Entre o som, a música e o invisível. Edgar fala sobre seu momento mais experimental, a parceria com Os Fita e o show inédito no Novas Frequências, sábado

Em fase de investigação radical dos limites entre música, som, linguagem e mais, o rapper paulista Edgar se prepara para um show que é a cara do seu momento. Nos respondendo direto da Amazônia, o artista – músico, compositor, performer, poeta, artista plástico e um dos nomes mais inventivos da música brasileira contemporânea – acaba de encerrar uma residência no Lab Verde, programa imersivo que cruza arte, ciência e biologia no coração do Rio Negro, no Amazonas. O cenário diz muito sobre o contexto de criação que vem se propondo a explorar.

Aos 32 anos, nascido na periferia de Guarulhos e atualmente morando na capital de São Paulo, Edgar chega à estreia paulistana do Novas Frequências em sua 15ª edição com um show inédito ao lado do duo carioca de produtores musicais Os Fita, parceiros que ele define como “uma esquizofrenia bipolar musical”. O encontro, que já rendeu a faixa “Incapturável” em Universidade Favela (2024), agora se desdobra em um álbum colaborativo previsto para o início de 2026.

Os ingressos para o último dia de Novas Frequências, no sábado, com shows de Edgar & Os Fita e mais, estão disponíveis aqui.

Na conversa, Edgar fala do retorno às raízes do reggae e do dub, das novas investigações em sound-art, das línguas que passam a atravessar sua escrita e de como a Amazônia se tornou gatilho para um novo ciclo criativo — uma espécie de “panspermia artística”. O artista contou que vive “um momento de se colocar em contato com o invisível”. A frase sintetiza um ciclo de expansão que atravessa tanto sua criação musical quanto sua atuação como artista sonoro, performer e produtor.

A presença de Edgar neste sábado junto aOs Fita no Novas Frequências marca a fase mais aberta do artista, mesmo depois de uma série de três álbuns que já operam num território híbrido entre rapmúsica eletrônica, paisagens acústicas imaginação utópica.

Agora, contudo, ele se encontra em plena investigação dos limites entre som e música, com desejo declarado de aprofundar criações que escapem da estrutura canção. Quero colocar mais sound-art na rua. É investigar o som, não necessariamente fazer música”, disse, reforçando a importância individual do timbre, o analógico, a captação, o piezo e o ruído em sua obra.

Os três trabalham em um álbum conjunto previsto para janeiro de 2026, fruto de encontros que jamais obedeceram a um plano rígido. “Quando a gente se junta, sempre sai coisa”, brincou.

Os Fita. Foto de Marcelo Mudou (@otimokarater)

Eu acho que tá um lugar onde não tem vergonha, não tem pudor, não tem papas na língua, tipo, várias questões que, sei lá, outros produtores, às vezes, problematizaram ou pensaram em censurar – gravadoras, produtoras… Os Fita é um campo aberto para experimentação mesmo, assim, então, tipo tem umas canetadas bem doida mesmo, assim, tipo de questão política, questão pessoal, letras meio viajadas” – Edgar

Agora, a parceria entre Edgar e Os Fita vira um núcleo criativo mais profundo. O disco reúne influências da cumbia,dancehalldrum’n’bassrapgaragefunk hall e elementos espirituais que orbitam a pesquisa atual do artista — um movimento que, segundo ele, não é exatamente novo, mas uma retomada das origens. Eu tenho uma história, tenho uma trajetória e eu tô tentando voltar a olhar para ela e jogar luz para ela mesmo. É tipo pegar o pivete de dread que escutava Midnite, tá ligado? E entender o que ele tem para compartilhar agora nesse meu eu musical também”, refletiu.

“Acho que esse primeiro álbum de reggae que vai sair aqui também, em 2026, ainda é uma paisagem sonora de vários modos de se fazer esse reggae, né? Dub e tal. E, tipo, mesmo não sendo reggae os meus sons que eu tinha gravado, sempre teve uma perspectiva dub mesmo, assim – no tratamento da mix, o modo de fazer a masterização, usufruir de produtos de elementos analógicos.”

Esse retorno se expande num novo projeto: um álbum de reggae previsto para 2026, primeiro de uma série dividida em volumes, cada qual explorando metodologias distintas do gênero. É uma cultura muito influente para quem faz música no Brasil, para quem gosta de fazer música no Brasil, reggae é foda, mano. Tipo, sei lá, para mim é uma escola, tá ligado?” As novas composições também abrem espaço para a circulação de idiomas: “Tô escrevendo cada vez mais em espanhol, francês, inglês. No volume 2 a maioria das músicas estão em inglês”, adiantou.

Prestes a se apresentar no palco do Novas Frequências no último dia do festival, Edgar descreve o espetáculo com Os Fita como uma prática pós-ritualística, mais próxima de improviso, psicodelia e modulação vocal do que de um show convencional. Não estamos presos às músicas do disco”, adiantou. Ele afirma que essa abertura tem lhe permitido explorar novas possibilidades de voz, a partir de novos usos do grave, do agudo e do falsete.

No centro desse processo está a busca por um gesto artístico que acompanhe suas inquietações atuais. Entre a floresta amazônica, o estúdio com Os Fita e a preparação para um ciclo de novos trabalhos, Edgar chega ao espaço inusitado da Central Técnica do Theatro Municipal, no Canindé, com um repertório em metamorfose para o Novas. O festival, que historicamente acolhe práticas experimentais e investigações de fronteira, se torna o palco ideal para essa fase incapturável do artista. “Nada termina igual quando começa”disse. “É uma grande viagem. Aperte os cintos e vamos juntos nessa.”