* Nesta sexta agora, amanhã para facilitar, sai outro desses discos bem importantes de 2021. A guitarrista, cantora e mulher poderosa St. Vincent lança seu sexto álbum, o bastante aguardado “Daddy’s Home”, o sucessor do agitadíssimo “Masseduction”, de 2017.
“Daddy’s Home” marca uma nova fase de St. Vincent, nome artístico de Annie Clark, uma mulher de fases, digamos. Vem aí, já vimos até em singles, vídeos, fotos e cartazes de rua, uma nova era visual e sonora dela. A parada é mais intensa: St. Vincent começou a fazer “Daddy’s Home” no final de 2019, época em que seu pai foi solto da cadeia, após nove anos de prisão. Foi ela que foi buscá-lo na saída da penitenciária. E é fácil entender o nome do disco.
Sobre isso tudo, conversamos com a própria St. Vincent, em entrevista a este site, realizada pela poploader Daniela Swidrak. Entrevista esta que você lê abaixo, além de ver o vídeo do single novo dela, “Down”, o terceiro a ser revelado do álbum novo.
Uns meses atrás, quando St. Vincent começou a dar indícios de sua volta, vimos inclusive em São Paulo uns cartazes na rua de uma Annie Clark bem diferente da que testemunhamos no último Lollapalooza, em abril de 2019 (lembra?). Uma mulher de peruca loira, conjuntinho de veludo e um pôster com um quê de publicidade retrô. A mensagem ficou bem clara: uma viagem no tempo. É exatamente isso que podemos esperar de “Daddy’s Home”, sexto álbum da cantora, que sai nesta sexta-feira.
Essa mudança de visual não vem de hoje. Tal qual grandes astros como David Bowie e, mais recente, Lady Gaga, Annie também marcou seus discos e suas “eras”.
Vamos fazer um recap para algumas delas: em “Strange Mercy” (2011), St. Vincent personificou o estilo grunge dos anos 90, influenciada pela sua jornada, produzindo o disco em Seattle, o berço da Sub Pop e da turma do Nirvana. No disco homônimo “St. Vincent” (2014), a artista foi uma espécie de “líder religiosa”, digna de alguma seita, mostrando um pouco de sua incrível bizarrice musical. E, por fim, veio “Masseduction” (2017), quando vimos uma dominatrix num mundo de perfeição, plasticidade e futilidade talvez. Mais uma vez inspirada em seu entorno, na época Los Angeles, pós fim de relacionamento com a então supermodelo Cara Delevingne, ouvimos músicas sobre pílulas, cirurgia plástica e envelhecer em LA (“Los Ageless”), entre outras coisas.
Sobre essa mudança de “personas” é que começo a entrevista. Na época do “Masseduction”, chamava a atenção roupas de látex, cabelo perfeitamente alinhado, botas de cano altíssimo. Mulher poderosíssima sem precisar dizer uma palavra sobre empoderamento feminino. Em 2021, fase “Daddy’s Home”, é quase o oposto. Como funciona exatamente esse processo de mudar completamente de persona, estética?
“Sempre vem da música. É como se ela me passasse um gradiente de cores. Eu gosto de pensar que a música vem em diferentes formas, tamanhos, cores. E isso me faz querer continuar uma narrativa, contar uma história maior. Com este disco a música era basicamente groove, baixos, tinha tudo a ver com o som do começo dos anos 70 e a fusão entre o rock e o soul. E é bem divertido ser alguém completamente diferente a cada três anos. Mas isso não vem do nada. Faz parte do processo e dos diferentes aspectos da nossa personalidade. Em ‘Masseduction’ tudo era super rígido, desde a roupa até comigo mesma. Serviu como um bote salva-vidas para superar um momento difícil, então tudo nessa nova fase é mais leve.”
De fato, no vídeo de “Pay Your Way in Pain” dá para enxergar uma vibe meio Andy Warhol, Bowie em “Young Americans”, Lou Reed… algo mais “sujinho”.
“É isso: sujo. Não é perfeito. Gosto de dizer que é o glamour que resta quando você saiu para o rolê e está há 3 dias fora de casa, o esmalte das unhas já está todo zoado… Eu me inspirei muito em certas heroínas daquela época, como Gena Rowlands em um filme de John Cassavetes, Candy Darling e essas personagens incríveis e poderosas, superglamurosas, mas também fortes e determinadas.”
