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* Um dos nomes mais interessantes da nova cena britânica, ainda que seja irlandesa tipo o Fontaines DC, Sinead O’Brien tem zero álbum, um EP (que saiu em setembro) e um single, mas já não é necessariamente uma desconhecida para quem acompanha a velocidade apaixonante da busca da “next big thing” da música, principalmente na Inglaterra.
Há quem diga que ela traz algo de PJ Harvey no som, ou que ela faz parte de um significativo grupo de artistas que mais “recitam as músicas” do que propriamente cantam, um certo padrão que estamos acompanhando em novos artistas de lá, como Kate Tempest, Shame, os compatriotas do Fontaines D.C. e outros nomes de que a gente tanto gosta. Letras lindas e profundas ganham mais força na voz falada de Sinead, que se dá bem nisso talvez por ser uma poetisa punk. Ela mais verdadeiramente mais recita suas letras.
O’Brien não é nenhuma teen talentosa iniciando a vida no meio musical. Ela “já tem” 30 anos, e a carreira que a precede é de designer fashion. Ela ainda parece ter o dom da interpretação também, pelo jeito firme e seguro com que atua em seus vídeos.
A poploader Isadora Almeida, estrela do Popcast deste site, conversou com a estrela em ascensão do Reino Unido nesta semana, em um call no zoom. Falaram sobre religião, forró, pandemia e música (não necessariamente nessa ordem).
Popload – Como vai você, Sinead? Você está falando de onte?
Sinead O’Brien – Eu moro em Londres tem uns 7 anos, falo daqui. Mas eu sou de Limerick, perto de Dublin, na Irlanda. Eu estou bem, já me acostumei com essa situação. Não tem muito o que fazer, né?
Popload – Como a música entrou em sua vida? Sua família trouxe influências para você?
Sinead O’Brien – Na minha casa meus pais eram bem musicais. Eu comecei a tocar piano clássico com 6 anos, era uma piano gigante [lembra rindo] e tive aulas sempre tocando música clássica.
Minha mãe ouvia música clássica, mas amava Beach Boys e todas essas bandas com uma energia “alegre” das décadas de 60 e 70. Meu pai escutava muito The Cure, Talking Heads, esses grupos que marcaram os anos 80. Era uma ótima combinação de sons nada muito pesado. A coisa mais “pesada” era The Cure. E, claro, quando cresci peguei para mim todos esses álbuns deles.
Popload – E quais bandas você curtia quando era adolescente?
Sinead O’Brien – Pixies e Kings of Leon foram bem importantes. Eu me lembro de ir a um show que eles tocaram em um estádio em Dublin e foi incrível. Eu era jovem e aquilo foi maravilhoso. Aí comecei a ir atrás de bandas novas e sempre que tinha show em Limerick eu ia ver. Qualquer banda que passava pela cidade eu ia ver. Comecei a ouvir muito Interpol nessa época. E lembro que comecei a curtir bastante britpop, tipo os clássicos Oasis e Blur. Adorava The Libertines. E eu continuava a estudar música clássica, tocar piano, tinha exames. Eram mundos meio diferentes, sabe?
Popload – Quando que, para você, sentiu aquele momento “Eu quero fazer música”?
Sinead O’Brien – Na real isso aconteceu recentemente. Eu não sei muito bem por que, mas indo pra escola eu não pensava em fazer música. Minha professora era muito clássica e eu achava que o piano não era o instrumento ideal para eu criar músicas. Ia na casa dos meus amigos praticar, mas não escrevia nada.
Depois que eu me formei, fui para Paris passar um tempo. Nessa época eu estava escrevendo muito, e comecei a me permitir a escrever. Voltei para Londres e senti uma urgência de performar e falar essas músicas, sabe? Mas era meio vago. Aí eu conheci o Julian [Hanson, parceiro musical de Sinead] e entendi o que a minha música poderia ser.
Popload – Como você descreveria sua música? Especialmente para uma pessoa que nunca ouviu seu som.
