Nada foi mais falado nos últimos dias (e vai ser nos próximos) que a nova casa de shows revolucionária de Las Vegas, a Sphere, inaugurada sexta-feira passada com um show da volta de ninguém menos que a banda irlandesa U2. Combustão intergaláctica certeira.
Falou-se inicialmente bastante do U2, até. Mas logo viram (“viram” é a palavra perfeita) que o assunto maior na verdade era outro.
E daí, conforme os relatos e principalmente as imagens do U2 na Sphere foram chegando nas redes, foi um pulo para uma galera dizer que “a música acabou, ninguém estava lá pela banda, a música era o que menos interessa”.
Nessas surge quem para pedir um “Calma, lá”? Ela mesma: Dora Guerra, a dona da newsletter Semibreve, aqui transformada em Semiload.
E, claro e como sempre, Dorinha tem um bom ponto sobre toda essa polêmica apocalíptico-musical.
Concorda com ela? Até porque o assunto volta amanhã com certeza, porque tem outro show do U2 na Sphere e precisaremos estar preparados argumentativamente para o Twitter.
por Dora Guerra
E a tal esfera gigantesca em que o u2 tocou, hein? A nova arena em Las Vegas, chamada The Sphere, já bastante falada aqui, é uma construção bilionária. Tem o maior telão de led do mundo e visuais 360 graus. Tem tipo milhares de alto-falantes. É um megazord esquizofrênico surreal.
Há muitas nuances que podem ser levantadas sobre a Sphere. Há questões ambientais, claro. Óbvio, financeiras também. Não é como se a gente precisasse de uma estrutura megalomaníaca 360 graus esférica bilionária com o mundo em colapso. Mas uma questão se sobressaiu no meu twitter (X?), e não era essa acima.
Era: “A MÚSICA ACABOU. NINGUÉM SE IMPORTA MAIS COM O SOM”. (Sempre tem essa, né? Seeeeeempre tem.)
Só que, para mim, essa definitivamente não é uma questão.
Eu evito discursos extremistas de qualquer natureza (nem esquerda, nem direita. Pra frente. Brincadeira!!) quando o assunto é música. Nada é o fim do mundo nem a invenção da roda. E não vai ser uma esfera maluca, com um telão de led gigantesco, com estrutura bilionária dificilmente transportada ou reproduzida em larga escala, que vai enterrar de vez a música – ou revolucioná-la totalmente.
A música já é o espetáculo há muito tempo. Eu acho bom. Acho que recusar isso vem dos mesmos criadores de quem xingou o videoclipe lá nos anos 60, sendo que isso por si só reinventou a indústria – e nos deu algo como Michael Jackson, imagine só.
Música envolve o visual desde que existem os shows com acessórios, telas, projeções. E, para mim, quanto mais imersivo, mais surreal. Quanto mais a música puder te transportar para outro universo, não é bom para todos nós? Sei lá. Me chame de otimista, mas eu gosto dessa música imax 3d blu-ray full power platinum.
E, se a questão – e, de fato, isso é uma questão – é que música se tornou trilha sonora muito mais que protagonista, bom, a tal esfera não é a causadora disso tudo. Os dispositivos móveis começaram essa brincadeira; a internet selou; o capitalismo neoliberal enfeitou e amarrou com um lacinho.
De novo, não é culpa da esfera. Mas convenhamos com todo o meu olhar romântico sobre a coisa: se você olhar por outro ângulo, a música só ganha mais potência ao ganhar mais dimensão.
O espetáculo sempre foi de interesse humano. A gente quer ter os sentidos iludidos, encantados. Quanto mais a gente recebe isso, mais é necessário para nos impressionar. Se há investimento nisso, não é um fato negativo por si só. E as proporções seguem valendo: você não vai esperar do show do seu vizinho a mesma estrutura que o U2 teve.
Aliás, no showzinho local, eu ainda acho sensacional um espetáculo de luzes bem mandado. E acho sensacional também quando o cara se basta na voz e violão. Mas é de se esperar que, mais de dois mil anos depois de Cristo – cujos discípulos com certeza já tocavam “Faroeste Caboclo” no churras –, a gente procure novas formas para a tal de música ao vivo.
Além de tudo, é um processo natural: em um universo musical diariamente mais eletrônico, os elementos que permeiam a música eletrônica tendem a se expandir também. e seja no set do david guetta ou no techno underground da sua cidade, os artistas visuais são uma fração essencial do que rola ali. chamar isso tudo de “enfeite” é desmerecer o fato de que há muitos profissionais visuais e técnicos excelentes, dando seu máximo pra executar algo dessa magnitude. poxa, o trampo deles é legal demais. e sobretudo, trata-se de uma escolha – não é pra impor esse formato aos artistas que preferem fugir da pirotecnia.
“Shows são experiências e a ideia de que todo artista tem que estar no centro de tudo muitas vezes não representa o que o próprio artista quer”, escreveu, sabiamente, o produtor brasileiro Pedro Chediak no Twitter.
(O tweet que ele respondeu não é o motivo da minha crítica, aliás).
E pode parecer que não, mas pirotecnia nenhuma salva um show ruim. Mas pode ajudar a levar um show legal a outro lugar. Taí o Kraftwerk, há muito tempo se baseando em boas soluções visuais.
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* Dora Guerra faz incríveis tweets visuais no @goraduerra.
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