POPLOAD abre espaço aos fins de semana para algumas colaborações pontuais e selecionadas! Temos a Flávia Durante dando importantes pitacos latinos na “Arepas Sonoras”, a coluna “Popload Cinema Club”, que traz o olhar certeiro do jornalista carioca Tom Leão e o Felipe Evangelista, escrevendo sobre o rico mundo do hip hop na seção especial Popload Beats. No texto de hoje, Felipe destaca um xará: o rapper carioca Fillipe Queiroz.
POPLOAD BEATS — por Felipe Evangelista
POPLOAD BEATS apresenta: Fillipe Queiroz
Desde que a POPLOAD Beats estreou eu me cobro para falar também do hip-hop nacional. Hoje em dia são tantos artistas fazendo um som de qualidade, rico tanto nas letras, quanto nos beats, que é até um pecado ignorar essa galera. O fato é que eu sempre quis começar com um cara foda e um cara que ainda não estivesse bombando na cena nacional. Depois de ouvir várias mixtapes e vários EPs, eis que cai na minha mão (valeu Noisey!) um EP de nome “Sinergia”. Ao longo de quatro faixas, a gente vê uma produção afiadíssima, letras inteligentes que prendem a nossa atenção e um flow pesado! O autor? Fillipe Queiroz, carioca nascido e criado em Bangu, 24 anos e cara nova do selo NAS, de Porto Alegre.
Como eu já estava viciado e não parava de ouvir o EP, entrei em contato com o meu xará e o cara topou na hora em conceder uma entrevista para se apresentar, contar um pouco da sua história, falar dos seus trabalhos atuais e os planos para o futuro. Futuro que se continuar nesse ritmo, vai ser de muito sucesso.
A bola tá contigo fera !
Quem é o Fillipe Queiroz?
Sou um cara simples e meio chato. Tento sempre me manter na rota do aprendizado, sempre ouvindo música, sempre experimentando, buscando coisas novas, pesquisando… É meio difícil responder essa pergunta, nem eu me conheço direito. Tô nessa busca também, eterna busca do auto-conhecimento. Por isso que é foda me definir por enquanto. Talvez eu consiga me definir melhor quando tiver mais coroa… Certamente!
Quando você descobriu que levava jeito para o rap?
Foi no primeiro ano do ensino médio, com uns 14 pra 15 anos, nas aulas de literatura. Às vezes os exercícios eram criar poemas, sonetos, sobre temas propostos pelo professor. Aquilo no começo me pareceu chato e difícil, porque com os métodos de ensino de hoje em dia, tudo na escola se torna chato e difícil, mas aquele professor tinha uma didática interessante, ele cativava os alunos de uma maneira foda! Com 16 ganhei dos meus pais meu primeiro computador e com um microfone de 10 reais mesmo comecei a gravar qualquer coisa ali mesmo, no gravador do Windows. Sem pretensão de nada, só para diversão e passar o tempo. Descobri um jeito de achar só a batida de várias músicas de rap gringo através do Kazaa buscando o nome seguido de ‘instrumental’, foi ali que comecei a escrever minhas primeiras rimas, em cima de beats gringos. Eu ainda não tinha nenhuma referência do que era rap. Mas meus amigos diziam que eu levava jeito para rimar, e parece que de certa forma eu sabia disso, mas eu sabia também que o caminho não era aquele, mas serviu para eu começar a desenvolver uma técnica, descobri o que era flow, métrica, compasso, contra-tempo… Já trazia das aulas de literatura a noção de verso e estrofe…
E como foi o começo?
Tratando-se de conteúdo, muito ruim. É perigoso você deixar uma criança gravar qualquer coisa em cima de um beat. Pode sair qualquer besteira… E saía. Fui conhecendo mais sobre o rap, entendendo as origens, me identificando cada vez mais, descobrindo que pra fazer rap não é só saber rimar, você tem que ter o algo a mais, algo pra dizer, tentar se esquivar do óbvio. Isso eu fui aprendendo com o decorrer do tempo. Fui começando a desenvolver meu senso crítico e sempre esteve decidido na minha cabeça que só ia gravar meu primeiro rap quando eu tivesse uma estrutura mínima pra fazer algo com razoável qualidade. Em 2008 conheci o FL Studio através do meu amigo Capella que na época era DJ. Foi como a chave que abriu uma porta de um universo inteiro pra mim, foi mágico saber que era ali que se criavam as batidas, que eu não fazia ideia de como eram feitas. A partir dali fui buscando, caindo de cabeça legal nesse mundo da produção musical, mas nunca deixando de lado o hábito da escrita, sempre tentando aprimorar também esse lado.
