Gaía Passarelli e as mulheres no jornalismo e na literatura musical

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Nossa próxima convidada para o takeover das minas, este dia em que a mulherada está comandando a Popload, é Gaía Passarelli. Ela já foi dona de site, VJ da MTV e repórter de música. Hoje é escritora de viagem, autora do livro “Mas Você Vai Sozinha?” (Globo Livros, 2016) e do blog How to Travel Light. Ela tem um pedido: parem de falar que não existe mulher na crítica musical! Elas estão aí, basta a gente reconhecer.

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Gaía em foto de Camila Svenson

Em busca das mulheres que ouvem música

Semana passada, sentada na sala de casa com o boy, ouvindo Lou Reed. Caímos no assunto Bowie (hey! é um dos meus assuntos preferidos!) e começo a contar uma história da carreira dele. Uma hora o boy me interrompe e manda essa: “Puxa, mas por que você sabe dessas coisas?” Aí eu tenho que lembra-lo de que fiquei mais de dez anos no jornalismo musical, indo do mais indie ao mais mainstream possível. E que, antes de tudo, eu gosto de música tanto quanto ele. Talvez eu tenha até começado a gostar de música de um jeito nerd antes dele.

É um tipo de admiração, eu sei. E nem vou entrar aqui na análise do mito da “mulher que gosta de música enquanto fetiche pra adolescentes de 40 anos” (dica: é parecido com o mito da manic pixie dreamlike girl, algo a ser evitado). O lance é que todas as minhas amigas gostam de música. Várias delas entendem muito (muito) mais de música que eu, inclusive dentro de ultra-nichos como hip hop da costa leste, pós-disco, proto-techno ou alt-country.

E no entanto, a nossa formação cultural foi totalmente ditada por homens. Se você tem algo entre 30 e 40 e lia sobre música nos cadernos de cultura aqui no Brasil, a chance é que você teve a cabeça formada pelas mesmas pessoas que eu. E essas pessoas são homens brancos de classe-média pagos para emitir por aí as suas opiniões temperadinhas com polêmica. Mulheres? Consigo citar a Erika Palomino e a Cláudia Assef, ambas admiradas dentro dos nichos de cultura clubber, moda e música eletrônica. Eu nunca me vi como a Erika ou a Cláudia porque sempre estive ocupada demais tentando provar meu valor para meus pares homens. Mas só fui perceber isso dando entrevista pra uma jovem repórter de música, depois de sair da MTV Brasil, lá em 2013. Ela queria saber “Como foi ser mulher cobrindo musica?” “Como assim?” respondi. “É um meio muito machista, né?”. Disse que, bom, machista é o mundo, a música só reflete isso.

Mas ela me fez pensar, é claro. Eu nunca tinha visto dessa forma quando estava “no meio”, mas quantas vezes tomei cantada de um ou outro entrevistado e sorri apenas para levar a entrevista em frente? Quantas vezes não fui o elemento estranho ousando emitir minha opinião no meio da rodinha de caras-apreciadores-de-discos-de-vinil? Quantas vezes não fui zoada pelas costas (e, sim, a gente fica sabendo) por querer ser mais que a moça bonita na mesa do bar? Quantas vezes usei de um sorriso bonito e voz doce para quebrar a antipatia do entrevistado?

Não estou sozinha nisso. Pesquisando o assunto ontem, caí neste post da Lina Lecaro na Noisey, o braço musical da Vice, em que ela narra exatamente a mesma coisa. Há mais vários relatos parecidos no livro “The First Collection of Critisicm by a Living Female Rock Critic”, da Jessica Hopper, articulista e crítica musical com mais de vinte anos de carreira. Minha carreira no jornalismo musical não é nada parecida com a dela, é claro. Mas não diminui um fato que toda mulher sabe e entende: todas nós temos histórias bastante parecidas para contar.

O mito da falta de mulheres no jornalismo musical

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Olhando a minha estante de livros de música percebi que ela é muito parecida com a minha coleção de discos: os nomes nas lombadas são majoritariamente masculinos. Os livros de mulheres estão na categoria “memórias”: os livros da Patti Smith, o livro da Angela Bowie, dois livros de memórias do rock’n’roll por ex-groupies, o livro da Kim Gordon, o “Hunger Made Me a Modern Girl” da Carrie Browstein. Elas são outra coisa: são artistas contando suas trajetórias.

Mas isso não significa que as mulheres da crítica musical não existam. Pelo contrário. O que acontece é que elas são bem menos reconhecidas que seus pares homens, exatamente como acontece em outras áreas. A mulher não tem espaço na especialização. Por quê?

Existe uma teoria que diz que mulheres tem menos tendência a mergulhar profundamente em obsessões. Como mulher constantemente obcecada, acho difícil acreditar nisso. Chutar que homens são mais realizadores explica? Também não acho. Acho que a explicação mais simples normalmente é a correta e apostaria minhas fichas em dizer que o mundo da música (e da crítica musical por tabela) é exatamente como todo o resto do mundo: machista e disposto a colocar a mulher “no seu lugar”, que é o de coadjuvante. Mulheres são musas e fetiches. Madonna, Bjork e Patti Smith são exceções. Lide com isso.

Mas não. Se antes nós dependíamos de abrir espaço na cotovelada entre os colegas homens, eternamente esperando a chance dada por editores descrentes para provar que não somos necessariamente fãs apaixonadas a fim de transar com os artistas, hoje os fóruns, conferências e grupos criados de e para mulheres provêm um espaço para troca de experiências e oportunidades.

Novamente citando o artigo da Lina Lecaro, “jovens mulheres atravessando situações difíceis hoje tem o benefício de contar com a sabedoria de suas irmãs”. Esses espaços, virtuais ou IRL, são ferramentas poderosas não só para nos celebrarmos e apoiarmos, mas para enxergarmos que não estamos sozinhas. Um deles acontece aqui em São Paulo no final de semana dos dias 17 e 18: o Women’s Music Event, plataforma de e para mulheres que vai apresentar debates, workshops criativos e shows durante dois dias. A madrinha do evento* esse ano é a essencial Marina Lima. Mais informações em http://womensmusicevent.com.br. (*n.e.: também falamos sobre este evento hoje, neste post.)

Um #InternationalWomensDay de consciência e união para todas nós! Vista vermelho, vá pra rua com suas manas, ouça e faça sua música. Pra quem quiser ler mais, deixo esta ótima lista do Flavorwire com mulheres que você precisa ler. É de 2011, mas vale. E fique à vontade para colocar aí nos comentários as suas sugestões, inclusive de blogueiras e escritoras brasileiras. Nós precisamos.

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