Um rapper comunista escreve música inspirada em um livro da bíblia, a cantora pop pede um tempo para reflexão e uma banda de rock básico faz canções de 18 minutos. Tudo é possível no Top 10 desta semana, galera.

Não, o rapper billy woods, figuraça da cena de rap underground dos EUA, não fez uma música homenageando o Timão. “Corinthians” é uma referência aos Coríntios, texto bíblico escrito por Paulo para auxiliar os critãos de Corinto, que andavam perdidos. É nesse texto, mais exatamente no capítulo 13, que São Paulo define que sem amor nem toda a sabedoria e fé do mundo seriam capazes de algo. Reconhece de algum lugar essa ideia? Sim, é o capítulo de inspiração de Renato Russo para “Monte Castelo” (“Ainda que eu falasse a língua dos homens…”). billy também se inspira no capítulo 13, mas apela para outro trecho, onde Paulo comenta que pelo espelho vemos apenas um enigma. Afinal, somos a imagem e semelhança do criador, mas o espelho não nos traz uma resposta divina. “Mas então veremos face a face (…) conhecerei como também sou conhecido”, escreve Paulo, considerando a resposta na vida eterna. Até lá, fé, esperança e o amor, especialmente o amor, são a chave de tudo. billy apela para essa metáfora para expressar sua angústia de ser mero espectador de um mundo em crise, de ver pelo espelho apenas uma fração de tudo. A inteligência artificial cansa nossa mente com sua realidade fake, o governo de Trump financia um genocídio em Gaza e o Musk fala em colonizar Marte – imagina se o billy souber o que é ser brasileiro… Só com fé, esperança e amor para segurar o tranco.
Cuidado com o falso cognato. “Sincerely,”, quinto álbum de estúdio da Kali Uchis, quer dizer “Atenciosamente,” e não “Sinceramente,”. Para quem é do tempo da carta (ou do e-mail bem escrito), era assim que as pessoas encerravam suas mensagens. Ou seja, aquela metáfora que tal disco é uma carta para alguém realmente foi seguida pela cantora chic americana. E o recado aqui parece ser “Calma, bebê”, sendo seu trabalho mais contemplativo até aqui. Ninguém sabe o que mudou na vida dela, mas podemos imaginar. Quem viu seu show no Brasil anos atrás notou o cansaço estampado de uma vida atribulada – talvez, Kali tenha ido buscar mais paz e pelo visto encontrou. É tudo tão calmo aqui que ela até cita um verso de “How Insentive”, a versão em inglês de “Insensatez”, do Tom Jobim. Cool.
Falando em segurar a onda, a jovem britânica PinkPantheress, dona de dois discos sensação, “To Hell with It” e “Heaven Knows”, optou ano passado em cancelar sua tour, onde abriria shows enormes de Olivia Rodrigo e Coldplay. Com 23 anos, ela já é de uma geração consciente de que cuidar da saúde talvez seja melhor que se matar de trabalhar. E isso não significa deixar de trabalhar. Em casa, ela começou o próximo disco, “Fancy That”, praticamente sozinha. E entre samples escolhidos de Panic at the Disco até The Streets, passando por Basement Jaxx, seus mentores, ela segue com um pop bem ao seu jeito. Pop sim, mas esquisito. Tímida sim, mas querendo soar grandiosa. Tipo, “Romeo”, esta aqui, bem que poderia ganhar uma versão da Lady Gaga, sabe?
“Equus Caballus” é o segundo álbum do trio canadense Men I Trust em 2025 e faz par com seu irmão “Equus Asinus”, lançado em março. Na busca pelo dream pop perfeito, Jessy Caron, Dragos Chiriac e Emmanuelle Proulx seguem fazendo suas músicas calminhas e minimalistas, sempre ao redor de uma melodia mínima que seja irresistível aos ouvidos. Avessos a deixarem a banda maior do que deveria ser, continuam sendo independentes mesmo com toda fama. Eles também não gostam de dar muitas entrevistas. Mas a alegação dada para os dois discos é simples: canções que “valiam a pena”, mas com energias distintas. “Equus Caballus” é ligeiramente mais solar em uma primeira audição, mas será? É ouvir e ouvir para pegar os detalhes.
