* Lá vem a Dora Guerra meter sua cumbuquinha jovem nesse vespeiro eterno que é tentar entender o que significa ser indie… A segunda questão mais importante da humanidade, depois de “qual é o sentido da vida?”. A autora da newsletter linda Semibreve, que inspirou essa parceria com a Popload chamada, tchanãn, SEMILOAD, tenta desvendar a confusão conceitual do que é indie hoje em dia. Se é que seja mesmo alguma coisa, ainda.
No mínimo, joga um olhar 2021 nessa questão que existe desde que inventaram a tal “parada de discos independentes” na Inglaterra dos anos 80. E a partir daí fez-se a confusão. Desde lá, toda década, alguém puxa uma revisão interpretativa nada conclusiva do que é ser indie. Questão que talvez tenha tido seu alge numa famoooooosa reportagem na “Veja São Paulo” de 2003. Que ano após ano ressurge na internet como meme. Você deve conhecer.
O que a Dora faz agora é só botar uma lenha novinha nessa fogueira das vaidades. NÉ, DORA?
Antes de começar a ler o que a Dora tem para dizer, responde rápido: Lana Del Rey é indie?
Se você pesquisar “como saber se você é indie” no Google, vai achar a seguinte resposta: “o principal jeito de você descobrir se você é um indie é olhar para o que você escuta. Bandas que não lançam discos por grandes gravadoras e fazem rock de garagem de sonoridade crua. Quanto menos conhecidas, melhor. Todo indie adoraria que as suas bandas ficassem desconhecidas para todo o sempre”.
Por mais cômico que isso soe, eu – e aposto que você também – já levei a coisa bem a sério. Lá na minha adolescência dos anos 2000, achava que Strokes e Arctic Monkeys eram realmente alternativos para a bolha em que eu vivia – e ostentava esse mantra com orgulho, como se isso me diferenciasse de todos. Assim, meu gosto musical foi formado com um apego enorme pelo “indie”, as camisetas de banda e tudo que o universo independente (enquanto estética, não necessariamente sem gravadora) envolvia.
Mas, se a música sofreu enormes mudanças nas últimas décadas, o indie não passaria ileso – e não contem pra Dora novinha, mas muito mudou freneticamente nas duas décadas desde “Is This It”.
“Bandas que não lançam discos por grandes gravadoras” é o que diz a primeira parte. É daí que a ideia de indie vem – o independente, certo? Bom, por esse critério o negócio já bagunça bem. Quando a gente chega no “rock de garagem de sonoridade crua”, aí complica mais ainda. E no caso do “quanto menos conhecida, melhor”, bom, aí ferrou. Mas será que precisa mesmo ser tudo isso para ser indie?
Tudo bem: para mim, o tal do indie se tornou um estilo musical tocado por jovens estilosos, que não parecem tomar banho com frequência e usam algo similar à Surreal São Paulo. Ainda há os Mac DeMarco, os Terno Rei, os próprios Strokes da vida, que nos norteam melhor sobre a noção que algo desse nicho sobrevive em alguma medida.
Mas o resto é uma bagunça – não necessariamente uma bagunça ruim. É que, hoje, a estética indie orbita muito mais no visual (ou no abstrato) do que no sonoro, se mesclando claramente com o pop como se a distinção entre uma e outra coisa não fosse tão fácil.
Usando as playlists do Spotify como referência (são a nova referência, não?), fui tentar achar um caminho. Acontece que a playlist Indie Brasil mal tem fio sonoro – vai da panela underground de Linn da Quebrada à bossinha nova de Jovem Dionisio, os dois extremos de um espectro que não tem uma linha condutora clara. Tem diversas ocorrências de um eletrônico meio lo-fi bastante contemporâneo e ocasionalmente tem gente feito Gavi, cuja música poderia também constar em uma playlist com os gigantes Melim e Anavitória. Até aqui, são poucos os padrões para além de que todos tocariam (com público variado) em uma mesma casa de shows, certo?
E, afinal, o quão independentes ou alternativos de fato são os netos e filhos de Gilberto Gil, cuja música tende ao sambinha/MPB?
Essa “incoerência” aparece aos montes nas playlists mundiais (ocidentais, né?), cujo critério para indie fica ainda mais tênue. Achar que Lana del Rey é indie já virou uma ideia um pouco ultrapassada – principalmente considerando que a sonoridade dela preparou o terreno para fenômenos como Billie Eilish, uma das maiores artistas pop da atualidade. Com todo o seu repertório no mainstream, Lana (uma artista do tamanho de um quase-headliner do Coachella) ainda pertence à playlist de indie? O Spotify parece achar que sim.
Não só ela, como artistas do hyperpop, R&B, artpop, folk e outras variações encontram abrigo em uma playlist que, na verdade, me parece extremamente diversa. Mas não dá para culpar o Spotify – ele, assim como quem vota no Grammy e coloca Phoebe Bridgers, Fiona Apple e Brittany Howard na categoria de rock, se perdeu em uma infindade musical que cresceu para além desses rótulos.
No meio dessa confusão, não ajuda saber que as bandas naquele formato tradicional – voz, guitarra, baixo, bateria – também são um conceito que vem desaparecendo ou tomando novas formas, com uma fluidez típica dos “novos tempos”. A música é mais feita por um ou outro músico em seu quarto do que por uma galera na garagem, o que também influencia (claro!) no som que a gente recebe.
Afinal, foi literalmente o rock de garagem anos 90 que, em novas misturas e carinha de novo milênio, resultou no indie rock 2000 que cresceu com força em seguida. Agora, com uma cultura eletrônica, individual e introspectiva, nós nos pegamos ouvindo beats feitos por gente que desabafa sobre eles como um post no Tumblr.
E não é só o caso dos novos artistas, como dos já consolidados: vivemos a era de Hayley Williams, não de Paramore.
Sinal dos tempos.
Mas o sumiço do indie-como-o-conhecemos não é só porque este se rendeu a outras influências e mudou de formatos, mas porque o pop também bebeu da fonte do indie como ninguém, se permitindo abrir de verdade; como bem colocado pela Pitchfork em um artigo que sempre me puxa de volta, colaborações feito Beyoncé/James Blake e Kanye West/Bon Iver quebraram a barreira que antes separava os estilos, entre artistas e entre ouvintes. Na medida em que gostar de pop já não é mais um rótulo que condena um fã de música à obscuridade, o indie pode ser pop e o pop, de forma muito bem-vinda, pode ser o que quiser.
(E afinal, o conceito de ambos sempre foi meio abstrato, convenhamos. Se eu entrar no quesito do que caracteriza o pop, aí que você não termina de ler o texto).
O ponto é: os indies (nós?) não são mais uma tribo específica como já foram; na verdade, sinto que o grande apelo do alternativo é, mais do que nunca, ser um farol de para onde vai a música brasileira e mundial – vários caminhos em diversos estilos, que constantemente se atravessam.
Ou seja: às vezes parece que o indie é simplesmente o que pode ser pop muito em breve – basta dar o palco certo.
Então antes que a gente se apresse em enterrá-lo, arrisco dizer que, no necessário, o indie ainda cumpre seu papel. Continua inventivo de alguma forma, alternativo quando precisa ser, mas talvez mais democrático, muitas vezes menos nariz em pé. E, se não existe mais espaço para o indie nichado, a música independente em si segue um universo delicioso a se explorar. Nisso, o tal “indie” não morre tão cedo.
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Joy Division primeiramente, The Smiths depois e…o resto!!!