Popload Entrevista: Bruno Berle. “Faço a música brasileira do meu tempo”

Bruno Berle é aquele artista que você já deveria ter ouvido falar. Autor de um dos discos preferidos da Popload em 2022, “No Reino dos Afetos”, o alagoano vai de vento em popa – colaborando com Ana Frango Elétrico, fazendo turnê pela Europa e abrindo os shows do francês FKJ nos próximos dias 29 e 30, São Paulo e Rio.

Nada mal para quem “acaba de começar”.

Isto é, Bruno não chegou agora. Músico há décadas, ele já fez parte de uma banda e já lançou outros trabalhos. Mas considera “No Reino dos Afetos” seu primeiro álbum.

“Em 2015, eu tentei gravar, comecei, mas nada era como eu queria, porque eu nunca nunca tive equipamentos e estrutura de estúdio. Eu só fui ter isso lá para 2017 e era sempre coisa muito simples, tipo um computador, uma placa, um microfone de 500 reais, e era isso”, diz. 

Para ele, “No Reino dos Afetos” é o primeiro álbum à la Bruno: “Meio estranho, maluco”. 

“Apesar de o disco ser com essa gravação que soa meio estranha assim, foi do meu jeito. Eu gravei o que eu quis, do jeito que eu quis, em casa e quase nada no estúdio. E é por isso que eu considero ele o meu primeiro álbum”, conta.

E teve uma recepção e tanto para um primeiro disco. “No Reino dos Afetos” tornou Bruno Berle um dos nomes a ficar de olho, aguardar com esperança, torcer pela próxima música. Entendemos isso aqui na Popload. E até um vocalista do BTS entendeu por lá, na Coreia. 

É que o trabalho de Bruno, moderno, arraigado na música brasileira, mas com marca pessoal, ocupou um espaço diferente aqui. Com o auxílio do produtor e fiel escudeiro de Bruno, o Batataboy, o músico encontrou na “sujeira” da gravação meio lo-fi uma vantagem, sem perder a delicadeza.

“Nos últimos anos, os discos importantes foram os bem limpos”, lembra. “E, aí, eu acho que eu abri um precedente, e a recepção foi muito importante. Principalmente para a minha geração, essa galera que eu ando junto, que sempre foi influenciada pelo meu trabalho, e o meu pelo deles.”

“Poder gravar uma coisa que é pop, dentro de casa, de um jeito simples, maluco ou colocando verdade na parada, e ser bem recebido… Acho que isso me deu confiança no meu processo”. 

A confiança o leva adiante: Bruno se prepara para seu futuro álbum, previsto para o primeiro semestre de 2024. Agora, o artista está sob a chancela Coala e também sob o selo Far Out Recordings (UK) – que também tem em seu cast nomes como Amaro Freitas e Tim Bernardes. Não à toa, isso deu um gás a ele.

“O trabalho é maior agora. Eu acho que eu sou mais trabalhador agora, mais focado, me entendo melhor. Eu não tenho a energia que eu tinha há 5 anos, mas eu tenho a cabeça mais disposta. Eu sinto que eu tô mais criativo e mais corajoso para criar”, declara.

Mais criativo, corajoso, mas não totalmente diferente de seu trabalho anterior. Em entrevistas passadas, ele havia sugerido que queria abandonar o violão. Agora, já mudou de ideia. “Tô f*dido”, brinca. “Na verdade, esse álbum tem bastante violão.” 

Para ele, o medo do segundo álbum – que pode ser decisivo na carreira de um artista – exigiu dar um passo atrás. Talvez não precise ser um Segundo Álbum com maiúsculas; mas uma segunda parte do que o lançou ao Brasil e ao mundo.

“Era melhor dar um passo mais simples e seguro. Já que todo mundo gostou do primeiro, então vamos fazer um dois, que é ainda revisitando várias ideias que não puderam entrar no primeiro álbum. “Tirolirole” é uma delas”, relata. A música foi direto para o primeiro lugar no Top 50 da CENA da semana passada, quando lançada.

“Vejo flores em seu coração”, canta Berle em seu novo single, recém-lançado, que tem composição de Phylipe Nunes de Araujo. A letra, de esperança infantil, e o arranjo solar de Bruno já dão dicas desse novo momento: leve.

“Eu estou muito contente e feliz com essa escolha que eu fiz. Porque ela me tira esse peso maluco. Calma, não precisa estourar, não precisa hitar, não precisa nada do tipo. Se dobrar, se for um e meio do que foi esse primeiro, tá ótimo”.

Aqui, uma percepção pessoal: Berle me parece profundamente sensível enquanto artista – no sentido de ter a sensibilidade aguçada mesmo, atento ao que está a sua volta. Quando pergunto quem ele admira na arte, o músico se deleita em nomes criativos. Cita os artistas Maxwell Alexandre, Manuela Navas, Igi Ayedun e a musicista Jadsa. 

Mas, se eu entendi alguma coisa sobre ele, é que sua inspiração vem da admiração, não da referência propriamente dita. Bruno tem ídolos, claro, mas o que ele quer é ser autêntico.

Tem a ver também com sua relação com o Nordeste – e a carga cultural que a região carrega. Para ele, algumas referências são muito comuns por lá: Gil, Gal, Caetano, Bethânia e a própria negritude baiana. “A influência é muito forte. A música baiana, o axé, o afoxé, os nomes famosos, Gil, Gal, Bethânia, no Nordeste, são uma força muito grande.” 

O alagoano não condena essas influências, mas valoriza a ideia de traçar um caminho só seu. “Todo mundo quer fazer como eles. Tento me afastar um pouquinho”, conta.

O que é, então, a música de Bruno Berle? Em um momento que artistas fogem de gêneros musicais, ele tem uma definição que o serve bem. “Música brasileira do meu tempo”, descreve. “Moderna, com respeito às tradições, sem querer emular nada disso.”

“Misturando tudo aí, no bagulho bom”, finaliza.