* Agora que você já está superenturmado com a Dora Guerra, autora da incrível newsletter “Semibreve”, vamos deixar de fazer loooooongas introduções aqui para economizar seu tempo e deixar logo a pensadora indie mineira falar. Ou escrever. Mas ela escreve como fala. E fala como escreve. Essa é a beleza da coisa.
Porque vamos, sempre que precisar, lembrar nosso mantra aqui. “A newsletter da Dora tem 1 ano de vida, ela tem 22 e a Popload tem 20”.
A Dora, que já traçou o futuro das guitarras e desconstruiu construtivamente a série de vídeos lindos Tiny Desk Concerts, hoje vai esmiuçar que porra é essa da Taylor Swift lançar 31 músicas em 2020. O que tá acontecendo, Taylor? Quer dizer, Dora!
Quando Taylor Swift – uma artista pop que nunca me convenceu muito – anunciou um disco-surpresa em julho deste ano, com produções e participações dos indie-melancólicos que sempre gostei, eu soube que estava ferrada. E, para felicidade dos meus amigos swifties, eu tive que dar meu braço a torcer mesmo. Duas vezes, ainda.
Desde o primeiro anúncio, era claro que algo tinha mudado. Ao longo de sua carreira, Swift foi crescendo de forma bastante expressiva, se tornando uma personalidade para além de sua música.
E, quanto mais Taylor explodia, mais gigante se tornava sua estética.
Daí, ela se acostumou a acrescentar, acrescentar, aumentar, tocar em estádios, estar em todos os lugares. Foi criando uma sonoridade mais comercial e melodias insistentes. Sempre com um sorrisinho de lado – de quem sente que está do lado certo das brigas.
Com o tempo, ela travou brigas até consigo mesma. Era natural que, como qualquer outro grande popstar, ela sumisse por um tempo para colocar as coisas em ordem. Mas, quando seu comeback veio, com “Lover” (2019), parecia fora de lugar: pop ao extremo na estética, perdido na sonoridade. Apostando ainda nos cenários megalomaníacos de quem tem tudo a seu dispor.
Por isso, um ano depois, ninguém esperava o oposto. De repente, ela correu para a antítese do que vinha construindo para sua carreira: fugindo dos efeitos e da grandiosidade. Acreditando que – à la Eilish – nada vence a cara de quem fez tudo em casa; em 2020, especialmente. E assim, Taylor saiu de uma estética saturadíssima para a minimalista – em todos os sentidos. Se tornando cantora-compositora… e nada mais.
2020 foi seu verdadeiro comeback.
E é isso que Taylor é, quando você tira os enfeites: uma eterna cantora-compositora, desabafando com seu violão no colo (ou o piano na sala). Uma mulher que sofre por amor, que conta casos, que olha pela janela e reflete. Em “Folklore” e “Evermore”, os dois discos deste ano, quase um colado no outro, essa Taylor brilha: a voz ficou suave, acompanhada das fotos em preto-e-branco. É assim – e com a ajudinha do Antonoff, do National e do Bon Iver – que, em uma nova década, Taylor Swift se torna indie/folk. Ou pelo menos uma versão dela disso tudo.
Com timing perfeito: aproveitando a onda de músicas quietinhas, em um ano em que estamos quietinhos. Desenvolvendo uma identidade e um caminho próprios, sem fazer pastiche de uma moda (talvez só ao adotar as minúsculas de repente). E com um olhar atento de quem percebe que tem o cacife para sumir e lançar álbuns de surpresa, como só Beyoncé soube fazer com sucesso.
Mas vale lembrar que ela não é boba. Nunca foi. As escolhas artísticas de Taylor – sonoras, de álbum etc. – jamais são meramente artísticas; ela sempre soube se vender (e o visual de quem faz tudo espontaneamente, da casinha super humilde na beira da praia, é só fachada). Botou a equipe de marketing para trabalhar pra caramba e entendeu, inclusive, que mais um álbum caberia no ano sem necessariamente levar todos à exaustão. Quem pensa nisso?!
Não um deluxe, não um álbum de remixes – um novo álbum. De inéditas. Mas não novo demais. Com “Evermore”, veio a tacada de mestre: um disco que não nos exige encará-lo como uma tela branca, e sim como uma extensão de uma história já apresentada. Com o sabor de frescor suficiente para que você não tenha coragem de ignorá-lo; criando um combo grande o suficiente para que você não tenha coragem de ignorar Taylor Swift. E fazendo até Paul McCartney, nosso senhorzinho preferido, mudar a data de seu disco para não competir com um fandom fervoroso.
Em “Folklore”/”Evermore”, veio uma percepção mercadológica que entende o nosso presente e sabe que, pra digerir um universo, precisamos ir com calma. Só engolimos o “The Gift” quando assistimos “Black Is King”. Só nos demos conta do “AmarElo” totalmente com esse documentário recém-lançado na Netflix. Em uma rotina tão maluca e solitária feito a de 2020, vale adotar o “Folklore” primeiro. E, com calma, abrir as portas para o “Evermore”.
E aí ganhamos Swift com bateria eletrônica; com vocais de Berninger; revisitando Emily Dickinson; e contando seu drama como sua narradora, não mais como sua protagonista. Vai dizer que não foi uma virada e tanto?
É que algo muito interessante acontece quando o pop deixa a pirotecnia de lado. Pela primeira vez na vida, eu estou curiosa para saber aonde vai Taylor Swift depois disso.
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