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Uma das bandas mais legais que o rock alternativo nos ofereceu na década passada, a californiana Black Rebel Motorcycle Club pode não estar em seus dias mais inspirados, mas é dessas raridades que resistem ao tempo no “novo” indie, em que tudo acontece muito rápido ou muda a todo momento.
Grupo garagem com um pé no folk, e que se mantém fiel ao seu DNA sonoro, o BRMC veio ao Brasil para um show único e fechado no início de 2016 e, parece, está mirando a gravação de seu novo disco em 2017.
Quem entregou a boa nova foi o vocalista/guitarrista Peter Hayes, que conversou com a Popload mês passado, em papo com Fernando Scoczynski, logo após a vitória de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Tanto que a resenha começa justamente falando de política e mostrando que Peter, gente como a gente, anda desanimado. Haha.
O papo completo, abaixo, inicia uma série de posts especiais na Popload, para terminarmos o difícil ano de 2016 com um climinha melhor.
Acho que a única maneira de começar essa entrevista seria com “o que está acontecendo no seu país?”
Eu não sei. Eu desisti há muito tempo. Não há motivo para ter mágoas por isso. As pessoas quiseram esse presidente, vamos ver no que dá.
Você se abstrai desses eventos para compor música?
Eu acho que acabo escrevendo não sobre a política, mas sobre como isso afeta a vida das pessoas. Eu tento não me envolver muito na eleição, mas se eu fizer algo, quero falar mal de ambos os candidatos, na mesma quantidade. Dar a mesma quantidade de ódio para cada um [risos]. Mas acredito que deveria haver mais de duas opções, eu espero por isso há muito tempo. De qualquer forma, acho que nem se trata de política, mas sim de capitalismo – é o sistema que as pessoas optaram por viver.
Então, como está a gravação do novo disco?
Estamos no processo. Assim que sairmos da turnê, vamos escrever e gravar mais. Temos umas 5 ou 6 músicas em andamento. Uma música basicamente pronta.
Quando vocês estão gravando, há um limite para o tempo que vão passar no estúdio, ou levam o tempo que for necessário?
Nós tentamos nos dar um limite. O problema é que, tendo um limite, começa a parecer um afazer chato – e entramos numa banda justamente para não ter afazeres [risos]. Como acontece com qualquer pessoa, começamos a ficar sem dinheiro alguma hora, e a vida começa a acontecer. Você espera ter o timing certo, e lançar um disco antes de ficar completamente duro. Mas, ao mesmo tempo, tentamos levar o tempo necessário, porque é estranho apressar uma gravação, não é minha forma de fazer as coisas.
As turnês já pareceram um afazer para você?
Sim, já aconteceu. Mas mesmo quando você está se repetindo, fazendo coisas que parecem trabalho – passagem de som e show, todo dia -, a música muda, as pessoas mudam. É difícil virar uma coisa chata, porque há muitas variáveis. A vida é assim, um dia você está feliz, outro triste, brabo, e isso deixa as coisas interessantes.
Um disco que não vejo ser muito comentado é o disco instrumental/experimental The Effects of 333 (2008). Você gostaria de fazer algo parecido com ele no futuro, ou não tem mais interesse naquele tipo de som?
Eu vejo a chance de algo similar aparecer no futuro, uma versão mais aprofundada daquele som. Não tenho certeza como. Música instrumental é uma parte enorme do que amamos ouvir, e tem algo nela que te libera, você não precisa se estressar com letras. É legal quando palavras não entram no caminho da música, e mesmo assim ela te leva numa jornada.
Você e Robert [Levon Been, outro vocalist da banda] escrevem a mesma quantidade para cada disco?
Costumamos cantar o que escrevemos, mesmo dentro de uma música. Nos arranjos instrumentais, é uma colaboração, mas nas letras, não somos bons em fazer “cover” um do outro. Assim, não seríamos capazes de decorar a letra um do outro. O que eu escrevo, eu canto.
Lembro de uma entrevista com o Kiss, onde Paul Stanley reclamou que Gene Simmons só sabia as próprias letras. Um dia, Stanley perdeu a voz para um show, e Simmons teve que cantar todas as músicas, mas acabou só resmungando as letras. Se você tivesse que cantar todas as músicas do Robert num show, como faria?
Eu iria trapacear. Escrever todas as letras num papel. No momento, sei a maioria das letras dele, mas não todas. Não é pra isso que servem teleprompters? [risos]
Vocês tocaram no Brasil no começo deste ano, em um evento promocional relativamente pequeno, e muitas pessoas não conseguiram entrar, pois não houve venda de ingressos. Eu só consegui entrar porque vocês sortearam entradas para fãs no Facebook. O que você acha de eventos privados desse tipo?
Depende de alguns fatores. Existem motivos para tocar neles. Primeiramente, se não temos como chegar a um lugar por conta própria, ou não temos dinheiro para chegar lá, um evento assim vira uma forma de ir a lugares que raramente, ou nunca, visitamos. Fazemos esse tipo de show, seja onde for, para levar música às pessoas. Depois, como consequência disso, pode ser que toquemos mais shows lá, talvez maiores. Mas que bom que você conseguiu entrar, a capacidade era pequena mesmo. [risos]
Sei que é chato perguntar, mas: o que podemos esperar do disco novo?
Nunca sei responder esse tipo de pergunta. Não sei. Nenhuma surpresa grande, eu acho, não estamos tentando ser outra banda. Espero que haja uma evolução.
