Top 10 Gringo – Sharon Van Etten e sua banda. Squid e seus vários cenários. Destroyer e sua animação

As músicas deste Top 10 vão de temas apaixonados até futuros distópicos onde a carne humana começa a ser vendida em mercados. É. Tem um pouco de tudo mesmo por aqui. Bandas novas se firmando, caso do Squid, e galera veterana trabalhando, caso de Bob Mould, Jarvis Cocker e PJ Harvey. Ou até gente recomeçando, caso da Sharon Van Etten, que inventou uma banda e agora parece que é outra artista, até. Em suma, muita coisa boa para escutar. 

Em uma entrevista para o jornal inglês “The Independent”, Sharon Van Etten questiona se as pessoas vão tirar sarro de ela ter começado uma banda aos 40 anos. Imagina só. O que a gente gostaria de dizer para a Sharon é que ela nunca soou tão bem! Ao migrar seus companheiros de banda Jorge Balbi (bateria), Devra Hoff (baixo) e Teeny Lieberdson (piano e sintetizadores) de mero músicos contratados para a posição de força criativa, Sharon provoca uma das maiores mudanças de sonoridade em sua carreira. Sinal de que a democracia às vezes funciona. No álbum, todas as ideias sempre maravilhosas de Sharon soam mais frescas, maiores e barulhentas. É como se tirassem um peso de suas costas, e ela passa a se divertir mais no processo. Só ouvir a rasgada “Indio” para entender. Ela, que é norte-americana, optou por gravar em Londres justamente para pegar algo desse ar que tantas bandas pós-punk respiraram. Funcionou.

O que acontece quando uma banda de pós-punk flerta com a música progressiva? “Cowards”, do quinteto inglês Squid, é a resposta em disco. Estamos falando de um álbum que tem até música divida em duas partes! Mas repare em “Crispy Skin”, a faixa que abre trabalho e a que destacamos agora, composta por seis minutos de muitos e muitos cenários musicais – começa em um tema quase infantil e vai ficando sombria à beça. Isso se explica muito na figura de Ollie Judge, vocalista e bateria do Squid. É um cara que tem uma tatuagem de “Twin Peaks”, é apaixonado pela Kim Deal, mas seu primeiro álbum da vida é “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not” – três informações que desvendam sua personalidade e sua idade. Obcecado por ficção científica, ele gosta de forçar a mão, deixando a realidade para a vida real – ele conta em entrevista que é só uma pessoa normal, vê televisão e cozinha. É nas letras que ele pode imaginar futuros distópicos, parecidos com o de “Saboroso Cadáver” da escritora argentina Agustina Bazterrica, inspiração de “Crispy Skin” – um livro tão importante que estava à venda até na lojinha virtual da banda. Na trama da obra inspiradora, a carne dos animais se torna mortal aos humanos e a solução é a liberação da criação de humanos para o abate. Ficava mais sombrio, nós avisamos. 

Já repararam o quanto o Destroyer, o grupo canadense liderado por Dan Bejar, sempre soou um pouco como o Pet Shop Boys? A gente sacou só agora. Especialmente quando o canto se aproxima da fala. E essa conexão nunca fez tanto sentido quanto em “Hydroplaning Off the Edge of the World”, animado single de “Dan’s Boogie”, álbum previsto para março. Não lembramos de um Destroyer tão empolgadinho quanto esse. Animou.

Um Bob Mould em plena forma aparece em “Neanderthal”, segundo single do seu próximo álbum, “Here We Go Crazy” – será seu 15° trabalho solo! Veloz e curtinha, a faixa fala sobre uma criança nascida em um lugar difícil, de muito confronto e pouco carinho. Uma história sobre violência. Olha, a dinâmica não fica devendo em nada aos tempos da grandessíssima banda dele, a Hüsker Dü.

O som da banda indie americana Rocket parece ser a resposta à pergunta: como soaria o Foo Fighters se eles tivessem ido menos rumo aos estádios e mais rumo aos pequenos clubes? O riff arrastado é grunge, mas o apelo pop vem de outras referências. Eles ouviram o emo moderninho, com certeza curtiram Paramore quando eram mais novinhos e talvez ainda tenham vergonha de admitir. Desi Scaglione, guitarrista da banda, sugere outro caminho, ao confessar que a música é fortemente inspirada em outras duas canções bem diferentes entre si: “Come in Alone”, do My Blood Valentine, e “Shiny Happy People”, do REM. Gostamos bem. 

Vamos combinar que “California Dreamin” do The Mamas and The Papas, é considerada uma das melhores músicas de todos os tempos, certo? Vamos combinar também que Jarvis Cocker, o líder do Pulp, é um dos maiores frontmans de todos os tempos, OK? Ou seja, temos aqui a combinação perfeita. Ainda mais porque Jarvis escolheu gravar a música da forma mais despretensiosa possível – o violão soa superdesafinado e tudo. A música está na coletânea “Los Angeles Rising”, que levanta fundos para ajudar na reconstrução da cidade californiana após os incêndios. No Bandcamp.

Outra música presente na coletânea “Los Angeles Rising” é a inédita “The Red River”, da britânica PJ Harvey. Ela doou a música inédita ao projeto. E que presente. A faixa de poucos versos, onde apenas um piano e cordas acompanham a voz de PJ, é de arrepiar de tão linda. A letra fala sobre ouvir as vozes do passado que estão em um rio – o vermelho do rio provavelmente é o sangue derramado em tantas batalhas. Ouvir lições do passado é algo que os Estados Unidos precisam urgentemente mesmo.

“Ohio Players”, lançado em 2024, foi um bom disco do Black Keys, seguido de uma turnê catastrófica, tão mal planejada que acabou cancelada. Em 2025, eles retomam a estrada, incluindo datas no Peru e no México (e nada do Brasil…). A ideia é lançar um disco novo em algum momento do ano. Parece que já tem até título: “No Rain, No Flowers” – um bom comentário sobre ver beleza em tempos fechados. “The Night Before” é o primeiro e delicioso single da nova fase, lembrando os melhores momentos pop de guitarras do Black Keys. A curiosidade é que a faixa é a primeira a trazer um compositor de fora para colaborar com a banda: Daniel Tashian, nomão da música country norte-americana, colaborador de nomes como Kacey Musgraves e Demi Lovato. Curioso.

Não escrevemos errado, “Impossible Germany”, clássico do Wilco, um dia foi chamada de “Improbable Germany”. Tinha outra letra, levada mais folk e não tinha a ideia do solo de guitarra marcante – Nels Cline ainda não era um integrante do Wilco em 2003, data desta demo reveladora feita durante as sessões de “A Ghost Is Born” e lançada só agora na edição de luxo do álbum de 2004. “Impossible Germany” ganharia sua cara final só lá em 2007. Acha que fazer música é fácil? Até o cara sacar que “Impossible” é melhor que “Improbable”…

Na poderosa divulgação de seu próximo álbum, a boygenius Lucy Dacus soltou a apaixonada “Best Guess”, novo single de “Forever Is a Feeling”. A faixa vai direto ao ponto: “Você é meu melhor palpite/ Se eu fosse um jogador, e sou,/ Você seria minha melhor aposta”. As bets chegaram ao amor. Brincadeira… É a Lucy apaixonadinha e deixando a gente apaixonadinho também. O vídeo da música tira uma onda com as propagandas antigas da Calvin Klein e traz amigas estreladas de Lucy, tipo a atriz/modelo Cara Delevigne, a compositora Towa Bird e a Naomi McPherson, do Muna, entre outras.   

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* Na vinheta do Top 10, a grande Sharon Van Etten com a The Attachment Theory.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.