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* Não tem nada que deixe a gente mais humilde (no sentido “com vergoinha” da palavra) quando alguém fala com autoridade sobre nós, ou algo que é nosso, ou que a gente presencia. Humilde porque faz você parar para pensar se não está fazendo a mesma coisa, cometendo os mesmos erros e agindo com a mesma petulância — sem fazer ideia disso.
Foi nisso que eu pensei lendo esse texto confuso e bem doido do Pitchfork. Li várias vezes tentando entender se era uma pegadinha, jogo dos sete erros, se era de 2005 ou se eu estava entendendo tudo errado mesmo.
Não sei nem por onde começar. Pelo resumo, melhor: em um post publicado hoje, o site-bíblia-do-indie tenta analisar e entender o sucesso à la Justin Bieber do Arctic Monkeys na América do Sul. Os motivos, segundo o texto, são vários, desde a popularização dos serviços de streaming por aqui nos últimos três anos, o hábito de descobrir música via YouTube (alô, 2015?), a classe média branca brasileira, o look macho latino do Turner, uma atriz mexicana e e… Calma, vamos por partes. Prestatenção, Alex!
Primeiramente, enfatizando, eu não vejo esse sucesso estrondoso do AM por aqui, mas ok, vamos imaginar que sim para entender onde eles tentaram chegar. “Como classe social, vídeos e a estética gótica”(whaaa?) ajudaram o Alex Turner por estas bandas, segundo o Pitchfork:
* “No ano passado, o Arctic Monkeys fez uma turnê pela América do Sul, um lugar onde muitas bandas não se podem dar o luxo de tocar”: as bandas não “querem” tocar por aqui, como a maioria das pessoas pensam… E quando decidem, não são elas que se bancam. Elas recebem convite, recebem ofertas, passam por um “leilão”, são disputadas… Elas não pagam para vir e ganham e muito. E pedem o cachê todo adiantado. E, na maioria das vezes, recebem.
* “Tocaram nos mesmos estádios que receberam Metallica, Justin Bieber e Miley Cyrus”: é verdade, mas comparar o público que o Metallica levou para esses mesmos estádios sul-americanos com o que o AM angariou é ser MUITO otimista. Nos bastidores dos “negócios da música”, o Metallica é tratado como banda de 40 mil pessoas, enquanto o nosso Arctic Monkeys, 15 mil, indo pra 20 mil quando bombando com disco novo.
* “O alto custo para se tocar lá* (*aqui) fez com que turnês de rock se tornassem algo raro, somente para os grandes que podem arcar com isso, mas uma combinação interessante entre avanço econômico e interesse do consumidor estão mudando o cenário e fazendo do continente uma importante fonte de renda para a indústria musical”: o texto confunde crise com “avanço econômico”. Não sei a que ano ou década eles se referem, mas (me segurando para não usar o bordão “apesar da crise”) mesmo assim, “raridade” e “turnês internacionais” já não cabem na mesma frase há muuuito tempo quando falamos de América do Sul. Ficando pelo Brasil, basta pensar em Lolla, no pequeno Gig, no médio-porte Popload Festival, no gigante Rock In Rio, no Queremos levando ao Rio bandas que nem sonhavam em tocar lá um dia… O mesmo vale para os festivais vizinhos, de Primavera Fauna a Music Wins.
* “O AM agradou ao público latino quando escalou a atriz mexicana Stephanie Sigman para o vídeo de “Snap Out of It”. A atriz tem uma presença enorme em toda a América Latina. Colocá-la no vídeo foi como um código que ajudou a banda a falar diretamente com esse público latino”: não sei precisar exatamente quando o AM atravessou a linha do “mundinho indie” para o do “pop” e depois para o “mais pop”, mas certamente foi bem antes disso. E lembrando também que quando falamos “pop” ainda estamos nos referindo ao “nosso mundinho pop” de algumas milhares de pessoas. Em 2007, AM já era uma das atrações principais do Tim Festival e depois, em 2012, voltaram como headliners do Lollapalooza. Eu não faço ideia de como essa atriz mexicana possa ter ajudado nisso. Amigos do Peru e da Argentina dizem que ela é “nobody” por lá. Aqui no Brasil também. Hein????
* E daí, resumindo bem aqui, o texto sugere que o “personagem” criado por Alex Turner (“look rockabilly com cabelo ensebado de gel + calça de couro + topete + pose de machão + letras sensíveis”) para divulgar o álbum “AM” tem características com as quais os latinos se identificam (o lado “meio rebelde e gótico”). Dizer que esse personagem macho man do Turner convocou uma legião (superestimada) de fãs é ignorar que o mesmo look descrito acima, aqui no Brasil, serve tanto para o rock quanto para o sertanejo universitário. E nem por isso o indie tem se dado tão bem quanto as duplas goianas. Lembrando ainda que o texto não dá o devido crédito desse novo look do Turner para o Josh Homme… Ou teria o Homme pensado nessa estratégia mirabolante de sedução latina? Hummmmmm.
* O texto conta que a banda lotou um estádio no Rio de Janeiro com capacidade para 18 mil pessoas, mas que esse público representa uma parcela pequena da sociedade. Está certíssimo, mas o que isso tem a ver com o “sucesso” do AM aqui não temos ideia: “…A classe média brasileira, jovens e intelectuais na sua maioria branca, ganham credibilidade quando valorizam a cultura gringa”.
* Outro argumento desse sucesso todo seria a propagação dos smartphones, dos serviços de streaming como Spotify e do YouTube (“muito popular no Brasil para se descobrir música nova”). Tudo lindo se esse texto do Pitchfork não tivesse sido escrito HOJE, no ano de 2015.
* “South American Horror Story”: sim, esse termo foi usado para definir as roubadas em que as bandas se metem quando vêm para cá. A frase é do agente do Peter Murphy, que segundo o texto, é tão grande aqui quanto Alex Turner (nem eu sabia que o Turner era o nosso Bieber!). Heeeeeeeeeeein?
* A questão estética é bem destacada no post, reaparecendo no final: “o que conecta o Arctic Monkeys e o Peter Murphy com o público latino? Obviamente não o sotaque. Analisando o catálogo de ambos, no entanto, vemos um padrão. Eles têm um look mais formal que as outras bandas de rock. Suas músicas são mais emotivas. Seus vídeos têm uma temática dark e normalmente em preto e branco”. E daí um especialista em cultura latino americana conclui que sim, nossa jovens são mais formais mesmo.
* Por fim, será que a pessoa que escreveu ouviu o mesmo “AM” que a gente ouviu? A gente acha que essa obra prima do Arctic Monkeys está mais para “Let’s Get It On”, em termos de letras, do que para “Unknown Pleasures”, haha. Mas, enfim, aí já “foge” do assunto Brasil e gosto e percepção são coisas pessoais.
Alguém ajuda, Lázaro?
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