Top 10 Gringo – Fiona Apple em primeiro, óbvio. O mau humor do Pup em segundo. E o Parcels para animar o ranking um pouquinho

Não note nosso atraso com o Top 10. Descobrimos que era preciso esperar um dia por ela e esperamos. Ela quem? Fiona Apple e sua primeira composição inédita em cinco anos! O cálculo funcionou demais. Era primeiro lugar meio garantido viesse o que viesse, afinal é a Fiona. Mas foi melhor. Ela chegou com uma música absurdamente linda e cortante, uma de dar inveja a um Bob Dylan da vida. Não é exagero. 

“Pretrial (Let Her Go Home)” é a primeira música inédita da Fiona Apple em cinco anos. Também é uma canção que revela parte do que Fiona fez nesse meio tempo. A artista se tornou uma ativista atenta ao que rola nos tribunais dos EUA ao virar observadora de julgamentos de custódia para denunciar possíveis abusos e injustiças. Dos diversos tipos de erros e descasos vistos, um dos que mais mexeu com ela foi o das mães negras que ficam presas simplesmente por não terem dinheiro para a fiança até o julgamento definitivo – um exemplo de racismo, desrespeito à presunção de inocência e inconsequência. Ao tirar uma mãe de um lar, geralmente a sustentação da família, não é só ela que sofre. Seus filhos, parentes e a comunidade ao redor começam a ter perdas irreparáveis. Por isso, a música é um motor para divulgar a iniciativa LetHerGoHome.org, onde Fiona reúne mais informações sobre a causa e sobre organizações que juntam fundos para ajudar essas mães. Mas não só isso, lógico. A canção por si só é uma pedrada. Cinco estrofes narrativas sobre todos os dramas que essas mães e seus filhos passam por conta da arbitrariedade jurídica. É uma letra descritiva, real, seca, onde ela desmascara a estupidez desse modus operandi. Toda estrofe volta ao mote simples: “Não deixaram elas irem para casa”. Em alguma medida, lembra as histórias/denúncias de Dylan em faixas como “Hurricane” ou “The Lonesome Death of Hattie Carroll” pela forma e pela revolta. Não é para qualquer um fazer isso bem feito. Fiona consegue, lógico. É das maiores que temos. 

Os canadenses do Pup honram a cartilha de uma banda boa punk: tours intermináveis em vans apertadas (check) – bom/mau humor (check) – estarem sempre a ponto de implodir (check). Sorte nossa o grupo estar inteiro 15 anos depois. Sobrevivem porque já sabem alguns atalhos: “Não nos damos bem enquanto escrevemos um disco, então eu me afasto”, conta o vocalista Stefan Babcock. Ele encarou uma solidão braba na escrita do quinto álbum da banda, “Who Will Look After the Dogs?”. Enquanto os companheiros casavam ou tinham filhos, ele se viu sozinho depois do fim de um longo relacionamento. O tipo de situação que deixou o cara na merda – sim, com o Pup é melhor falar neste termos. O pensamento “quem vai cuidar dos cães” veio daí, dele imaginando quem cuidaria dos seus cães caso morresse ali solitário. Deprê. E toda essa dor, com doses brutais de humor depreciativo, aparecem aqui. Em uma entrevista, Babcock disse que prefere escrever canções do que tratar dos assuntos mais delicados com a família ou amigos. O malestar geral também aparece no disco. Só dar uma olhada na letra de “Hunger for Death”: “E estamos na crista da onda de merda, baby”, ele canta, sem entregar o alvo de sua fúria. “Como você explica toda essa violência que corre por suas veias?”, pergunta o vocalista, de olho no momento em que esse ressentimento todo se volta contra quem propaga ódio. O famoso “amanhã pode ser com você” é recado dado também para os que se calam. 

Gostou de ver o Parcels no Lollapalooza deste ano? Eles gostaram de São Paulo, até fizeram uma session em uma estacionamento com cadeira de plástico de buteco e tudo. Bom, saiba que em setembro teremos novidades dos australianos. É quando eles lançam seu terceiro álbum, “LOVED”. E para celebrar o anúncio soltaram “Yougotmefeeling”, single novo que tem a good vibe característica da banda. Aquele arzinho disco/funkeado reapresentado ao mundo via Daft Punk, farol dos australianos. Não vai mudar o mundo, mas vai te deixar feliz. Então já mudou alguma coisa no mundo, não é? 

