Disco novo de Olivia Dean dá vida ao (bom) pop romântico. Ouviu essa, Harry Stiles?

Imagine abrir a geladeira e ouvir Feist cantar “1234“ enquanto passa a manteiga em seu pão. Regina Spektor surge ao lado do seu café e Corinne Bailey Rae abre a janela para o sol entrar ao som de “Put Your Records on”. Na prateleira de cima, Sara Bareilles e KT Tunstall dão o coro de boas-vindas, enquanto Norah Jones tempera a cena com um piano ensolarado, o toque melancólico e fofo que toda manhã perfeita precisa, antes de os filhos comportados irem a escola. 

É claramente a trilha sonora de uma vida que só existe em comercial de margarina, de operadora de telefonia ou de banco “humanizado”, mas que embalou rádios e paradas dos anos 2000, sem falar na playlist de muitas mães antes que o fenômeno Adele chegasse para monopolizar esse trono.

De gerações em gerações, sempre precisamos de um pop romântico para manter acesa uma certa esperança do mundo. E neste final de semana que passou, com o lançamento do álbum “Art of Loving” e um boom de popularidade nas redes, parece que encontramos a candidata perfeita para os tempos atuais: Olivia Dean.

Muito mais para uma tacinha de vinho tinto do que para uma torrada com manteiga, a britânica Olivia Dean carrega na bagagem o reconhecimento da crítica com seu debut “Messy” (2023), que lhe rendeu indicação ao Mercury Prize do mesmo ano.

Agora, retorna com o ótimo representante do gênero soul-pop: “The Art of Loving”, capa abaixo, um álbum menos preocupado em provar algo e mais interessado em exibir sua evolução natural.

Começando por “Man I Need”, lançada como single mês passado, a faixa já virou o carro-chefe óbvio do disco e estacionou no segundo lugar nas paradas britânicas nos últimos dias. Olivia Dean contou que a canção foi feita para dançar e fala sobre “saber como você merece ser amado e não ter medo de pedir por isso”. Ingênuo? Talvez, levando em consideração que o manual do amor moderno vem com a cláusula do sumiço repentino.

O vídeo em si repete a fórmula de “Nice to Each Other”, o primeiro single do álbum que a imprensa jurou ser recado para um ex-crush de nome Harry Styles. Novamente, vemos Olivia em um set de filmagem onde cenários giram ao seu redor enquanto potenciais parceiros aparecem e desaparecem. À medida que o vídeo avança, a equipe de filmagem monta diante dela cenários românticos quase caricatos como banco de parque, sacada, compondo uma estética metalinguística que sugere como o amor, tantas vezes, se apoia em cenários idealizados.

Em “So Easy to Fall in Love”, mais uma vez exportamos o verniz cool e sofisticado da nossa bossa nova. Dean provavelmente acordou um dia e pensou “Ah vou meter uma bossa nova aqui que fica chique”. Ficou bem bom. O suficiente para emitirmos um CPF para a diva? Talvez. Mas, como todo gringo que acha que descobriu o Brasil no violão sincopado, Olivia ainda precisa encarar a fila do consulado sonoro: Billie Eilish já tinha usado o truque, Laufey transformou em marca registrada, Stereolab e até Thievery Corporation já carimbaram esse passaporte bem antes. Dean pode até entrar, mas com o respeito de que nossa bossa segue sendo a língua universal do amor suave.

E, quando os créditos finais de uma comédia romântica com final agridoce subirem, lá estará a faixa “Baby Steps” com sua melodia grudentinha e irresistível (“ba-ba-ba-baby steps”). Surpreendente? Nem tanto: Olivia Dean já deixou sua marca no cinema com “It Isn’t Perfect but It Might Be”, escrita para a trilha de “Bridget Jones: Mad about the Boy”. 

“The Art of Loving” talvez não revolucione nada, mas entrega o que a música pop sempre prometeu em seus melhores momentos: lembrar que o amor, seja romântico, platônico ou voltado a si mesmo, ainda encontra sua trilha sonora.

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* A foto de Olivia Dean deste post é de Lola Mansell. A que está na chamada da home é de Gwen Trannoy.