Conhecida dos leitores mais assíduos da Popload pelo disco “TMJNT”, considerado o melhor de 2017 pelo site, a banda gaúcha Supervão reaparece desta vez com “Amores e Vícios da Geração Nostalgia”, o disco mais diferente da sua carreira até aqui e seu segundo trabalho completo, digamos.
A gravação de dez faixas passeia entre referências da década passada e histórias dos dias de hoje, apresentada por sua nova formação e lançada em um novo momento da cena independente do Sul do Brasil _ momento inclusive de reconstrução por tudo o que aconteceu na região, inclusive a reconstrução musical.
Em suas primeiras aparições aqui na Popload, a Supervão era composta por três músicos, pesquisadores e produtores donos do selo Lezma Records. A Lezma foi um dos principais radares de novidades vindas da região, lançando artistas locais que sempre estavam presentes em festivais e eventos realizados no eixo Porto Alegre > São Leopoldo > Novo Hamburgo – a famosa rota do Trensurb, o trem que liga a capital aos subúrbios.
Essa movimentação que ligava centro e periferia trazia uma característica muito única para o que acontecia em Porto Alegre: a diversidade estética. Era possível ver punks, clubbers, emos, todos reunidos pela festa, às vezes tocando pós-punk, rave ou rock psicodélico. A cena local vivia um dos seus momentos mais diversos e interessantes, quebrando a ideia de uma estética única para o que era chamado indie.
Vindos desse contexto e até de outros que o antecedem, a Supervão chega a 2024 com um acúmulo de tudo isso – das coisas boas e ruins que a nostalgia indie pode trazer. Como diz Mário Arruda, vocalista da banda, ao final da faixa “Androids”: “O passado não volta e, quando volta, é diferente”. Essa frase capta o que talvez seja o ponto principal do disco: uma reflexão sobre a nostalgia e suas nuances.
A faixa de abertura, “Love e Vício em Sunshine”, já nos introduz a esse universo sonoro, com guitarras agudas e riffs que evocam o cenário nostálgico do indie do início dos anos 2000, remetendo a bandas como The Strokes e Franz Ferdinand. Essa estética permeia o restante do álbum, onde a semelhança dos arranjos com clássicos do gênero não surge como uma tentativa de imitação, mas sim uma homenagem e uma reinvenção. A ideia é reinterpretar acordes que, agora, dez ou 15 anos depois, ganham um novo sentido, ressoando para um público mais experiente e mais aberto.
Logo após essa introdução à estética do disco, em “Nostalgia” a ideia central é colocada em xeque, ganhando novos sentidos e interpretações. Mário explica: “Na música, a nostalgia é deixada mais em aberto, se é algo positivo ou complicado”, reforçando esse tom cauteloso com que a Supervão aborda o tema ao longo das dez faixas, sempre balanceando entre homenagem e questionamento, lembrança e recriação.
Outra das faixas, “Querendo um Tempo”, com a participação da talentosíssima Papisa, de SP, traz mais uma homenagem em seus arranjos. É inevitável não (re)lembrar os timbres e riffs despretensiosos do bedroom pop de Alex G, Mac DeMarco e até Clairo. Na sequência, “Cabelo”, com os vocais de Andrio Maquenzi da Superguidis, leva o ouvinte para guitarras mais sujas e baixos bem marcados. Essa sonoridade mais alta e potente aponta para o início do disco e recoloca o ouvinte na “vibe” que ele todo traz: remontar um cenário que transita entre guitarras altas e riffs mais limpos, uma montanha-russa que retrata muito bem esse olhar nostálgico sobre a vida.
No blog da banda, Mário comenta que AVGN “é como um grande diário que vem a público. Talvez uma biografia especulada, às vezes baseada em fatos reais que vivemos na pele, às vezes em fatos que assistimos acontecer com amizades muito próximas”.
De certa forma, a frase acima resume muito bem o que o disco se propõe a ser: uma espécie de diário, uma autobiografia coletiva, construída por muitas mãos. Não apenas um disco nostálgico como conhecemos, mas uma soma de experiências – sem querer soar apenas saudoso, mas sim consciente de que o que foi vivido, quando revivido, muda. E é isso que a Supervão traz: mudança.
A banda muda a sua formação, seu processo de composição e gravação, adiciona baixo e bateria ao vivo, deixa de lado os sons computadorizados e texturas sintéticas que foram fundamentais nos registros passados e agora se apresenta de forma mais crua ao público.
Sonoramente, conseguem valorizar uma das coisas mais interessantes da Supervão desde a sua fundação: a grande qualidade em produzir canções com início, meio, refrão e fim, sempre com frases bem marcantes que grudam na cabeça.
Desta vez, essas canções aparecem dando ênfase em suas letras e histórias, deixando um pouco de lado os beats e camadas que antes ajudavam a contar a história do tempo em que o grupo se encontrava.
Logo no final do disco, “Geração Nostalgia” amarra todas as histórias com uma mensagem melancólica: “A nossa geração já nasceu querendo nostalgia”. Nessas frases de encerramento, a banda consegue manter seu alerta aceso sobre a nostalgia e os sentimentos que ela provoca.
Talvez, nesse momento de tantas crises que se vive hoje (de ansiedade, de atenção), olhar para o passado com as lentes do agora, enxergando apenas seus dias bons, possa soar tentador, mas também míope em relação ao verdadeiro sentido que a nostalgia pode trazer.
“Amores e Vícios da Geração Nostalgia” é, sem dúvida, um dos lançamentos mais potentes da Supervão até aqui. É nitidamente um disco de soma de experiências e referências.
Sonoramente, o álbum não traz nada inédito se comparado a outras bandas da atualidade, mas olhando para a carreira deles é sim uma forma nova de musicar as histórias e vivências do grupo, esse que já pode ser chamada de coletivo, dadas as muitas mãos que fazem os discos, shows e corres acontecerem. Tudo transformado em músicas bem boas.
Falando em muitas mãos, é importante destacar também a capa criada pelo artista plástico e designer Filipi Filippo, as fotos da banda pela fotógrafa Sara Tavares, as gravações e lançamento feitos pelo novo selo da banda, Frase Records, e as outras muitas pessoas e grupos que participam deste registro e de seus desdobramentos.
Mais uma vez, Supervão e toda a sua “galera” trazem um registro importante do momento em que a cena – ou pelo menos um recorte dela – vive em Porto Alegre, por que não, em São Leopoldo, Novo Hamburgo, Sapiranga e todas as vias ligadas pelas linhas do trem.
* O disco (capa acima) já se encontra disponível em todas as principais plataformas de streaming e será tocado ao vivo em duas datas no Sul do país (por enquanto). No dia 22/11, sexta-feira, eles lançam seu disco na casa Outro Mundo Acontece em Novo Hamburgo. Já no sábado, dia 23, a Supervão executa na íntegra seu novo lançamento no Hum Rooftop em Porto Alegre, com DJ set de duas garotas locais, Luiza Pads e Jade Primavera, além de contar com a abertura da banda Ovo Frito, também de Porto Alegre.