Ali, no meio de um número de atrações gigantes do próximo Lollapalooza Brasil, que acontece em São Paulo em março, está uma banda indie do Texas cujas músicas são calminhas, contemplativas, tocadas e cantadas baixinho, que não necessariamente é apropriada para lugares abertos e barulhentos como um festival de nomes pop, roqueiros e latinos tão massacrantes em sua atenção.
Falamos da especialíssima Cigarettes After Sex, que criou um estilo próprio dentro de vários estilos já conhecidos, que sonoramente passeia por algo dream-pop e ambient, temperado pela voz andrógina de Greg Gonzalez, dessas de transportar para outros lugares se você penetrar na música do CaS quando ouve.
Mas sobre uma banda assim, tranquilinha, tocar num “festival do barulho” como o Lolla, o líder do Cigarettes After Sex, Greg Gonzalez, não vê problema nenhum, como disse aqui, em entrevista à Popload.
“Tem gente que usa nossa música até para ajudar a dormir [risos]. Música que colocam no quarto, em momentos íntimos, ou para relaxar. Mas o legal é que, quando fazemos shows, parece um show de rock insano, tem uma atmosfera incrível, como se fôssemos uma banda de metal”, falou Gonzalez.
Leia abaixo a entrevista completa.
Popload – Você já tocou duas vezes no Brasil com o Cigarettes After Sex. Você tem memórias particularmente boas de quando veio aqui em 2017 e 2019?
Gregory Gonzalez – Com certeza. Acho que na primeira vez que eu fui a São Paulo o nível de entusiasmo e animação na plateia era inacreditável, parecia uma beatlemania. Sentimos aquele nível de adoração e amor da plateia brasileira, parecia algo cósmico. Foi muito especial. Estava pensando naquele show dia destes.
Popload – Recentemente vocês também tocaram no México. Tem algum tipo de barreira linguística quando vocês fazem turnê pela América Latina?
Gonzalez – Não, é esquisito, mas eu nunca percebi uma barreira linguística em nenhuma parte do mundo. Todo mundo canta as músicas, sabem as letras, os fãs têm inglês muito bom. Nunca tivemos problemas com isso.
Popload – Neste ano vocês se apresentarão no Lollapalooza Brasil. O som do Cigarettes After Sex é um tanto mais sutil do que outras bandas do festival. Como vocês lidam com essa diferença de estilos?
Gonzalez – Sabe, eu me sinto muito sortudo com isso, porque obviamente a nossa música é algo que as pessoas… Tem gente que usa nossa música até para ajudar a dormir [risos]. Música que colocam no quarto, em momentos íntimos, ou para relaxar. Mas o legal é que, quando fazemos shows, parece um show de rock insano, tem uma atmosfera incrível, como se fôssemos uma banda de metal, com todo mundo cantando as músicas superalto, tem muita energia. É uma dualidade estranha entre o que a música gravada faz com os ouvintes e o que sentimos nos shows. E eu gosto disso, porque eu cresci indo a shows tipo Metallica e Megadeth, e eu sempre amei a atmosfera de um show de metal. Então é ótimo ver que nossos shows também ficam insanos, pelo menos do que eu percebo no palco.
Popload – Vocês recebem muita exposição adicional quando tocam em um festival dessa escala?
Gonzalez – Sim, com certeza. O que eu acho ótimo nos festivais é que tem gente que só tem uma curiosidade com nosso som, que ouviu no máximo uma música, pode nos ver num grande evento e conhecer mais. Já passei por isso também, de ver um artista que eu mal conhecia em um festival, e comecei a gostar mais depois. Isso acontece o tempo todo e percebemos quando nos apresentamos em algo tão grande como o Lollapalooza e outros.
Popload – Eu vi que você postou no Instagram em 2021 que David Lynch estava falando sobre uma música sua em um vídeo dele. Você se acostumou com esse tipo de elogio, ou ainda te impressiona?
