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Por um período, lá nos anos 90, numa era paleontológica onde MTV e rádios existiam no Brasil, Shirley Manson era objeto dos mais diversos tipos de desejos dos indies, qualquer que fosse o gênero. A banda Garbage bombava estratosfericamente e, além da ruiva Shirley, o grupo tinha na bateria um sujeito chamado Butch Vig, apenas o cara que havia três, quatro anos antes produzido o álbum “Nevermind” do Nirvana.
Muitos discos depois e uma carreira mais errática que certeira nos anos 2000, a fila musical andou para o Garbage. E Shirley e sua banda foram sendo escanteados da cena, mesmo sem nunca oficialmente ter acabado e retomando uma certa regularidade de 2012 para cá.
Eis que na próxima semana, mais especificamente dia 10 de junho, a banda norte-americana – com voz escocesa – lança “Strange Little Birds”, tratado como um dos álbuns mais sombrios e pesados da carreira deles, o primeiro em quatro anos.
O poploader Fernando Scoczynski bateu um papo exclusivo com a musa Shirley Manson, que falou para a gente sobre o sexto álbum da carreira do Garbage, a nova turnê, Brasil, comportamento feminino, eleições nos EUA e outras coisinhas mais.
Popload: Primeiramente, quantas entrevistas você já fez hoje? Quero evitar aquelas perguntas comuns que já deve ter ouvido várias vezes.
Shirley Manson: Uma dama nunca conta com quantos ela esteve. [risos] Você é meu primeiro, querido, o primeiro hoje.
Popload: E como você está? Tudo certo para o lançamento do disco novo?
Shirley: Sim, ele está 100% pronto para ser lançado. Estamos bem confiantes quanto a ele. Sábado, temos o nosso primeiro show com ele, então é um bom momento para nós.
Popload: Vocês sairão em turnê com Eric Avery [ex-baixista do Jane’s Addiction] de novo?
Shirley: Sim, o incrível Eric Avery tocará conosco, e sou muito grata por ter ele na banda. Ele é uma alma-gêmea minha, e um dos meus melhores amigos.
Popload: Quanto aos setlists da turnê nova, o que planejam tocar?
Shirley: Tem um pouco de cada disco, incluindo o último. Nosso desejo é tocar a maioria do disco novo, mas percebemos que isso seria um tanto egoísta, Por enquanto, estamos ensaiando umas 30 músicas, quatro delas do novo disco.
Popload: Você sente que a motivação para lançar este trabalho novo é diferente do anterior, que era um disco de “reunião”?
Shirley: Sim, a motivação mudou completamente, pelo menos para mim. Eu sinto que eu tenho apenas uma missão cumprir: fazer um bom trabalho. E essa é minha única preocupação real no momento, o resto está fora do meu controle. Eu só quero continuar a aprender como ser humano, como artista, e expandir a minha vida e meus talentos o máximo o possível.
Popload: Em todos esses anos trabalhando com música, você percebeu um impacto positivo do feminismo na indústria musical?
Shirley: Sabe, quando toda a minha geração chegou à cena, foi um triunfo para o feminismo, porque éramos todas mulheres alternativas, com pontos de vista alternativos, sem fazer os papéis que esperavam de nós. Eu acho que as mulheres ainda estavam em grande desvantagem. Quando o Garbage despontou nos anos 90, houve um momento glorioso onde parecia que tínhamos quebrado uma barreira, e mais mulheres iam para a universidade e assumiam cargos mais importantes em empresas. Mas nos últimos 20 anos, vi uma regressão nos direitos femininos, que tendem a ser esmagados ou erradicados completamente. E eu fico triste com isso, vejo o impacto negativo de celebridades femininas que objetificaram seus corpos, sendo fotografadas com corpetes, que me lembram mulheres da era vitoriana restringindo seus corpos. E sinto que isso é anti-feminista, um foco exagerado na aparência feminina, mas nunca na masculina.
Popload: E como isso influencia a sociedade?
Shirley: É algo injusto e desnecessário, e perigoso para a psique feminina. Eu acredito que sim, sua aparência é importante, e é legal se apresentar da melhor maneira possível, mas não é necessário. E isso certamente não tem um impacto no seu intelecto e em suas habilidades de sair pro mundo e obter sucesso. Mas não acredito que a mensagem correta está sendo repassada para as mulheres do mundo, e isso parte meu coração.
Popload: Mas quando uma mulher veste um corset, você consegue distinguir se ela fez isso para se sentir bem quanto à própria aparência, ou se fez isso para se encaixar num estereótipo injusto de beleza?