Nada de arranjos orquestrais então?
[risos] Não, pelo menos não por enquanto. Pode acontecer um dia. Provavelmente não. No fim do dia, o objetivo é só escrever músicas boas. Quem sabe algum dia ainda conseguimos fazer uma. [risos]
E qual é o teu formato preferido para ouvir música?
Qualquer formato. Vinil é legal, mas também uso MP3. Não importa muito pra mim.
Então não preciso me preocupar com sua música sumindo do Spotify algum dia?
É, eu não me importo com isso. Sempre entendi por que pessoas baixam música. Primeiro, é cara demais, e segundo, o dinheiro feito com a música foi usado e abusado, de uma forma que precisava mudar. Foi demonstrado, pelo menos para mim, que o dinheiro não era respeitado. Se alguém está comprando calças de 30 mil dólares, você não precisa vender uma porra de um disco novo. [risos]
As infames calças de jogging de couro popularizadas pelo Kanye West…
Por mim ele pode se engasgar nelas.
Falando em couro, você ainda tem uma moto?
[risos] Sim, eu tenho uma. Por muito tempo, era a única coisa que eu tinha em minha casa.
Você tem tempo para andar nela, ou as turnês e gravação ocupam tudo?
No ultimo álbum, andamos muito, ao redor de Santa Cruz. Ainda estamos tentando achar uma forma de levar as motos na turnê. No momento, só andamos em casa.
Talvez o Rob Halford tenha alguma dica. Até onde eu sei, ele ainda anda de moto no palco em todos os shows do Judas Priest.
[risos] Talvez ele alugue uma moto em cada cidade que toca. Mas imagino se é a mesma moto sempre? De qualquer forma, não é um passeio longo o suficiente pra mim. [risos] Da lateral até o centro do palco? Eu preciso de mais tempo que isso.
Sem sair muito numa tangente, mas você já esteve na Argentina algumas vezes, né? Já experimentou comprar jaquetas de couro lá?
Não, não comprei. Por que, eles fazem couro bom lá?
Sim, eles fazem e exportam bastante.
Bem, acho que isso faz sentido. Tem muito gado lá. Nossa equipe sempre fala de ir às steakhouses [churrascarias] lá.
Você nunca foi a uma?
Não, eu não como carne.
Ah, sinto muito, espero não ter te ofendido. [risos]
[risos] Não, isso não me ofende, não sou esse tipo de vegetariano.
Bem, você não começou a entrevista dizendo “sou Peter Hayes, vegetariano, também toco numa banda”, então sei que não é esse tipo de vegetariano.
Não, longe de mim. Eu cresci numa fazenda e trabalhei em alguns restaurants de fast food, então isso meio que me tirou a vontade de comer carne.
Voltando ao assunto, acho legal que vocês fizeram uma turnê com o Death From Above 1979.
Sim, com certeza.
Se eu pudesse escolher, veria vocês em uma turnê com o White Stripes, mas acho que isso nunca vai acontecer.
Eu sempre gostei daquela banda, e do jeito que o Jack White toca. Mas dê tempo ao tempo, quem sabe eles voltam a tocar juntos.
Uma reunião no Coachella, quem sabe.
Meu Deus. [risos] Tocamos lá uma vez. Pesadelo.
Como assim?
Muita merda deu errado. O baixo do Rob quebrou aquele dia. Todos os meus amps pifaram. Estávamos na turnê do segundo disco, em 2004. Acabamos fazendo um show acústico, tocando um monte de músicas do Howl [2005] que ninguém tinha a menor ideia do que eram.
Eu acho que Howl é um disco muito legal, ele se separa do resto da sua discografia.
Entendo isso. Mas era algo diferente, que sempre tínhamos comentado em fazer, baseado em artistas de que somos fãs – Dylan, Cash, the Band. Estávamos guardando aquelas músicas desde o começo. Complicated Situation e Ain’t No Easy Way foram compostas para o primeiro disco, mas não entraram nele porque sabíamos que as pessoas iriam ignorá-las. “Ah, essa música é legal mas não é o que eles fazem”. E esperamos a chance para coloca-las num disco apropriado, no momento certo.
Quando vi vocês aqui, umas pessoas ficaram loucas quando tocaram Weight of the World.
É, muita gente curte essa. E muda de lugar para lugar, também.
Também acho legal que vocês não tocam o mesmo setlist toda noite.
Tentamos mudar o setlist, queríamos fazer isso com mais frequência. Mas a verdade é que… esquecemos como tocar boa parte das músicas. [risos]
E quanto aos pedidos que vocês recebem nos shows?
Já aceitamos pedidos de músicas. Mais para o fim do show, perguntamos o que querem ouvir. Mas fica mais difícil com o tempo, quanto mais discos fazemos. E também é difícil porque tenho 5 guitarras, cada uma com 5 afinações diferentes. Então eu não estou preparado para umas músicas, a não ser que me deem uns minutos para afinar.
E imagino que a tua equipe não fique muito feliz com mudanças no setlist.
Essa é a parte mais divertida. Ver todo mundo desesperado correndo para mudar as coisas no som e na iluminação. Mas é legal, deixar eles mais alerta.
É bem mais legal falar sobre esse tipo de coisa do que “como é o som do novo disco?”.
Sim, e é impossível explicar o disco, de qualquer forma. Eu não gostaria de estar no lugar de um crítico de música.
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