Erika, artista dinamarquesa chiquérrima, segue no que chamamos por aqui da busca pelo R&B perfeito. Seu novo álbum, “Lifetime”, lançado de surpresa, é muito isso e em uma jornada muito pessoal e curiosa – ela produziu sozinha, voltou a lançar de forma independente e inicialmente soltou o disco em uma edição limitada de 50 fitas K7. A intenção do álbum está nisso. No Instagram, ela se limitou a postar uma foto sua ouvindo o disco no próprio walkman, sugerindo esse tipo de dedicação dos fãs. Escutar suas músicas novas com a atenção de quem só tem aquela fitinha disponível por meses até juntar mais um dinheiro. Quem viveu sabe.
Falar que o grupo indie americano Car Seat Headrest faz em “The Scholars” um disco lotado de personagens, perspectivas e músicas que ultrapassam oito minutos – uma delas tem graciosos 18 min – em um disco conceitual talvez afaste alguns ouvintes. Azar deles. Porque tudo isso é detalhe. As músicas da banda são daquelas que falam com a gente sem você precisar entender uma palavra de inglês. Se elas têm oito, dez ou 20 minutos, tudo bem, é só mais tempo para eles enfiarem ganchos irresistíveis, bons refrões e tudo mais. Porque tem esse capricho: as músicas são longas, mas respeitam o formatinho de canção. Em suma, são um monte de tracks pop empilhadas – quanto mais melhor. E Will Toledo, líder da banda, concorda com a gente. “Queríamos que a música falasse por si”, disse à “Billboard” americana, afirmando que curte álbuns conceituais que funcionam mesmo que o fã não saiba disso. Deu certo, Will.
Tem vezes que a minibio de alguém pode ser mesmo sua melhor descrição. A de Jensen McRae explica muito do seu humor: “Uma casa abaixo da ‘garota do lado’”. Mais? Ela viralizou com uma bem sacada paródia de Phoebe Bridgers e teve como prêmio ser contratada pelo selo da Phoebe. “I Don’t Know How But They Found Me!”, seu segundo álbum, mantém essa linha sincerona/bem-humorada de ser em canções de um folk pop que caberia em um disco da Taylor Swift. “Massachusetts”, por exemplo, é sobre um ex que fez história, digamos. Aô, sofrência.
Um dos discos do ano é “Perverts”, da peculiaríssima cantora e produtora americana Ethel Cain, álbum dedicado “à música drone natural que existe em todos os lugares deste mundo, em caixas de transformadores e linhas de energia na beira da rodovia, na estática do rádio de uma frequência AM vazia, no meu computador quando o projeto do Ableton sobrecarrega a CPU e o barulho distante da interestadual”. Uma atmosfera parecida acontece em “From Where You Came”, da canadense Kara-Lis Coverdale. Apertar o play no disco é dar de cara com uma revelação, uma música misteriosa que corre pelo mundo – nosso subconsciente parece invadido, encaramos algo que todos conhecem de alguma forma, mas era inédito até aqui. Com formação acadêmica, Kara-Lis é muito interessada em romper qualquer formalismo, em tirar as fronteiras do mapa musical. Música eletrônica, acústica, experimental, clássica, tudo vira uma coisa única em suas mãos.
Os lançamentos grandiosos de um disco do Arcade Fire ficaram no passado. Mesmo que a banda tenha estreado “Pink Elephant” no palco do programan “Saturday Night Live”, talvez o espaço televisivo que mais respeite a banda, você ouviu algum amigo seu comentando com empolgação a novidade? Reflexo de duas coisas: à treta sexual envolvendo Win Butler e o esgotamento criativo já esboçado nos álbum anteriores, “Everthing Now” (2017) e “We” (2022). Dito isso, “Pink Elephant” exatamente é ruim? Não parece. É um álbum mais reflexivo, uma banda dialogando entre si entre as cinzas de sua própria catástrofe pública. A sonoridade cai perto dos bons momentos da banda, em especial os três primeiros discos, “Funeral”, “Neon Bible” e “The Suburbs”, talvez tentando reabrir uma conversa com os fãs que se sentiram traídos.
O grande músico americano Moses Sumney vem retomando a carreira musical depois de uma incursão pelo mundo da atuação – ele deu azar de estar na chatíssima “The Idol”, a série sobre os bastidores do mundo musical criada pelo Weeknd. Soltou um EP chamado “Sophcore” no ano passado e agora reaparece em uma parceria simplesmente com Hayley Williams, vocalista do Paramore, compartilhando o vocal e o mesmo corte de cabelo – no caso de Moses, uma charmosa peruca loira. Ficou bom isso.
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* Na vinheta do Top 10, o rapper americano Billy Woods.
** Este ranking é pensado e editado por Lúcio Ribeiro e Vinícius Felix.