid-19. Com o novo nome, a banda se deslocou para São Paulo novamente. “Esther Building”, é o novo álbum que marca essa mudança após uma curta aventura inglesa não bem resolvida. Em São Paulo, presos pela pandemia, no centro da cidade, perto da praça da República, justamente no edifício Esther, os dois mergulharam na criação de músicas que visitam a cidade e seus personagens. “Curly Mind”, que tem inspiração em Flying Lotus, por exemplo, é sobre uma amiga dos irmãos na cena alternativa dos anos 90 e que eles nunca mais viram. Aldo, ou o St. Aldo, não costuma falhar.
11 – Geraldo Azevedo e Chico César – “Dia Branco” (5)
12 – Filarmônica de Pasárgada – “Nomes de Rua” (com Tom Zé) (6)
13 – Tatá Aeroplano – “Na Beleza da Vida” (7)
14 – Irmão Victor – “Amarrado no Pulso do Cão” (8)
15 – Guizado – “Brain Dance” (9)
16 – Salma e Mac – “Sobremesa” (10)
17 – Adriano Cintra – “O Palhaço” (11)
18 – ÀVUÀ – “Famoso Amor” (12)
19 – Ombu – “Reclama” (13)
20 – Maurício Pereira – “Um Dia Útil” (14)
21 – Ella from the Sea – “I Reach You” (15)
22 – Glue Trip – “Marcos Valle” (16)
23 – Rodrigo Campos, Juçara Marçal e Gui Amabis – “Sé” (18)
24 – Bruno Berle – “Até Meu Violão” (19)
25 – ROHMA – “Kobra (com Letrux)” (20)
26 – Índio da Cuíca – “Malandro Sempre Será / Miudinho de Malandro (Pout-pourri da Malandragem)” (21)
27 – Gorduratrans – “Arão” (22)
28 – Juçara Marçal – “Odumbiodé” (24)
29 – Tom Zé – “Hy-Brasil Terra Sem Mal” (25)
30 – Sessa – “Canção da Cura” (26)
31 – Mulamba – “Barriga de Peixe” (com Kaê Guajajara) (27)
32 – MC Tha – “São Jorge” (com Comunidade Jongo Dito Ribeiro e Sueide Kintê) (29)
33 – Chico Buarque – “Que Tal Um Samba?” (part. Hamilton De Holanda) (31)
34 – Tim Bernardes – “Última Vez” (32)
35 – Letieres Leite & Orquestra Rumpilezz – “Coisa n°5 – Nanã” (com Caetano Veloso) (33)
36 – AIYÉ – “Exu” (34)
37 – Jair Naves – “Meu Calabouço (Tão Precioso É o Novo Dia)” (35)
38 – Moons – “Best Kept Secret” (36)
39 – Alaíde Costa – “Aurorear” (38)
40 – Bruno Capinam – “Ode ao Povo Brasileiro” (39)
41 – Criolo – “Ogum Ogum” (com Mayra Andrade) (41)
42 – Thiago Jamelão – “Diálogo sobre Vivência” (42)
43 – N.I.N.A. – “Anna” (43)
44 – Saskia – “Quarta Obra” (44)
45 – Rashid – “Pílula Vermelha, Pílula Azul” (45)
46 – Sérgio Wong – “Filme” (46)
47 – Radio Diaspora – “Ori” (47)
48 – LAZÚLI – “Pomba Gira” (48)
49 – Valciãn Calixto – “Aquele Frejo” (49)
50 – Luneta Mágica – “Além das Fronteiras” (50)
* Entre parênteses está a colocação da música na semana anterior. Ou aviso de nova entrada no Top 50.
** Na vinheta do Top 50, o cantor e rapper paulista Rico Dalasam.
*** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.
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