Semiload – Ainda o Lollapalooza. E como o festival escancara um novo jeito de se ver um show

Queria falar sobre umas das várias reflexões que trouxe esse eventoso Lollapalooza, que aconteceu no último final de semana em São Paulo. Teve gente falando que tinha um possível playback no show da Billie Eilish (até onde consegui ver e documentar, não reparei em nada disso). Aí, no meu Twitter, alguém se disse estarrecido por não ver uma reação negativa ao tal playback, por entender que os fãs hoje não se importam com a música ser tocada ao vivo ou a qualidade com que isso é feito. Mentira, eu acho, mas tá bom.

Aí veio outra pessoa (eu devia ter tirado prints para dar nomes aos bois, mas perdi onde foi a discussão) e afirmou o seguinte: nas gerações anteriores, artistas eram valorizados pelo seu virtuosismo – a banda de rock, pelo mais difícil solo de guitarra –, e hoje são valorizados pela personalidade, por idolatria, por quem eles são em cima do palco; não o que são capazes de tocar ao vivo.

Já este último pensamento eu concordei. Muito é dito para afirmar, naquele susto geracional, que os novos formatos, artistas e performances são inválidos. Que o bom era a época sem celulares nos shows, que eles não iam parar no TikTok, que a virtuose era explícita e antieletrônica e por aí vai.

Às vezes até a gente cai nesses discursos: nestes dias mesmo fiz o papo pró-celular em shows com um amigo não muito mais velho, defendendo a necessidade de pessoas baixinhas (como eu) de até enxergar melhor o que acontece… E a necessidade de todos de, poxa vida, registrar um pouco do que se vê ali. 

O fato é que o show não é só mais o que acontece no palco: ele é a pessoa ali presente, é o que você vê em casa, revê no celular, ouve histórias sobre. É um crime se adaptar para essas mil variáveis, entender seus diversos públicos? Cito o show da Rosalía, que controlou as imagens transmitidas para o público em um concerto que se apresentava tanto para os presentes quanto para os que a viam de longe.

E, se você tem diversos públicos para atender em múltiplos formatos, faz sentido responder a eles com uma afirmação de si enquanto artista, mestre de cerimônia, não necessariamente enquanto só musicista.

Essa nova dimensão existe desde que os vídeos musicais são uma instituição – e, agora, só se potencializou. É o visual, o porte do artista, o manejo das imagens, a música nova ali tocada pela primeira vez e que, claro, vai repercutir para além do presencial.

Chamar esses elementos todos de possíveis distrações “do que é o ponto verdadeiro, a música” é um pensamento praticamente arcaico e não se sustenta. Se você já viu um vídeo na vida, já derruba esse argumento imediatamente. 

Ok, mas os sustos e questionamentos são válidos? Claro! Na medida em que as nossas dinâmicas são constantemente tensionadas pelo novo do novo do novo, a gente tende a se assustar. Normal.

Normal sentir falta do não-playback, das telas horizontais ou dos tempos mais simples, sem celulares em shows. Mas o novo momento é este – viver o momento – por outras perspectivas difusas e frenéticas. Tudo bem. E tudo bem se assustar, também.

Eu tendo a acreditar que um excelente show, como os de Billie e Rosalía, que tiveram lá ocasionais críticas, é lido assim mesmo pela maioria: como um excelente show. Se na comunicação o importante é que o emissor comunique e o receptor receba com o menor ruído possível, penso desse jeito simplista mesmo – em sua performance, o importante é o artista se apresentar e o público curtir, com o menor ruído possível.

Pergunte à maioria de quem esteve nas citadas apresentações e ela te responderá com entusiasmo. Essa foi o moral que o Chris Martin me ensinou, pelo menos, ao convidar o jornalista e youtuber Régis Tadeu para ver seu show – e dizer subliminarmente que a opinião dele não importaria, perto dos outros milhares de fãs ali encantados com o espetáculo.

Não é o Régis que vai conseguir afirmar, naquela multidão, que não se trata de um bom show. Pirotécnico demais? Talvez. Mas se 50 mil pessoas saem de lá comovidas, não há muito o que dizer. As coisas nem estão mudando tão rapidamente assim – não subiu um ChatGPT no palco ainda, então dá tempo de acompanhar. É possível ver que as mudanças fazem sentido, que os ótimos shows seguem ótimos e que o celular, que está aí já há algum tempo, não acabou com a música. (Mas vale dizer que ainda sou contra playback.)
 
OK, boomer?

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* A Semiload é uma parceria da Popload com a ótima newsletter musical Semibreve, de Dora Guerra, nossa colaboradora tanto aqui no site quanto no Popcast. Você acha ainda a Dora no Twitter, falando poucas e boas, na @goraduerra.