Shirley: Eu não sei, e eu gostaria de ter a resposta para isso. Eu acho que é diferente para cada mulher. Todas temos desejos e valores diferentes, coisas que consideramos importantes ou insignificantes. Então cabe a cada mulher decidir como se mostrar para o mundo. Mas eu não tenho um problema com mulheres que querem se sexualizar demais – se quiserem, vão em frente. Mas não quero que criem expectativas sobre todas as mulheres para se comprometerem ou apresentarem-se de uma maneira que a sociedade julga apropriada. Eu acho isso um absurdo. Uma mulher pode se apresentar como quer.
Popload: Você, uma “frontwoman” entre as mais icônicas que existem, sente pressão em relação à maneira que se apresenta para o público?
Shirley: Eu estaria mentindo se dissesse que não estou ciente das expectativas que criam sobre mim. Mas eu acredito que sou rebelde e forte o suficiente para manter essas vozes em um volume baixo, e tentar fazer o melhor possível para viver da forma que quero, e ser livre das expectativas dos outros. Não vou dizer que sempre consigo fazer isso – às vezes tenho momentos que duvido de mim mesma -, mas, no geral, eu não aceito tomar ordens das massas. [risos]
Popload: Isso sempre foi fácil para você?
Shirley: Quando o Garbage estava no seu período de maior sucesso, nós sofremos muitas críticas, e era doloroso. Mas sinto que cresci desde então, e consigo lidar com esse tipo de coisa sem ficar mal, como eu ficava antes.
Popload: Nas letras do disco novo, existe algo desse pensamento sobre aparências e expectativas?
Shirley: Sim, foi motivada a escrever letras que vão contra essa moda horrível das pessoas se apresentarem como perfeitas nas mídias sociais. Eu sinto que quero fazer o oposto disso. Eu tenho defeitos, eu cometo erros. Acho que é isso que torna seres humanos interessantes e amáveis.
Popload: As pessoas só se interessam em mostrar os momentos mais “felizes” nas mídias sociais.
Shirley: Mas ninguém consegue ser assim o tempo todo. Até uma pessoa magnífica como a Beyoncé, talvez a maior artista de seu tempo, falou abertamente, “minha imagem não é tão bonita quanto o que você imagina, e aqui está o que acontece na minha vida”. E acho que isso é maravilhoso, um grande alívio ouvir alguém sendo honesto, para variar. Ver que você pode ter uma vida boa, mesmo quando tudo dá errado. Com esse disco novo, ela provou que ela realmente cresceu. Às vezes, quando as piores coisas acontecem nas nossas vidas, nós achamos que pode nos destruir. Mas o que eu realmente acredito é que, quando enfrentamos uma dificuldade, algo doloroso, isso pode ser justamente aquilo que nos fortalece, e nos leva a um lugar melhor.
Popload: E falando em dificuldades, sendo escocesa, você consegue evitar o atual cenário político americano?
Shirley: Bem que eu gostaria! Estou presa aqui vendo tudo o que está acontecendo.
Popload: Como você se sente em relação aos candidatos à presidência atuais?
Shirley: Eu optei por não apoiar nenhum político, porque creio que o sistema político americano corrompe qualquer um que se candidata. Mas eu acredito que Donald Trump não está apto para a presidência, que não leva isso a sério. E acho que ele mostra um desgosto por quase todos os grupos da sociedade que não sejam homens brancos e ricos. Ele é assustador.
Popload: Você acompanhou o lançamento do último disco do Radiohead? Como você acha que um lançamento assim tem funcionado, em contraste com o esquema mais “tradicional” de lançar um disco?
Shirley: Eu acho que todo mundo quer achar uma forma de destacar o seu trabalho, e que o Radiohead achou uma forma esperta de fazer isso. Mas a minha forma de observar isso é diferente. Eu não quero fazer jogos, nem tentar ser excessivamente esperta. Estou pronta para aceitar qualquer que seja minha função neste mundo, como artista. Quero ser como algumas das artistas visuais que me inspiraram, como Louise Bourgeois, aos 90 anos e ainda fazendo arte. Se eu puder fazer isso, criar arte que faz pessoas pensarem, ou se sentirem felizes, eu não me importo com sucesso comercial ou fama. Só quero tentar fazer o melhor possível.
Popload: Finalmente, a pergunta obrigatória: a América do Sul faz parte dos seus planos futuros de turnê?
Shirley: Sim! Posso dizer que definitivamente sim. Quando fomos aí em 2012, nos divertimos tanto, que decidimos repetir isso num futuro não muito distante. Insistiremos em passar por aí com o disco novo, possivelmente no fim do ano.
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O show de 2012 foi um dos melhores de toda minha vida. Mal posso esperar por mais um! VEM GARBAGE!
Ótima entrevista pessoa. Amei!