Sinead O’Brien – É difícil. Eu tento me afastar desses “definições”. Mas posso falar de dentro para fora e minhas músicas são focadas em letras. A gente faz a música para que ela tenha sentido com a letra escrita. O Julian tem uma cabeça muito única e aí ele elabora um significado diferente e aquilo acaba não sendo só a letra, sabe? Acho que é um trabalho muito de nós dois juntos.
Popload – Você se sentiu inspirada em escrever músicas neste momento estranho em que a gente está vivendo? Como você tá lidando com tudo isso?
Sinead O’Brien – Eu ando três vezes por dia. Faço longas caminhadas. Me sinto mal se meu corpo fica parado. Eu preciso me movimentar. Estou escrevendo muito nestes tempos. Mesmo que eu tenha um trabalho além da música, devo dizer que tem sido bom para mim. Antes eu só tinha alguns momentos entre minhas atividades diárias para escrever, tipo antes de dormir ou na hora do almoço.
Popload – Suas músicas são poemas e são muito visuais. Eu quero saber se você se sente inspirada por diferentes frentes artísticas, como esculturas, pinturas, filmes… Ou se você se inspira mais no dia-a-dia e situações reais entre pessoas?
Sinead O’Brien – Eu amo que você falou isso. É exatamente assim. Vou te mostrar minha parede aqui [uma parede cheia de imagens e anotações que ela deixa visível no quarto para se organizar mentalmente]. Eu penso muito em imagens, assisto muito filme. Sempre que sinto a necessidade de colocar uma imagem aqui para cima [na parede] significa que é muito importante. Se vejo um filme e gosto da atmosfera que ele representa, eu tiro dali um símbolo. Eu amo psicologia e estou sempre lendo. E, sim, eu documento conversas com pessoas ou coisas que eu ouço do dia-a-dia. Por exemplo, agora minhas caminhadas são meu ponto alto do dia. Teve uma vez que eu vi sombras e achei aquilo importante. E registrei em forma de poema.
Popload – Quem são suas principais referências na literatura e música?
Sinead O’Brien – Isso muda muito. Mas amo ouvir bandas novas, é um fato. Bom, pelo som eu amo o Thurston Moore. Posso ouvir ele improvisar o dia todo. Vi um show dele antes do lockdown, em que ele ficou 15 minutos “conversando” com a guitarra. É incrível o que ele faz com o instrumento.
Pensando em letras, amo Bob Dylan, mas não curto muito ouvir as músicas dele. É uma coisa diferente.
Eu adoro muitas bandas irlandesas: The Cranberries e Whipping Boy, que tem letras pesadas, mas tem um sentimento adolescente, inocente e supercru. Essas bandas me influenciaram em como coloco minha voz nas músicas.
E das novas bandas eu amo a Katy J. Pearson. Tem algo de Stevie Nicks e Dolly Parton nela. É uma coisa que estava meio “morta”, mas ela trouxe novamente para a música que ela faz e é ótimo.
Na literatura Yeats. Não tem muito “eu”, “mim” nas poesias dele. Yeats fala sobre o que está ali e as estruturas que ele cria são incríveis.
Eu tento fazer uns exercícios baseada nesse tipo de literatura. Charles Bukowski acho incrível, ele é meio “foda-se todo mundo”, mas ao mesmo tempo é meio complicado, porque ele era desagradável com as mulheres.
Popload – O badalado produtor Dan Carey assina seu EP, “Drowning in Blessings”, que saiu em setembro. Como foi o processo de gravação?
Sinead O’Brien – Foi muito legal. A gente passou um dia no estúdio não fazendo música e eu fiquei nervosa, tipo: “A gente só tem quatro dias, será que vai dar tempo?”. Mas eu confio nele, porque para fazer funcionar a gente tem que criar um universo, uma ambiência, e aí sim fazer música. Eu acho que ele trabalha de maneira diferente com cada pessoa. Ele não tem uma fórmula e depende de quanto de “aventura” você tem em você. Bom trabalhar com ele é sentir que algo grande vai sair dali. Acho que é só o começo dessa parceria. A gente se deu bem. Cada vez que você sente que atingimos algo muito incrível, ele vai lá e tira ainda mais esse melhor que existe em você.
