Dora Guerra, dona da sempre esperta newsletter Semibreve, juntou dois festivais brasileiros, uma nas MG dela e outro na SP da Popload, para tratar de um assunto que pode ser bem problemático no futuro próximo. Mais focado no último Sensacional!, o festival mineiro que OUSOU ACONTECER. Melhor ela falar o que é preciso ser falado.
Há duas semanas aconteceu, no mesmo dia inclusive, dois festivais nacionais bem relevantes aqui no Sudeste.
Ambos tinham algumas similaridades: além da família Gil no line-up, os dois começaram diurnos, em parques, em bairros de classe média alta (ou alta) em capitais.
Mas a grande semelhança – que valeu este texto – foi um problema que se sobressaiu nesses dois eventos: os shows, especialmente os últimos, tiveram em alguns momentos o volume (notadamente) baixo.
Os festivais eram o Turá, no Ibirapuera, em São Paulo, e o Sensacional!, no Parque Ecológico da Pampulha, em Belo Horizonte.
Eu não sei muito do Turá, além de alguns poucos relatos testemunhais, então vou focar no Sensacional!, que ouvi falar até mais do que esperava.
No caso do evento mineiro, notícias da semana anterior já sugeriam que o festival encontraria problemas: com ação cívil pública pelo Ministério Público de Minas Gerais, promotores afirmavam que a edição de 2022 teria causado muito ruído e transtornos à “casa de repousos para idosos”; sobretudo, em um “horário de descanso da população” (sic).
Essa ação pedia que a edição de 2023 simplesmente não ocorresse. Respondida pela Justiça poucos dias antes do evento, a liminar do MP foi negada, com a justificativa de que a produtora do festival podia provar que, basicamente, tudo estava nos conformes.
Pelo que consegui acompanhar, tava nos conformes mesmo: o Sensacional! foi realizado com um bucado de responsabilidade por parte de sua produtora. E sobre responsabilidade estamos falando não só de cuidado com o parque e tudo o mais, mas até de profissionais com medidores de decibéis presentes para garantir que, após às 19h, o som abaixasse seguindo o limite.
Mas esse limite, quando colocado em prática à risca, se torna um problema: a música simplesmente não soa como deveria, logo nos shows de encerramento – tipo headliners do festival. Cadê o grave batendo?
Essa é uma discussão que vem aumentando desde janeiro: por exemplo, houve no início do ano um sanciona-lei-revoga-lei sobre o volume dos shows na cidade de São Paulo, que alterava o limite de 55 decibéis para 85 em shows e grandes eventos.
Por um lado, há quem argumente que acima de certo número, o som pode acarretar em problemas de saúde; por outro, produtores apontam que, na prática, o limite de 55 decibéis é pouco realista e chega a comprometer a qualidade do show.
Claro que eu não quero me meter em matéria de saúde, que não é a minha área de expertise (ainda que eu sempre seja a favor de um show em alto e bom som). Mas acho que a questão está mais nas entrelinhas: por que o som de um festival, em um final de semana e antes da madrugada, é um incômodo tão grande não para a lei, mas para alguns vizinhos?
Vamos lá: o Sensacional! aconteceu no bairro Bandeirantes. Para bom entendedor, meia descrição basta: um bairro de casas grandes, mansões, até. Uma rápida passeada a caminho do festival escancarava faixas de casas à venda por valores milionários… Esses eram alguns dos vizinhos do festival, cujas casas podiam receber, sim, ecos do som (que foi desligado às 22h em ponto, em um sábado pontual do ano).
Sabendo de tudo isso, torna-se difícil acreditar que os motivos da ação do MPMG sejam somente a presença de lares de repouso para idosos.
Durante o festival, surgiram tweets de um suposto morador que chegou a ameaçar a segurança física dos frequentadores. Para mim, que sou uma mulher simples (só estou aqui para tentar apoiar a música e cultura como posso), todo o processo é frustrante.
Adoro ver o número de festivais nacionais crescendo; artistas rodando o país com novos shows, ressignificando praças, nutrindo o turismo e novas experiências.
Festival é cultura, é encontro, é fomento da economia, é uma das efervescentes potências da música brasileira contemporânea. Feito com responsabilidade – o que vem acontecendo –, festival não faz mal a ninguém. Muito pelo contrário.
Pior: há algo de provinciano em tentar barrar esses eventos (cá entre nós, festivais majoritariamente diurnos, de música nacional, em parques… estamos falando do tipo mais “inocente” dos eventos).
Mas não vamos fingir que não estamos acostumados – essa vontade de abaixar o volume da cultura não começou hoje, nem vai acabar hoje.
Fico triste pela minha cidade e pela eterna luta aumenta-volume-abaixa-volume, que é uma metáfora quase literal para \o que vivemos nos últimos anos.
Você vê a efervescência cultural recente de belo horizonte (que não é lá a cidade mais turística do mundo, mas tem tido novos ares bastante inspiradores) e vê vizinhos revoltados com um festival que movimenta a economia, valoriza um espaço pouco utilizado e se encerra às 22h de um sábado no ano.
O meu problema é imaginar: acho que se ninguém tentasse abaixar o nosso volume e conter os nossos shows, a gente estava indo de vento em popa. Mas, para muita gente, falta imaginação.
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* Dora Guerra aumenta bem o volume em tweets necessários no @goraduerra.