Ainda o Carnaval. A música brasileira é tão rica que em sua maior festa nacional anual ela abre espaços para todos os mais diversos gêneros, para muito além da MPB festiva. Pprincipalmente gêneros esses que são abraçados diariamente em lugares como a Popload e são até considerados “marginais” no perfil sonoro carnavalesco, mas que de um jeito ou de outro cavam sua presença.
Seja nos rolês dos blocos no país inteiro, tipo o punk brasileiro em ritmo de batuque, galera bombando com charanga de metais, roqueira brasileira com cara de bandida que tem um bloquinho famoso toda em sua homenagem.
E o que falar em festivais, a grande onda da música brasileira nos últimos anos.
Sim, o Carnaval guarda um grande festival indie de quase 30 anos de existência já, o Rec-Beat, que acontece na fervidíssima Recife e junta em seu palco de rock, hip hop, cumbia, funk, house.
De dentro do Rec-Beat, o colaborador Luan Gomes, de Recife, conta como foi a folia indie do festival pernambucano mais democrático da festa mais democrática do Brasil.
Que a dobradinha Olinda/Recife é destino de muita gente no Carnaval não é novidade. E no meio da festa mais democrática do Brasil também tem espaço para sons alternativos, por que não? Agora em fevereiro, fomos conferir o Rec-Beat, festival que rola há 29 anos, e que já trouxe nomes como Mudhoney, Bomba Estéreo e La Dame Blanche em sua escalação… carnavalesca.
A folia rolou entre sábado, 10 de fevereiro, e terça-feira de Carnaval, dia 13. Assim como nas edições anteriores, o Rec-Beat aconteceu no Cais da Alfândega, no Bairro do Recife. E, ah, sempre bom lembrar: acesso gratuito!
Já anunciadas anteriormente, Letrux e Ebony se juntaram a outros destaques do pop e do indie nacional como Mateus Fazeno Rock, Ana Frango Elétrico e Urias (foto acima) — sendo os dois primeiros responsáveis de dois dos melhores álbuns de 2023. Também um grande catalisador da cena local, o Rec-Beat abre espaço para revelações pernambucanas: entre alguns destaques deste ano estavam nomes como o do Nailson Vieira, de pop caribenho, e o compositor Ivyson, de MPB.
Como comentamos, outra parte essencial da programação é o habitual intercâmbio de sons internacionais. Assim, atrações colombianas como o techno tropical do grupo Ácido Pantera e da DJ Loa Malbec somam aos belgas da Echoes of Zoo, banda de punk jazz (abaixo).
Conferimos de perto o último dia do festival (terça-feira, dia 13), que contou com o techno da DJ pernambucana Geni — que também comandou os intervalos entre os shows seguintes; o Afoxé dos Filhos de Dandalunda; os belgas do Echoes of Zoo com seu jazz psicodélico; a produtora alemã Sarah Farina; o trio eletrônico comlombiano Ácido Pantera; e a sensacional Urias, com show do seu mais recente disco, Her Mind (2023).
O festival é indie, mas o público é de Carnaval. Isto é: de tudo um pouco. Se o ambiente já não fosse único o bastante com o que já foi falado, tudo fica incrível com a visão materializada de famílias e jovens de ecobag assistindo juntos o espetáculo que foi a Urias entrando no palco de passista de escola de samba.
Nem era preciso, mas não só no look ela foi o centro das atenções, sendo a performance toda chique elegante, mas não fervorosa. Com o pop e R&B de um dos nomes mais inventivos da cena, o festival fechou de forma glamurosa. “Tô muito feliz de tocar em carnavais, nunca achei que fosse tocar em carnavais, por conta disso, sabe? [Ter um som mais puxado para o R&B}”, comentou a artista.
Da mesma forma, se o Carnaval tem seus símbolos e ritmos mais populares, a descoberta também é muito bem-vinda no palco do Rec-Beat, e foi nesse clima que o jazz psicodélico-experimental-instrumental-pseudoibérico do Echoes of Zoo ganhou seu espaço e, da sua maneira, foi envolvendo o público em um transe sônico mais visceral do que virtuoso, como sugere a descrição sonora da banda.
“Aqui é bem diferente da Bélgica, mas tem a mesma filosofia, de culturas diferentes coexistindo, cada um trazendo o que tem melhor… Me sinto em casa em lugares assim”, nos disse Nathan Daems, saxofonista do grupo.
A já muito bem pavimentada ponte latina do festival foi exemplarmente representada e recepcionada na pista do Cais da Alfândega na terça-feira de Carnaval. Os colombianos do Ácido Pantera (abaixo) trouxeram seu house-electro cumbiado e motorizado, numa performance que amplifica as muitas conexões estéticas presentes no som do trio.
O vocalista, e tecladista, e maratonista quase, Juan Por Dios tem toda a energia e a entrega de um Thomas Mars, do Phoenix — para ficar num paralelo minimamente próximo musicalmente.
Sendo também um espaço para descobrir novos sons, o Rec-Beat com certeza conectou ainda mais seu público à cena crescente de indie latino que finalmente tem sido destacada mundo afora. “Como latino-americanos, temos muito em comum, e ficamos muito felizes vendo momentos como esse, onde estamos unidos pela música e pela dança”, comentou Diego Veira, tecladista do trio.
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Unindo sons e estéticas diferentes, o Rec-Beat no ano que vem completa 30 anos, e história é o que não falta. No início, o festival foi um dos principais espaços da cena manguebeat nos anos 1990, e no ano passado foi sancionado como patrimônio imaterial do Recife.
Porém, ano a ano a curadoria se preocupa em refletir o cenário independente atual, o que não deixa de conversar com o legado inovador presente desde o começo.
As principais atrações nacionais, de Ana Frango Elétrico a Rico Dalasam, passando por Ebony e DJ K, todas elas vieram ao palco do Rec-Beat com trabalhos lançados recentemente. “Essa é uma preocupação que nós temos, de sempre estar conversando com o que é atual e relevante. Dos headliners, todos estão com discos novos, não é só pelo nome”, destaca Gutie, fundador do festival.
Ano que vem tem Rec-Beat 30 anos. Cardápio alternativo no meio de um dos mais bombados carnavais brasileiro. Vamos?
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* Post produzido e escrito por Luan Gomes.
* Todas as fotos são de Hannah Carvalho (@hnnhcrvlh)