Rowlands ficou eternizada em seu papel da esposa perfeita e problemática à beira da loucura no clássico “Uma Mulher Sob Influência”, filme de 1974 que foi culturalmente significante à época. Era a personificação de uma mulher submissa fragilizada mental e emocionalmente. Já Candy Darling foi uma atriz transgênero, musa de Andy Warhol e do Velvet Underground.
Pergunto se de alguma forma Candy Darling também a levou a escrever e compor músicas sobre assuntos queer neste novo álbum. Annie Clark é assumidamente bissexual.
“Com certeza! Candy Darling foi uma verdadeira pioneira sobre direitos trans antes que isso se tornasse realmente uma pauta. E a história com ela é que basicamente tenho um amigo que era amigo dela. E existe essa foto dela em sua cama antes de morrer e fico imaginando essa sua essência, indo para um paraíso queer acenando num trem para o centro da cidade. Ela pegando esse último trem para o centro, acenando para a Rainha da Beleza.”
E tudo isso na verdade parece um pouco familiar com o contexto atual. Pensa: a economia era instável, injustiça social, as pessoas tentando “sobreviver”…
“Estamos numa situação parecida com o começo dos anos 70. É como se botássemos abaixo um prédio, mas não tivéssemos certeza do que vamos reconstruir. Estamos brincando nos destroços, com os tijolos e tentando entender o que vamos fazer.”
Voltando ao álbum, “Daddy’s Home”, o título, surgiu de uma experiência pessoal bem peculiar: em 2019 Annie foi buscar seu pai na prisão, depois dele cumprir pena por crime do colarinho branco. Isso aconteceu perto das festas de fim de ano, onde Clark passou um tempo com ele, o que trouxe memórias e, claro, a fez revisitar muitos discos que a inspiraram a criar este novo alter-ego, de garota do papai.
Falar sobre algo tão íntimo como família nem sempre é fácil, inclusive durante vários anos ela sentiu que devia protegê-la, até mesmo para que qualquer assunto relacionado não ofuscasse sua música. Porém, nessa situação, a cantora percebeu que era “uma oportunidade de retratar o fato com um certo humor. Afinal, a vida é longa e as pessoas são complicadas”. Annie inclusive reforça que de forma alguma se sente envergonhada do pai, porque todo mundo comete erros.
“Não me sinto vulnerável. Sou quem sou por causa dessas coisas. Trazer essa história e contextualizar no álbum não é algo que estou fazendo esperando a empatia das pessoas. Simplesmente é.”
A multiinstrumentista cita uma frase de Bruce Springsteen, que diz que todo artista tem uma fase “pai por queeeê?!”. Ela ri e deixa claro que agora ela é o “daddy”. Os papeis se inverteram. Ela está no controle.
Como isso foi pouco antes do começo da pandemia, pergunto se ela se sentiu afetada de alguma forma.
“Na verdade, acho que me deu mais tempo. Eu meio que ia e voltava em vários detalhes, às vezes mudava uma palavra da música para fazer com que a letra fosse mais poderosa. Mas meio que percebi isso depois, porque tive MUITO tempo produzindo este novo material.”
Para encerrar, obviamente rolou aquele momento “Mal posso esperar para tocar no Brasil”, o que me fez lembrar de que eu devo ter visto uns três shows de sua última turnê, de 2019, inclusive um no Japão, no megafestival Summer Sonic.
“Meu Deus, você estava lá?!”, e lembrou que neste show em particular ela teve problema com seus… sapatos. “Eu não tinha passado o som com os mesmos sapatos da apresentação e aí, na hora do show, subi ao palco com outros calçados. Antes da primeira música percebi que eles não seguravam direito meus tornozelos e que então não podia me mexer em cena. Quando as luzes se apagaram e o show ia começar, fiquei olhando para meu manager até ele entender que ele tinha que me ajudar com os sapatos.”
De novo, “Daddy’s Home” estará disponível em todas as plataformas amanhã. No começo desta semana, ela revelou seu vídeo/single mais recente, “Down”.
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* A foto que abre este post é de Alan Del Rio Ortiz, para a revista online “DIY”.