Fale um pouco sobre o EP “Sinergia” que você lançou em Agosto. O nome tem algum grande significado para você? Já estava nos seus planos lançar um EP antes do primeiro álbum ou foi uma ideia que surgiu da gravadora para você meio que se apresentar para o público em geral?
Esse é um EP de 4 faixas produzidas por mim, Castelan, Duz e Vinolimbo. Ele já estava planejado, não para agora, mas estava, e se concretizou na minha estadia na casa do Castelan em Porto alegre. O EP foi produzido durante as 2 semanas que passei lá, com a opinião de todos, pitaco de todos… Foi um trabalho feito em assembleia. Cada faixa tem um pouco de cada um. Dei esse nome Sinergia, por ser a definição de como uma combinação de elementos forma o resultado maior do que a soma dos resultados que esses elementos teriam separadamente. Os elementos no caso somos nós, da NAS. Sendo assim, sinergia não passa de um somatório de coisas voltadas para o mesmo fim.
Eu já estava com o álbum quase finalizado, mas aconteceram alguns contratempos que fizeram com que nem todos os sons tivessem ficado prontos no prazo que eu tinha planejado. O EP foi um insight que tive trocando ideia com o Raoni, CEO da NAS. Eu disse que já tinha umas letras novas e tal. Surgiu daí.
E como surgiu o convite para se juntar a NAS?
A ponte foi através do Duz que também é daqui do Rio, sempre trocamos ideia a respeito de produção, aprendemos muito juntos, trocamos muito conhecimento, é um amigo que já tenho há mais de 5 anos. Ele havia me falado de um amigo dele de Porto Alegre que estava com uma ideia de criar um selo. Mas pra mim isso me pareceu muito confuso, pois eu não tinha a mínima noção do que era um selo, do que fazia um selo. O tempo foi passando, fui amadurecendo a ideia de fazer um álbum e comentei com o Duz, que só iria lançar esse álbum se tivesse uma qualidade boa. Foi aí que rolou a conexão com o Raoni. Mas convite mesmo não rolou. Ou você é NAS ou não é. E isso só aconteceu depois de trocamos muita ideia e ver que temos muito mais em comum do que a paixão pelo Rap. Ideologicamente, musicalmente, espiritualmente, somos muito parecidos. A NAS é como um clã.
A NAS é uma gravadora de diversos gêneros musicais e não apenas de hip-hop. Como você acha que toda essa diversidade pode ajudar no seu trabalho?
A música se tornou digital, o eletrônico se tornou a base de tudo, só é preciso um computador pra criar música. Somos todos produtores musicais, fazemos música no mesmo software, usando as mesmas ferramentas, só aplicamos nossa identidade no nosso som. Estamos sempre nessa constante, acho bobeira ficar dividindo a música por gênero. Ou a música é boa, ou ruim. Esse hábito de manter os ouvidos abertos eu trago comigo e é algo em comum que todos nós do selo temos. Assim que conheço coisas novas, sons novos, timbres novos… A chave da descoberta está na troca, e você nunca vai trocar nada com ninguém se estiver fechado no seu mundo.
No começo do ano você divulgou que o seu primeiro álbum, chamado “Tudo O Que Eu Disser Ainda É Pouco”, será lançado nesse semestre. Com o lançamento de “Sinergia”, a programação continua a mesma?
As coisas mudaram um pouco, já penso diferente de 6 meses atrás. Existem beats que agora quero mudar, lapidar umas letras… Pode ser que o nome continue o mesmo, pode ser que não. Talvez lance até o final do ano, talvez no início do ano que vem. Ainda tem alguns detalhes pendentes. Mas uma coisa eu garanto, virá pesado!
