Rita Lee e a Popload. Nossos últimos recados à Rainha do Rock

E lá se foi a Rita Lee. Por mais que esperávamos uma notícia do tipo, ainda mais com ela por tudo o que passou recentemente, sempre ficamos devastados em saber que uma pessoa dessas, com toda essa sua história, e que de certa forma torta se cruza com um espaço de música como este, não vai mais estar entre nós.

Aí você começa a olhar em retrospectiva para quem ela foi e o que ela fez e o quanto ela mexeu com todo a sua órbita e com a órbita musical brasileira. E o buraco criado pela ausência imediata só aumenta.

É o normal, mas é sempre dureza. Ainda mais quando você vê que do site indiezinho “Brooklyn Vegan” à agência de notícias do mercado econômico americano Nasdaq, muita gente reverberou rapidinho sua morte, todos tipo impactados, tipo chocados. O “Guardian” inglês mandou, no título, “Rita Lee, Brazil’s undisputed Queen of Rock, dies aged 75”. Rainha do Rock sem qualquer tipo de dúvida, para os que manjam de monarquia e de música. Que beleza!

Obviamente, a notícia chocou a Popload. E uma galera daqui imediatamente quis falar de Rita Lee, como se para mandar um último Whatsapp para ela.

Então falemos com Rita e sobre Rita, como se fosse uma necessidade nossa de agora velá-la. De agradecê-la.

É o seguinte, Rita Lee:

Por Vinicius Felix

Alguma coisa aconteceu no coração da música pop brasileira quando Ronnie Von inventou de dar o nome de Os Mutantes para a banda dos colegas Rita, Arnaldo e Sérgio. Big ban(d)g.

Até hoje quem não é brasileiro tenta entender o que rolou ali. A melhor banda de todos os tempos de rock foi nossa, na minha opinião. Valeu, Beatles, pegue esse honroso segundo lugar. 

Só imagino o nervosismo de Gilberto Gil quando teve que ir pedir aos pais de Rita que ela fosse ao Rio para um show – aquele mesmo que colocaria Gil e Caetano na cadeia e depois no exílio.

Ritinha escapou dessa treta, mas não pode evitar, anos depois, ter o coração partido pelos colegas que a expulsaram dos Mutantes. Ela gostava do bom humor e da rebeldia da banda. Eles resolveram ficar tão malucos na música progressiva que ficaram sérios demais. Vacilo.

O machismo tirou Rita dos Mutantes, mas ela pegou seu jipe e não se deu por vencida. A burrada de Sérgio e Arnaldo ali hoje soa como sorte para ela.

Da deprê, Rita ergeu seus feitos solos. Tirou da cartola, para mim, um dos melhores álbuns da história da música brasileira, “Fruto Proibido”.
Daqueles discos raros impecáveis de ponta a ponta.

Pouco depois, quando encontrou o parceiro de vida Roberto de Carvalho foi outra explosão criativa. Começaram a fazer discos e canções que são para todo o sempre. Foi sua fase mais popular na música – aquela de ginásios lotados.

A roqueira, quando isso era coisa de bandido, não aproveitou quando o rock tomou o espaço no mercado fonográfico brasileiro. Ela já era uma gigante do pop aquela altura, outros papos.

Conte aí: “Lança Perfume”, “Baila Comigo”, “Caso Sério”, “Nem Luxo Nem Lixo”, “Mutante”, “Flagra”, “Desculpe o Auê”… 

Onde foi fez ouro. Na televisão, foi praticamente umas das primeiras VJs da MTV no amalucado TVLeeZão. Participou da primeira turma do Saia Justa e até fez algumas novelas. Teve sua fase de rainha do Twitter e até hoje ganha RTs saudosos. Suas peripécias na rede viraram um lindo livro ilustrado pela Laerte.

Anos depois, ela se tornaria best-seller ao colocar no papel suas memórias em uma revisita para lá de sincera sobre o seu passado. Abriu o jogo sobre suas delícias, mas falou sério sobre sua adicção e a barra que enfrentou. 

Tão sagaz que cravou na sua autobiografia que seu epitáfio seria: “Nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”.

Também previu que dariam seu nome a uma rua sem saída. Esse era o humor de Rita. Pois é, Ritinha. Se a sua turma foi difícil, se as rádios custaram a tocar suas músicas, se os colegas e jornalistas nem sempre foram generosos, eu acredito que as novas gerações que não pegaram essa onda errada vão te admirar pelas razões corretas ou as mais incorretas. É caso sério de amor. Porque é a música que sempre fica. 

Hoje brilha a poesia de saber que seu velório será no Planetário do Ibirapuera. Encontraram o espaço adequado para uma galáxia.