 Pelo verso “Tudo acaba antes que eu queira” já dá para entender a lamúria descrita por Matt Berninger em “Inland Ocean”. A letra dá a pinta de descrever um processo de luto ainda na dolorosa fase da negação. O detalhe que deixa tudo mais tenso é o personagem parecer vir já de uma longa depressão: “Causa perdida, não tenho sentimentos”, uma descrição precisa de um dos efeitos mais devastadores da doença.  O single estará no próximo álbum solo de Matt, “Get Sunk”, previsto para o final deste mês. 

Ainda falando em luto, Meg Remy, a canadense dona do U.S Girls, homenageia em “Bookends” seu amigo Riley Gale, vocalista da banda de trash Power Trip, talento que morreu muito jovem. A canção com seus 12 minutos é um longo tratado sobre a morte, mas não como fim, e sim uma transição que iguala todos. É um recado menos presente na letra em si e mais na experiência viajante da canção, que passa do lamento para a celebração na segunda parte. “Scratch”, novo álbum do U.S Girls, chega em junho. 

Em 2023, falamos bastante da Indigo de Souza por aqui por conta do excelente “All of This Will End”, disco onde falou das dores emocionais provocadas pela pandemia. Norte-americana filha de uma brasileira, Indigo mantém a característica de trazer sua vida pessoal para as canções. ““Heartthrob” é sobre abuso, experiência pela qual ela passou na infância/adolescência. “É sobre retomar meu corpo e minha experiência. É um grande foda-se para os abusadores do mundo”, afirma a compositora. “Precipice” será lançado em julho e tem produção de Elliott Kozel, que já trabalhou com o Finneas e com a SZA. Seria a Indigo mais pop e menos indie rock? Esta “Heartthrob” em especial não indica essa mudança exatamente, é esperar. 

Engraçado. Em entrevistas, Sabrina Teitelbaum, a sra. Blondshell, conta que seu segundo disco tem inspirações no peso das guitarras do Queens of the Stone Age. Não encontramos esse peso todo ouvindo “If You Asked for a Picture”, mas achamos coisa muito melhor. A compositora avança nas qualidades de sua estreia. Sua escrita cortante e honesta está lá ampliada por uma sonoridade mais diversa – tem o indie rock do primeiro disco, mas ela visita o country, folk, atenta ao que a canção pede, sem apelar para modismos. Se permite soar fofa ou soturna. Zoa os carinhas bunda-moles (“Não quero ser sua mãe…”) em “Arms” e falar sério sobre TOC, transtorno mental que ela tem, em faixas como “Thumbtack” e “Toy”. Tem um peso e uma responsa aí que guitarra pesada sozinha não dá conta. Mérito da Sabrina. 

Andre 3000 não apareceu no Met Gala com um piano nas costas por acaso. Foi um jeitinho esperto de divulgar seu novo EP, “7 Piano Sketches”, que como o nome entrega é um álbum instrumental centrado ao piano. O projeto é antigo, antes de sua pira com a flauta, instrumento-guia do seu primeiro disco solo, “New Blue Sun”. Para o EP, Andre confessou que o título original era “The Best Worst Rap Album in History” – pior por não ter letra, mas o melhor por ser o mais livre possível. Sendo Andre 3000 um dos melhores rappers da história, tranquilo que seu melhor disco de rap não tenha rimas. Ele pode. 

Falamos de Fiona Apple lá no começo e agora queremos falar de uma superfã da Fiona. É a jovem nova-iorquina Leah Nawy, artista que descobrimos meio por acaso lendo o “Village Voice”. Num papo sobre Fiona Apple, ela atribui à ídola uma dica preciosa para ser compositora: “A permissão para deixar a emoção guiar, para contar histórias do jeito que elas precisam ser contadas”. O single  “Mixing Patterns” é prova do aprendizado. 

Não sei se já falamos isso por aqui, mas quem não gostou da virada de chave da banda americana Turnstile do hardocore para sons mais pop vai querer largar de vez a banda quando ouvir os dois novos singles deles… Este “Seein’ Stars/Birds” em especial. A gente continua gostando, tá? 

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* Na vinheta do Top 10, a cantora nova-iorquina Fiona Apple.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.