* Nosso “The Long Read” de hoje, articulado por nossa parceira Dora Guerra, autora da newsletter mais necessária da música nova que eu conheço, a Semibreve, vai falar exatamente dessas transformações que essa música nova tem passado para se adaptar aos tempos atuais. Você sabe do que estamos falando: stream, Tik Tok, consumo digital desenfreado. Está preparado para o fim do refrão? Você curte os “hooks” das canções do Weeknd?
Não? Então a SEMILOAD vai te preparar.
Música é como qualquer outra arte em tempos digitais. Não só não tem fórmula perfeita, como muda o tempo todo – principalmente quando precisa se vender. De uns tempos pra cá, a mudança vem sendo notável.
Eu mesma comentei ano passado sobre dois pontos já muito claros na música atual: o primeiro é a diminuição do tempo das canções (pop, especialmente). A partir do momento em que os artistas ganham por número de streams – ou seja, quantas vezes a música foi ouvida –, torna-se necessário encontrar formas de fazer você ouvir novamente. Se a música é longa, você não vai ficar ouvindo em loop; é matemática simples. O resultado é aquelas faixas minúsculas, com 2 minutos ou menos, que frequentemente acabam antes que você consiga digeri-las.
O outro ponto, que eu trouxe com músicas como “Blinding Lights”, do Weeknd (foto acima), é a inserção de um refrão (ou algo que lembra o refrão) logo no início da faixa – pensando que um stream, para o Spotify, conta só se você ouviu pelo menos 30 segundos da música. Isso fica claro em váaaarias músicas, a exemplo da viral “Girl like Me”, da Shakira/Black Eyed Peas. Logo a gente, com atenção tão difusa, precisa ser convencida a ouvir algo interessante antes de decidir tacar um “skip”. Melhor já entregar o ouro, certo?
Pois é. Eis que surgiu um ótimo artigo (como sempre, porque esses caras são incríveis) do Nate Sloan e Charlie Harding – a dupla Switched On Pop – para o “New York Times”. Nele, os músicos-musicólogos analisam as novas tendências com um olhar ainda mais atualizado. Otimistas, celebram o fim de uma certa estrutura tradicional, de verso-pré refrão-refrão.
Nisso, os autores já me desbancam (ou sustentaram meu ponto?) afirmando que o refrão, hoje, nem sempre precisa existir. O argumento deles é o seguinte: o que existe agora – e é um termo inclusive utilizado por compositores – é o “hook” no lugar do “chorus”; em bom português, tem que existir um gancho, que não necessariamente é um refrão de alguns versos cantado várias vezes ao longo da música.
Esse gancho pode ser, inclusive, o famoso “drop” – aqui eles listam “We Found Love” como um exemplo de hit da última década, já pautado em uma nova lógica. E, de fato, o ponto alto da faixa não é o momento em que Rihanna (foto na home) canta o verso que dá nome à música, mas quando a canção cai no clímax eletrônico. Sabe do que eu tô falando?
Pois eu cubro a aposta de Nate & Charlie e ainda acrescento: essa espécie de drop pode ser simplesmente uma viradinha, que é suficiente para tiktokers e afins. O drop é muito comum em músicas derivadas do EDM (e foi extremamente comum nos anos 2010) e ainda reaparece em canções populares, feito nas músicas do Major Lazer.
Mas às vezes não precisa ser tudo isso. O que a música precisa ter é um ponto em que ela se transforma – ou até pausa: só o “Stop, wait a minute”, de Uptown Funk, já é hit no TikTok. É nesse momento que os virais são criados: você dá tudo que as pessoas querem, fornecendo um clímax rápido para uma transição audiovisual. E, mesmo que você não esteja preocupado em viralizar, é um aspecto interessantíssimo de qualquer forma: nada te destaca melhor de uma multidão de músicas previsíveis que uma surpresa bem construída.
Mas outro gancho fortíssimo – e que a galera sacou aqui no Brasil talvez com muito mais antecedência e sucesso que os americanos – é aquela melodia pegajosa. Não necessariamente a do refrão: uma mais marcante, um gancho real, como no que muita gente por aí chama sabiamente de “toquinho” (lê-se tóquinho; não confundir com o artista Toquinho).
Nada supera a força de uma melodia infalível, que conversa com os vocais, mas não é a mesma que a deles. Esse é um elemento que o funk e o piseiro já incorporaram há muito tempo, recuperando a “flauta envolvente que mexe com a mente” de Bach para tornar uma música inesquecível. Um salve pro Mc Fióti.
Aliás, não estamos inventando a roda aqui – esse é um recurso clássico. Mas ele vem aparecendo com frequência, especialmente no início da faixa. Voltando ao exemplo de “Blinding Lights”: o que te conquista é aquela melodia com tratamento anos 80, muito antes de ouvir o Weeknd cantar.
E, se você analisar bem a história do “toquinho” e do drop, vai encontrar um personagem essencial para a nova música: o produtor. Não é à toa que DJs e produtores passaram a se tornar estrelas também – quando as canções eram naquele formatinho clássico de banda, era difícil precisar a contribuição do produtor; você valorizava mais os compositores, que muitas vezes eram (ou fingiam ser) a própria banda. Hoje, Calvin Harris e Rihanna dividem créditos porque sabemos que não foi ela quem deu o toque principal da música. E, de repente, nomes feito Mark Ronson, Diplo, Timbaland, Pharrell não importam só para quem tá dentro da indústria: são beeem conhecidos pela gente, também.
Nada disso é de agora. O produtores não ficaram importantes: sempre foram; esses elementos todos sempre existiram também em alguma medida. Mas a combinação desses fatores – tamanho da música, estrutura mais solta, melodia marcante logo no início – é um combo extremamente atual. ou ainda: “Light My Fire”, dos Doors, seria uma música a cara dos anos 2020 se, para início de conversa, tivesse um terço da duração (e um clipe nonsense com feat. da Doja Cat).
Afinal, vale fazer tudo isso e seguir fórmula para ganhar dinheiro? Para os românticos, respeitar fórmulas pode soar como um enterro da criatividade; o que é verdade, em partes. Mas, para mim, o curioso é que não se trata somente de uma estratégia de mercado: são truques psicológicos, que buscam entender não só como driblar o algoritmo, mas como fazer algo que soe atraente para o público de agora (e isso já é beeeem diferente do que soava atraente há uma década).
É, afinal, dar aos fãs o que eles querem ouvir de novo, de novo e de novo.
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