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Por Dora Guerra

Rita Lee chegou pra mim já rainha de tudo: a suavidade da voz contrastante com o vermelho do cabelo, a alma roque enrow, a bossa nova misturada com Beatles, a paixão pelo sexo e pela paixão. Artista com “A” maiúsculo. Quando me dei conta de Rita, ela já tinha nome, coroa, legado mutante e sorridente. Mas para eu entendê-la precisei crescer um pouco e pensar nela não só como artista; como mulher.

Rita é uma figura irresistível pra mim nesse sentido – escancara tudo que eu jamais serei, a cara de pau de uma mulher que nunca pediu desculpas. Uma espécie de Fleabag musical original, com uma piscadela subliminar a cada verso.

Entendo que ela tenha inspirado uma leva de artistas. Entendo a vontade de recantar suas canções, de estender seu trabalho para além de hoje, o dia em que a novidade não virá mais de Rita Lee.

Mas ainda não vi quem fosse o que ela foi e é. Talvez esse seja o sentido de genial. Ela não parou no tempo. Não há ainda outra espécie de Rita Lee, mesmo que menor ou só levemente similar.

Para mim, que já recebi Rita rainha de tudo, não é possível destroná-la – só saudar a Ovelha Negra, em luto.

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Por Carolina Andreosi

Rita Lee é parte fundamental da minha formação musical. Por sorte, eu cresci numa casa com muita música e uma das coisas que sempre foram presentes ao longo da minha vida é a cantoria do meu pai e sua coleção de discos e playlists.

O repertório dele é vasto e repleto de clássicos, e nele não podia faltar Rita Lee. Os clássicos são os que mais pegam, e “Papai Me Empresta o Carro” virou uma piada entre nós. Quando eu ligo para pedir seu carro emprestado, ele já canta de volta no telefone, “Papai, me empreste o carro/ Tô precisando dele pra levar minha garota ao cinema.”

Hoje estou no processo de construir minha coleção de discos. Como boa jovem que nasceu depois do auge dos vinis, minha missão é ir atrás dos “obrigatórios” por aí. E o álbum homônimo de Rita Lee foi uma escolha central para compor minha coleção.

A sensação de passear pela Benedito Calixto num sábado de sol e encontrar uma versão boa (e num bom preço) do clássico disco de 1979 foi marcante.

E, ao lembrar de Rita Lee neste momento, não posso deixar de agradecê-la por toda sua arte e como ela inspirou tantos artistas que hoje são alguns dos meus favoritos. Não seria um texto escrito por mim se eu não mencionasse Tim Bernardes, cuja carreira foi tão marcada por sua paixão pelos Mutantes e por Rita Lee. É impossível imaginar Tim Bernardes sem seu clássico pedal fuzz inspirado pela banda em que Rita Lee surgiu. Recentemente o Tim fez um cover lindo de “Modinha” e é com essa música que eu quero me lembrar sempre da nossa Rainha do Rock.

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Por Fernando Scoczynski Filho

Rita Lee foi tão foda que é difícil falar da carreira dela sem cair na hipérbole e sem diminuir os seus contemporâneos nacionais. Aliás, quem foi real contemporâneo de Rita Lee?

No espaço de apenas uma década: o primeiro disco dos Mutantes saiu quando os Beatles ainda existiam; “Fruto Proibido” foi lançado no mesmo ano que “Physical Graffiti”, do Led Zeppelin; e “Mania de Você” competiu na rádio com “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”, do Michael Jackson.

Que outro artista nacional se manteve relevante por tanto tempo, com tantas mudanças e atualizações estéticas? Rita Lee trabalhou para ser a cantora mais icônica da música pop brasileira, e conseguiu.

Para entender melhor, gaste uma horinha do seu dia vendo esse show dela em 1980, onde ela não apenas canta, mas “interpreta” a letra de cada música de uma forma única. 

Jamais desmerecendo a imensa e frutífera carreira solo dela, também destaco aqui uma canção dos Mutantes: “Ave, Lúcifer”, do disco “A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado” (1970). É o ápice absoluto da fusão de sons psicodélicos que marcou os anos 1960.

A letra sombria poderia facilmente transformar a música em uma paródia boba, mas o vocal sutil de Rita Lee deixa tudo no tom certo.

O engraçado é que 99% do “rock satânico” que surgiu de 1970 em diante não consegue nem chegar perto da ameaça de “Ave, Lúcifer”. 

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Por Lúcio Ribeiro

…E fui andando sem pensar em voltar. E sem ligar pro que me aconteceu. Um belo dia vou lhe telefonar. Pra lhe dizer que aquele sonho cresceu.

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* A foto de Rita Lee que ilustra a chamada da home da Popload para este post é da Folhapress.

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