* Talvez o disco mais curioso lançado nos últimos tempos no Brasil, “Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo”, da cantora Sophia Chablau com sua banda Uma Enorme Perda de Tempo (Ok até aqui?) é o melhor disco carioca que uma banda indie paulistana poderia fazer hoje.
Mas veja, a ótima CENA atual do Rio de Janeiro é totalmente referencial à vanguarda paulistana dos anos 80, quer eles realmente queiram isso ou não.
Então o que Sophia e rapazes estão fazendo é buscar o que é deles, embora eles tenham ido pedir licença para uma das maiores artífices do novo som carioca, Ana Frango Elétrico, que produziu este álbum que está sendo lançado agora.
Seria muito óbvio imaginar que Sophia e sua turminha, quarteto na média de 21 anos, se apaixonou pela nova música do RJ sem ter ideia de onde esta bebe seu ritmo, seu jeitinho vocal, suas letras de cotidiano algo irônicas, sem ter ideia do que acontecia no palco do extinto clube Lira Paulistana, em Pinheiros, ou em improvisações de shows em cantos da USP nos anos 80, não fosse que: o pai de Sophia, o músico Fábio Tagliaferri, tocou na última fase de uma das bandas que mais dão a cara a essa intelligentsia musical de SP, o lado indie da “cena rock anos 80” que tomou o Brasil. Ele foi do grupo Rumo (procure entender!).
E repare. Estou dando voltas no texto sem sair do mesmo lugar referencial. Porque não há lugar para ir, mesmo: está tudo explicado. Ou tudo se autoexplica.
Tanto a cena paulistana dos anos 80 quanto a CENA carioca atual tem suas genialidades e suas irregularidades gritantes, altos e baixos que estão refletidos em “Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo”, o disco. Mas, no que o álbum é bom, interessante e, de novo, pega na curiosidade, ele é bem bom. E superconectado com o que se propõe. Você consegue enxergar a paulistanidade de Sophia misturado a sombras de Letrux e da própria Frango. É bem Rita Lee, mas é total Vovô Bebê e Thiago Martins. Tem guitarrinha Arctic Monkeys, tem bossa nova, tudo junto. É superdirecionado, mas é plural também. Como a CENA arty do Rio.
Antes de eu entender metade do que eu entendo hoje da formação de Sophia, por que esse disco e por que esse disco hoje, quem é essa galerinha que a acompanha e de onde eles todos vêm, quis saber a fundo o que é essa carioquice deles, no caso bem representada pela produtora Ana Frango Elétrico. E como assim a Ana Frango Elétrico, tão nova, para produzir uma banda de SP tão nova.
E ouvi o seguinte da Sophia:
“Eu, o Theo (Ceccato, baterista) e o Vicente (Tassara, guitarrista) viajamos para o Rio de Janeiro e ficamos na casa da familia do Vi, em 2018. Foi para conhecermos mais o que a cena do Rio tinha de legal. Fomos de ônibus num esquema que eu descobri que era via Guarulhos; a passagem custava 70 reais, algo assim, mas a viagem ia parando muito daqui até lá e acabava demorando de 9 a 10 horas para chegar.
Conhecemos a Praça Tiradentes, a Audio Rebel, saímos com a Laura Lavieri, Caio Paiva, talvez tenhamos ido à praia. Foi uma viagem muito especial. Nela compusemos ‘Deus Lindo’ numa noite enlouquecida. O Vicente e eu dormimos em beliches e numa fatídica noite choramos juntos. Ali pra mim começou a rolar uma troca mais profunda com os dois, mas não exatamente musical, mas absolutamente musical. Tudo foi acontecendo lentamente e não tínhamos a menor pretensão de nos tornarmos uma banda.”
Ouvi assim do Vicente:
“Era a primeira vez que viajávamos juntos, eu, Theo e Sophia. Lá a gente combinou de encontrar uns amigos cariocas da Sô para dar um rolê. Devia ser umas 2h da tarde quando a gente tomou a primeira cerveja no Bar do Ovo, em Botafogo. Logo ali o dia começou a ficar bem esquisito, quando deu na TV do bar que o Bolsonaro tinha levado uma facada em Juiz de Fora. Todo mundo no bar ficou em choque olhando para a TV, nós inclusive. Nessa situação, numa cidade estranha, sem conseguir nem tentar imaginar o que se seguiria no país naquele tumultuado ano de 2018, só continuamos em nossas aventuras alcoólicas pela cidade. Fomos de bar em bar, de garrafa de 600 em garrafa de 600. A certa altura, um pouco derrotados – a noite já tinha caído -, trombamos a Laura Lavieri, tomamos uma coca para repor as energias, e fomos conhecer as casas de show do centro: o Escritório e o Aparelho.
A essa altura, já estava bem tarde. Subimos a escada para entrar no Escritório e ficamos esperando a hora de o show daquela noite começar. Estávamos meio exaustos, e a Sophia, com sua incrível habilidade de adormecer em qualquer lugar ou rolê que seja, acomodou-se em algum canto da casa e dormiu. Ficamos, então, eu e o Theo e a Laura esperando o show começar. Quando finalmente rolou, choque total. Era um show de puro noise, harsh noise, guitarra atonal incompreensível, essas coisas muito loucas das quais até então eu só tinha ouvido falar, e nunca testemunhado com meus próprios olhos. Eu e Theo, absolutamente boquiabertos, tentando entender aquele ritual absurdo que se passava na nossa frente. Mas não estava dando, só queríamos ir para casa. O problema, contudo, era convencer a Sophia. Porque quando a Sophia dorme num rolê – e nossa, com que frequência a Sophia dorme no rolê… – é difícil tirar ela de lá. Íamos dar um toque nela, ela abria os olhos, falava “Não, gente, vamo ficar, to adorando”. Aí fechava os olhos novamente e voltava a dormir.”
Por uma boa meia hora, ficamos lá, plantados na porta do Escritório, em pleno centro do Rio, 1h da manhã, dormindo em pé, até conseguirmos enfim tirar a Sô lá de dentro e voltar para casa. No banco de trás do táxi, eu ficava me perguntando: “Mas é esse o tipo de música que os cariocas curtem? Que loucura” E foi assim meu primeiro contato com a cena musical carioca.
(Continua…)
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* Confira o álbum “Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo” aqui embaixo.
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* Sophia Chablau e a banda Uma Enorme Perda de Tempo fazem live de lançamento do disco no próximo dia 22 de abril, às 20 horas, no Palco Virtual do Itaú Cultural.
** Além de Sophia, Vicente e Theo, o quarto integrante da banda é Téo Serson, baixista.
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