Além dos caras da NAS, podemos esperar beats de outros produtores e participações de outros artistas?
Além dos amigos da NAS, no álbum terá uns beats meus, do Gambia, um produtor de São Paulo que foi campeão da Liga Brasileira de Beats, e de uma galera pesada que ainda tô negociando. Até agora, no disco vou ter a colaboração do Gordo e do Liink (ambos do selo Caverna do Dragão de São Gonçalo, no RJ) e do Marvin um amigo de “milianos” e que aposto muito!
Acho que a maioria dos rappers tem como grande inspiração a própria vida e as dificuldades que eles passaram para chegar até ali. Nas suas músicas você deixa bem claro que você segue o mesmo caminho. Mas além da sua história, o que mais te inspira?
A capacidade de me manter firme na meta mesmo quando tudo conspirava contra, quando você tem um propósito, nem deus, nem diabo, nem ninguém pode te impedir de nada. Você só depende de você. Alguns até podem municiar sua arma, mas é você que puxa o gatilho.
Quem são as suas referências na música?
Ouvir Marechal e Black Alien na adolescência moldou muito meu modo de enxergar as coisas, é louco esse poder que o rap tem, quando eu vi já estava envolvido. Mas além deles, Shawlin, Kamau, Lumbriga, Gato Congelado, Matéria Prima, Zé Bolinho, Iky Castilho, Xará, Funkero e Emicida mais no finalzinho de 2009. Nos intervalos também me aprofundei mais nos americanos…. Nas, Mos Def, The Pharcyde e Talib Kweli ouvi muito também.
O Rio de Janeiro é um estado muito importante para o hip-hop nacional. De lá vieram o Quinto Andar, Planet Hemp, Oriente, entre outros. Como está a cena atual? Algum nome que tem tudo pra despontar em breve?
Rio de Janeiro está forte. Muita gente trabalhando pesado e sério. É bonito de ver o circuito que se formou aqui com as Rodas de Rima, você vê o rap acontecer em quase todo canto da cidade. Saíram uns lançamentos pesados há pouco tempo, como o disco do Start e o disco do Cartel MCs. Isso mostra que o rap carioca é um dos alicerces do Brasil. Muita gente boa está pra despontar em breve. O Liink que pra mim é um dos mais promissores, ainda tem o Sant, Essiele que mandam muito bem também… Mas ainda acho que a cena no Rio de Janeiro vai crescer ainda mais, bem mais!
Esses dias eu estava vendo uma matéria no site da Complex com o coletivo Pro Era de Nova Iorque e um dos integrantes falou uma frase que me marcou bastante. “Eu aprendi mais com o YouTube do que eu aprendi em qualquer escola.” Como essas “novas” ferramentas têm te ajudado desde que você começou?
É verdade, concordo com isso. Aprendi muito mais no YouTube do que em qualquer sala de aula. Embora os EUA estejam alguns bons anos na nossa frente, no que tange $$$ e profissionalismo, quem já nasce sabendo inglês tem uma ligeira vantagem nisso. Há um tempo atrás não se encontrava nada relacionado a produção musical no YouTube em português, você tinha que se virar. Hoje já existem escolas que dão cursos de produção de música eletrônica. Quem realmente quer aprender hoje em dia consegue com mais facilidade.
Mais alguma mensagem que você gostaria de deixar? Alguma novidade em primeira mão para a POPLOAD Beats?
Queria primeiramente agradecer pela oportunidade de estar falando sobre meu trabalho. Queria pedir a cada um que ler essa entrevista que procure saber, ouçam o Sinergia e compartilhe com seus amigos, esse é o combustível da minha motivação pra continuar nessa jornada que é árdua. E a novidade que tenho pra largar pra POPLOAD é que o Sinergia virá em uma versão Vinil dubplate irada! Fiquem ligados lá na página do Facebook da NAS! SOMOS!
Valeu Queiroz !
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Souncloud Fillipe Queiroz
*Felipe Evangelista tem 27 anos e passou mais da metade da vida ouvindo hip-hop. É administrador e aspirante a produtor musical.