Popload – Qual a sua relação com religião? “Drowning in Blessings” é um nome muito forte. E queria saber o que você acredita ser essas “bênçãos”. Se tem mais da relação com o divino, algo maior ou é sobre pessoas e trabalho duro e perseverança.
Sinead O’Brien – Eu acho que sou muito de energia e pessoas. Eu cresci em um meio católico, escola e ambiente e todos os sinais que a religião carrega estão em mim. Não sinto que seja um problema, é só um tipo de linguagem. Os rituais têm um link com um passado muito distante. Existe muita história e sinto que às vezes esses signos aparecem na minha mente. É algo universal, religião é universal. Mesmo que às vezes resulte em guerra, mas esses signos as pessoas entendem. Enfim, eu me senti abençoada pelo momento em que o EP saiu, mas não tem muito a ver com Deus, não.
Popload – “Strangers In Danger” é provavelmente minha faixa favorita das suas. Ela é sobre o quê?
Sinead O’Brien – Eu e o Julian a escrevemos em uma cabana. Tinha uma cabana no quintal da casa em que ele morava, E a gente passava os dias de verão nela. Em Londres eu vivia em um bairro em que quase todas as pessoas eram judias. Era muito lindo ver as pessoas vestidas com as roupas típicas indo e vindo de rituais e cerimônias, coisas que eu não estava acostumada a ver.
Você não encontra uma supercomunidade judia quase que em totalidade em Londres. Geralmente tem muita gente misturada de vários lugares e normalmente você encontra pessoas da nossa idade nos bairros de Londres. Eu me sentia uma outsider andando por essas ruas e vivendo ali. Aí essa sensação meio que me levou a essa música. E eu fazia longas caminhadas ao anoitecer em alguns bairros e via diferentes cenários e cenas, tipo um casal andando de mãos dadas e depois seguindo por caminhos diferentes, mas aí tipo um homem dentro de um carro parado e pensava: “Será que ele está tentando escapar da família”. Eu criava várias “mini narrativas” na minha cabeça.
São várias cenas em uma coisa só junto de um sentimento deestar suspensa no ar por não ser o meu lugar, entende? Pensando “O que é esse lugar?”.
Teve um momento que desencadeou a música que foi quando o Julian estava tocando com uma outra banda e eu ali na platéia, assistindo. E olhei umas flores de plástico na parede e tive um “momento”. É bizarro explicar. Mas entendi que eu era melhor e pior do que eu pensava. Aquelas flores de mentira querendo ser reais… Era um sentimento artificial. O Julian me viu tendo essa epifania e a gente fez a música. Ela é muito longa, mas é legal tocar ao vivo, porque ela sempre muda.
Popload – Existe previsão para seu primeiro álbum?
Sinead O’Brien – Ainda não. Eu vou para o estúdio antes do Natal, mas não é para um álbum. São os próximos passos para ver o que acontece.
Popload – O que você tem ouvido e gostado mais, neste ano? Algum lançamento de 2020 favorito?
Sinead O’Brien – A Katy J Pearson, que eu falei. Amo o novo álbum do Idles. O disco “The Talkies”, da Girl Band, e o do Black Midi, que são do ano passado. Just Mustard são ótimos. Fontaines DC, claro. Acho que diria esses.
Popload – Conhece algo da cultura brasileira?
Sinead O’Brien – A única coisa que eu sei é o forró. Minha melhor amiga mora em Paris agora, mas tem uma cena forte de forró por aqui e ela tocava as músicas. Não lembro o nome delas nem de quem tocava, só que eu adorava. Espero ir um dia ao Brasil. Falar com você me deu muita vontade de conhecer o país.
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* As fotos da Sinead O’Brien usadas para este post são de Holly Whitaker.
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