Por Pedro Antunes
“Bem-vindos ao primeiro show do Yeah Yeah Yeahs em um clube em São Paulo”, berra ao microfone uma Karen O em estado de graça, para as 1300 pessoas que transformaram o Cine Joia em uma espécie de La Bombonera indie-br na noite da última sexta-feira, 8.
Tal qual o estádio do time argentino Boca Juniors, conhecido pela sensação de proximidade entre os inchas (torcedores) e os jogadores no gramado, o Joia se tornou um caldeirão de gente que certamente já se cruzou em alguma festinha no Baixo Augusta, noites viradas, botecagem vespertinas, loja hipster de roupas, muquifo de discos ou qualquer rolê conectado a este mundo em São Paulo pelos últimos 20 anos.
A sensação era de último capítulo de novela de Manoel Carlos, quando todos se encontram em alguma comunhão, mas escrito por Nick Hornby (de “Alta Fidelidade”) ou ainda Lizzy Goodman (autora do livro “Meet Me in the Bathroom”, justamente responsável por retratar os bastidores daquela cena roqueira de Nova York do começo do século).
Na TV Globo, o encontro de todo o elenco seria motivado pelo casamento de algum dos protagonistas; no Joia, era um tão improvável quanto delicioso encontro com Karen O e seu Yeah Yeah Yeahs. Improvável porque bandas do quilate de Yeah Yeah Yeahs não fazem mais “club shows”.
Faz pouco sentido, financeiramente falando, cruzar oceanos ou os trópicos para ganhar alguns “míseros” milhares de dólares em shows para pouco mais de mil pessoas. Lembre-se de que essa turma está acostumada com cifras que beiram os seis dígitos no cheque.
A escalação repentina para o nababesco The Town, como substituta do Queens of the Stone Age, há poucos dias do festival, com os ditos 80 mil ingressos já vendidos, abriu uma milagrosa brecha no espaço-tempo, portanto.
Por pouco mais de uma hora, a adorável casa de shows da Liberdade se transformou no icônico Irving Plaza, de Nova York. “Sexta-feira com Yeah Yeah Yeahs”, celebrava Karen O, para delírio da turma da plateia que se dividia entre aqueles que bebericavam em garrafinhas de água com ou sem gás, em latas de cerveja ou ainda ainda de copos com drinks vermelhos, a depender dos planos que cada um planejava para depois dali.
O quão histórico era aquele show era palpável – é possível senti-lo por causa da gotinha de suor que escorre pelas costas. Quando isso acontece no Joia, você sabe que algo mágico está acontecendo no palco.
Quase sempre um trio ao vivo, o Yeah Yeah Yeahs fez um show raiz. De comunhão, não de telão. De entrega no palco, não de recursos pirotécnicos. Ninguém precisava voar sobre a plateia já que quem estava no ar era o público, mesmo.
Na contramão da megalomania do showbiz, a banda entregou uma performance de guitarra, voz, bateria. Visceralidade pura, só quebrada quando um balão gigante em formato de olho foi jogado para o público, que o rebateu do jeito que deu, sem grande habilidade, já no terceiro terço da apresentação.
Com um repertório construído ao longo de duas décadas, o YYYs enfileira hinos sacolejantes como “Burning”, “Zero”, “Gold Lion”, “Maps”, “Heads Will Roll” e “Date with the Night”, espalhados em um set dono de uma narrativa bastante coesa. A cada canção, Karen e banda estão mais próximos do público, martelando uma relação de intimidade à cada refrão.
Acompanhada por Nick Zinner (guitarra e teclado) e Brian Chase (bateria), Karen O é uma performer de tirar o fôlego.
A construção musical do YYYs é para o palco. Os refrãos que se repetem, a bateria que maceta os tímpanos e a guitarra tão melódica quanto robótica de Zinner criam uma espécie de dance rock flamejante, com momentos de explosão construídos pacientemente em cada canção, em banho-maria. O riff de guitarra que começa miudinho ganha superpoderes no refrão, catapultado pela voz de Karen O e pelas pancadas das baquetas de Chase.
Inquieta, hipnótica, intensa e inevitável, Karen O instiga o público a dançar com ela como uma instrutora de aula de jump fitness da academia do bairro. Uma vez que se está dentro, sair é um desperdício. O melhor é se jogar e aproveitar a jornada.
Como grande parte das pessoas encontradas no Joia já deixou os 20 e poucos anos para trás (talvez umas duas décadas no passado), o dia seguinte talvez venha acompanhado das dores nas juntas, sintomas comuns a quem experimentou uma brecha no espaço-tempo ou passou 45 minutos saltando inexplicavelmente naquelas minicamas elásticas. E tudo bem!
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* O vídeo acima é de Rodolfo Yuzo e Rafael Andres
** A foto que abre o post é da Julia Magalhães (@jmag.julia)
*** Pedro Antunes pode ser encontrado no arroba @poantunes no Instagram e no X.