Gonzalez – Não, eu sinto que quando recebo um elogio assim, eu entro no modo fã, não consigo ignorar a emoção. Ainda me impressiona mesmo, porque sou muito fã de música, de cinema de artistas. Especialmente com David Lynch, porque ele foi uma influência enorme para mim. “Blue Velvet” é um dos meus dez filmes favoritos, “Mulholland Drive” também. E ele já falou de nós algumas vezes, o que é melhor ainda. Não é o tipo de elogio que recebo toda hora, mas, quando acontece, é muito bom.
Popload – Você colaborou com o produtor italiano Daniele Luppi em um EP recentemente, e ele é conhecido pelo seu trabalho com trilhas sonoras de filmes e séries. Você tem a intenção de fazer uma transição para o cinema?
Gonzalez – Eu sempre digo a meus amigos que quero trabalhar mais como diretor daqui a dez anos. Eu tenho ideias de roteiros e de que tipo de filmes quero fazer. Acho que ainda existem filmes que nunca foram feitos, é algo que já está na minha mente há muito tempo, mesmo antes do Cigarettes After Sex. Acho que eu até disse que, se o Cigarettes não tivesse sucesso, eu tentaria ser diretor de cinema. Foi ótimo trabalhar com Daniele porque ele fez uns filmes importantes. Mas eu não tenho muito interesse em fazer trilhas sonoras, eu preferiria ser um diretor.
Popload – Quando eu escuto suas músicas, parece que já estou ouvindo a trilha sonora de um filme imaginário.
Gonzalez – É um elogio ouvir isso. Eu sinto que, já que não faço filmes, eu crio músicas que fazem isso que você citou, que geram filmes nas cabeças das pessoas. Não sei dirigir filmes, mas sei criar músicas que geram imagens nas mentes dos ouvintes. E é por isso que evitamos gravar vídeos musicais, porque acho que é mais interessante que cada ouvinte tenha seu próprio visual na mente. Mas também entendo que muitos outros artistas têm vídeos ótimos por aí.
Popload – Das pessoas que ouvem sua música, quem tem a reação que mais importa para você?
Gonzalez – Interessante… Acho que eu me vejo nos fãs, e a reação que mais importa é de alguém que esteja com dificuldades. Alguém de coração partido, ou até pensando em tirar a própria vida, coisas assim. Muitas vezes, falo com fãs que dizem que têm ansiedade severa e não conseguem dormir, e a música os ajuda. Gente que redescobriu o otimismo quanto ao amor graças à música. A música é como um amigo com quem você pode falar, ou que você pode ouvir. Os ouvintes que mais importam para mim são esses que estão sofrendo com algo, e temos a sorte de poder saber que fãs foram ajudados por nós.
Popload – Como dizem, sua coleção de discos é como um grupo de amigos que sempre está com você.
Gonzalez – Sem dúvida, eu sempre tenho isso em mente quando eu componho. Os discos vão ser amigos de alguém, porque é isso que amigos fazem. Você tem algo em comum com eles. Quando você ouve alguém cantando algo com que se identifica, você se torna amigo dessa pessoa, sente que não está mais sozinho.
Popload – O que podemos esperar do Cigarettes After Sex em termos de material novo?
Gonzalez – Estamos trabalhando em várias gravações, mas ainda preciso gravar os vocais. Imagino que vai sair no meio do ano que vem. Mas quando as músicas forem mixadas, quero começar a lançá-las aos poucos. Quem sabe um single no meio deste ano, daí um álbum ano que vem.
Popload – E você pode compartilhar algo sobre a direção que o som está tomando?
Gonzalez – Eu queria que nosso próximo disco parecesse mais algo que pudesse ser tocado na pista de dança. Sei que soa estranho para nós, mas queria fazer músicas que pudessem ser tocadas por um DJ, entre outras levemente mais agitadas, aquele momento mais íntimo na pista de dança, mas algo que ainda mantivesse aquela sensação doçura e de coração partido, sem fugir do nosso som característico.
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* A foto do Cigarettes After Sex usada neste post e na chamada da home da Popload é de Ebru Yildiz.