Entre os valiosos nomes “pequenos” e fora da curva do festival C6 Fest, que sacode Rio e especialmente São Paulo nesta semana, está o do músico camaronês Blick Bassy. Amigo da ministra Margareth Menezes e parceiro de feats. dos ingleses do Disclosure, para citar apenas dois envolvimentos musicais dele, Bassy se apresenta às 17h do próximo sábado, no Ibirapuera.
Um dos mais criativos artistas da música nova de Camarões, ele lança seu quarto álbum, “Madibá”, na semana que vem, dia 26 de maio, pelo selo francês InFiné Music. O disco, cantado com a voz angelical de Blick Bassy na língua baasa, um dos 250 dialetos do país, que tem cerca de 230 grupos étnicos, já pode ser ouvido aqui.
“Madíbá”, que significa “água” em douala, outro dialeto local, reúne 12 canções em formato de fábulas, tendo ela, a água – ou a iminente falta dela -, como tema central. Nele, a voz singular de Bassy é acompanhada por guitarras delicadas, oníricas texturas de sintetizadores e arranjos ornamentais de sopros. Os cortes são límpidos e testemunham uma contemporaneidade africana que se embaralha com soul, folk e música eletrônica, em especial a house.
Uma entrevista de Blick Bassy, falando de Brasil e do disco novo, foi oferecida à Popload. Você pode conferir ela abaixo, para chegar no C6 Fest sábado sabendo o que se passa na mente por trás do artista camaronês, atração do festival.
Leia abaixo:
Blick, você tem uma grande ligação com o Brasil, para começar você tem uma faixa chamada “Você Fala Português”. Esse interesse vem dos caminhos da escravidão entre o Brasil e a África ou começou mesmo com a música?
Blick Bassy – Essa conexão veio primeiro da música. Quando eu era jovem meu pai ouvia artistas como Gilberto Gil, João Gilberto e Stan Getz, entre muitos outros. Quando começamos a trabalhar no meu segundo álbum, chamado Hongo Calling, fiquei curioso para entender como era no Brasil um ritmo que em Camarões nós chamamos de hongo [jongo]. Mas também tinha muita curiosidade sobre as nossas raizes da escravidão, sabe? Todos os caminhos de Camarões ao Brasil, em todos esses países diferentes, encontramos o mesmo ritmo, o hongo. É por isso que decidi gravar meu segundo álbum no Brasil. Fiquei no Rio uns dois meses produzindo o disco e trabalhei com artistas como o Lenine. Então eu tenho uma conexão incrível com este país que eu realmente amo.
Você aprendeu sobre a música folclórica nativa de Camarões com seus avós, certo? Qual foi a maior influência deles sobre você?
Blick Bassy – Tive a sorte de crescer no meu país, Camarões, entre a capital, chamada Yaoundé, e a minha aldeia. Meu pai sempre queria que eu e meus irmãos voltássemos para a aldeia para ter uma educação sobre nossas tradições. Então todas as férias estávamos na nossa aldeia aprendendo coisas como caçar e pescar. Nessa época não dava para entender o quão visionários eram meus pais, mas agora eu realmente acho que minha educação e tudo o que estou fazendo e também minha carreira foram construídos a partir dessa educação. Quando eu também tinha uns 10 anos, meu pai me mandou ficar com um tio meu na aldeia, porque na cidade eu brigava em todos os lugares com outras crianças. Finalmente eles me mandaram para a aldeia e aprendi muito quando estava lá com meu tio, mas também com meu avô. Passei cerca de seis anos nas aldeias e para mim foi muito importante esse período. De certa maneira, toda a minha arte veio desse meu aprendizado tradicional.
Quais são suas maiores influências musicalmente?
Blick Bassy – Tenho diferentes grandes influências musicalmente, artistas como os camaroneses Eboa Lotin e Émile Kangue, até Marvin Gaye, James Blake, David Bowie, Prince e Jeff Buckley.
Que paralelos você destacaria entre a música africana e a brasileira?
Blick Bassy – Eu acho que a música africana e a brasileira são muito próximas. A música africana é origem de muitos dos ritmos do mundo. Por exemplo, é possível ouvir semelhanças entre o frevo e o assiko. Quando você ouve samba, dá para encontrar muita semelhança com o gondo, do povo Duala, em Camarões. Há muita semelhança porque na música temos a mesma vibração de cura. No Brasil assim como em Camarões a música está presente em todos os eventos, desde a celebração do nascimento, casamento. Qualquer festa tem música. O Brasil é um país onde todo mundo conhece música em todos os lugares, todo mundo toca algum instrumento. Fiquei surpreso quando estava gravando meu álbum no Brasil e descobri que o fotógrafo que estava trabalhando comigo também tocava guitarra. Como na África, a música está em toda parte.
Em termos de música eletrônica, você colaborou com uma das maiores bandas do mundo, Disclosure, e tem algumas faixas que podem se relacionar com o trabalho do deep Detroit techno, de artistas como Jeff Mills. Como você se relaciona com o gênero?
Blick Bassy – Para mim é muito importante testar sons diferentes. Poder cantar todo tipo de ritmo, todo tipo de acorde, todo tipo de música. Colaborar com o Disclosure me trouxe outra perspectiva, até para entender como aqueles caras estavam escrevendo música, como estavam usando novas ferramentas. Sou curioso, adoro trabalhar com músicas diferentes, estilos diferentes, mesmo quando não conheço muito.
Seu novo álbum fala sobre crise hídrica e outras questões ambientais. Quando esse assunto chamou sua atenção pela primeira vez?
Blick Bassy – Esse novo álbum é uma homenagem à água. E quando falo de água, sim, falo de meio ambiente. E, como ia dizendo, tenho sorte de ter crescido numa aldeia e assim ter estado em contato com esse elemento vivo. Aprendi muito sobre meio ambiente quando eu era criança. Ajudou-me a sobreviver quando cheguei na França, onde vivo há 13 anos. Entendi que estávamos completamente ligados. Nós estamos ligados ao pássaro que está cantando porque está sentindo que tem uma cobra perigosa em algum lugar.
Quando cheguei à França e comecei minha carreira, perguntei a mim mesmo: como posso sobreviver em um lugar com o qual não tenho nenhuma conexão? Como posso criar uma conexão? O que vai me salvar?
Vai ser o fato de estarmos completamente ligados e de estarmos ligados à vibração, à energia. Que legal que eu poderia usar essa energia para fazer isso, essas vibrações para me conectar com outro ser humano, mesmo que eles não entendam minha linguagem.
Você vai participar do C6 Festival no Brasil, qual será a abordagem do seu trabalho, pretende mostrar trechos de discos anteriores ou vai focar no “Madiba”?
Blick Bassy – Vou tocar algumas músicas do meu álbum anterior, mas principalmente as do novo disco.
Alguma chance de fazer uma collab com algum artista brasileiro enquanto estiver aqui? Com quem você gostaria de colaborar?
Blick Bassy – Eu adoraria, mas minha estadia vai ser curta. Já toquei com o Saulo, da Banda Eva, e com a ministra Margareth Menezes no Carnaval de Salvador e adoraria poder gravar algo com os dois. Mas estou aberto a artistas da nova geração também, porque realmente amo o Brasil.