Ludmilla é obviamente a grande artista pop brasileira hoje. O que não é nada óbvio é como ela trilhou esse caminho de “mais uma funkeira” à diva suprema. Dora Guerra, primeiro na ótima newsletter Semibreve e agora nessa extensão que é a Semiload, bota seu olhar esperto na bem construída carreira dessa empresária-que-canta, dessa multiinstrumentista que toca muitas coisas além do palco, também. E aproveita para pedir um ingresso para vê-la de perto mais de perto ainda. Quem nunca?
Passou da hora de falar dela aqui.
Quando uma possível jogada de marketing dá certo para o bem, eu pouco me importo se foi marketing quando Ludmilla ofereceu ingressos de seu show – um dos shows mais concorridos do país – a quem doasse sangue no Rio de Janeiro, promovendo assim a maior doação de sangue em um dia na cidade… Cara, foi nesse acontecimento que algo estalou.
Eu já admirava Ludmilla por mil e um motivos, mas não estamos mais falando de uma artista qualquer. A MC Beyoncé percorreu um longo caminho, claro, não foi de repente. Mas caminhou com tanto cuidado, tanta demanda, tanto nome, que agora dá para afirmar sem medo: ela é o maior ato pop do brasil hoje.
A artista, que fez a percorrida ponte do-funk-pro-pop que dominou o cenário popular desde os anos 2010, deixou há um tempo de fazer o caminho óbvio. Com suas iniciativas marca registrada, Lud se tornou Outro Nível. É uma carreira que não tem igual, com uma proporção que foge às regras clássicas do artista pop. Ou as adapta, pelo menos, a uma realidade muito mais plural.
Pop, funk, pagode, shows grandes, versões no Youtube (o Lud Sessions segue uma tendência à la Tiny Desk, mas também à la poesia acústica). O trato que Ludmilla dá à própria carreira é uma espécie de reinterpretação macro do que o brasileiro vem consumindo.
Ainda que nenhum desses formatos seja novo, a novidade aqui está em tudo estar centralizado em uma só artista – que passeia despreocupadamente por formatos e gêneros musicais sem perder nome ou espetáculo.
O Numanice, por exemplo, se tornou uma turnê de porte internacional, lotando estádios com uma produção de altíssimo nível. E ainda é só, tipo, um projeto paralelo. Imagina ser assim?
É aí que a gente compreende: Ludmilla não é tanto uma artista de singles ou até de álbuns. Ela é artista de projetos. de atitudes, também. É a artista que convida grandes rainhas do funk em vídeo oficial que exalta a cultura da favela; é a que canta, abertamente, sobre a “verdinha” que planta em casa; é a que assume errar politicamente; e, anos depois, é a que busca estudar e se aproxima de uma causa que acredita, sem vergonha de se posicionar. Depois, é Ludmilla que segura na mão de Alcione de frente para milhares de pessoas, numa espécie de homenagem recíproca.
É uma cantora preta, assumidamente bissexual, cujo casamento com uma mulher conseguiu se tornar fato querido e (quase) naturalizado neste nosso Brasil. É a que desbancou atrações espetaculosas, fazendo um show inesquecível no Rock in Rio (aquele festival que era antifunk até outro dia) – hoje, claro, Lud é uma das atrações que os organizadores fazem questão.
“Faz o L!”, gritava ela, em setembro de 2022. L de Ludmilla, claro.
Tudo na trajetória de Ludmilla faz você querer torcer junto – e sentir que há nela uma honestidade valiosa. Mais do que isso: a simbolização genuína (ainda que carioca! kkk) de uma parte importante da nova geração brasileira.
Ela é a diva pop que o brasil merece, justamente porque não há igual em nenhum outro país. Afinal, sem querer comparar – mas já comparando –, a dita “Maior Popstar do Brasil” de hoje nunca parece ter se preocupado em ter esse corpo de carreira nacional. É uma escolha, claro.
E um acerto como o da Ludmilla não é para qualquer um. Mas ao olhar para dentro antes de alçar voos para fora, a artista vem conseguindo se consolidar com um trabalho concreto, sem ter que se ancorar em uma só caixa para o reconhecimento – e, ainda, sem perder identidade.
Ludmilla é o Lud Sessions, é o Numanice, é a MC Beyoncé… Para ela, tudo isso vale. Ela é a nossa cara, porque não para em uma coisa só; mas nos acompanha, sem perder o ritmo ou o fôlego, às vezes dando uns passinhos à frente e esperando a gente chegar lá.
Pior de tudo: Ludmilla é a amiga que a gente quer ter. E acha que tem.
(Dito isso, aceito ingressos para o Numanice Belo Horizonte, no dia 30 de setembro. Quê? Achou que eu era boba?)
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* Dora Guerra leva seus posts polêmicos no Twitter numa nice, no @goraduerra.