Um dos casais mais famosos da música brasileira atual, os goianos Salma e Mac se lançam de dois jeitos em São Paulo, neste final de semana. Primeiro nesta sexta, 23, com sua banda Carne Doce, fazendo na Casa Natura Musical, em Pinheiros, fazendo na capital paulista o show de lançamento do álbum “Interior”, lançado lá em 2020 mas sem sua realização ao vivo por causa da pandemia.
Já no domingo, 25, os dois mostram no Bona Casa da Música o show de seu primeiro álbum como dupla, “Voo Livre”, este lançado agora no finalzinho de agosto.
Começam sexta meio rock goiano, encerram no domingo tipo bossa nova.
“Voo Livre”, o “disco a quatro paredes”, foi produzido pelo onipresente Alexandre Kassin, produtor carioca bastante requisitado na MPB. Kassin gravou desde Los Hermanos até Caetano e Jorge Mautner. E Ombu. E Salma e Mac.
Nesse “Voo Livre”, o duo apostou em canções mais intimistas, acústicas, com letras mais curtas e menos instrumental, mas sem deixar de lado o tom sensual, marca registrada do Carne Doce. O disco tira o casal para fora de Goiânia. É como um mergulho na praia do Leblon numa tarde de sol no início do outono, nem muito quente como “Tônus”, nem muito visceral como “Princesa”. Fresquinho, elegante, no ponto.
Para entender melhor o lado banda e o lado duo do casal, a Popload, na figura da colaboradora Dri Cruxen, entrevistou Macloys Aquino, o cara por trás dos arranjos de guitarra, fã de Vinícius, Tom Jobim, Jorge Ben.. E o marido de Salma Jô, a voz e o corpo do duo e do Carne Doce.
* por Dri Cruxen
A ideia surgiu durante a pandemia. O Carne Doce, assim como todo o mercado da música, foi muito penalizado sem agenda de shows. Então pareceu urgente produzir com o que tínhamos nas mãos, apenas nós dois, voz e violão. Assim surgiu o primeiro EP, “Salma e Mac”, no início de 2021. Em dezembro, o Carne Doce tocou no Rio de Janeiro, era o começo da retomada, e Salma e eu aproveitamos para tirar uns dias na cidade. Foi aí que conversamos com Kassin, mostramos algumas canções, ele elogiou e ficamos muito empolgados. Em abril de 2022, voltamos ao Rio e gravamos o disco em dupla com ele.
No último dia da viagem, algumas horas antes de tomarmos o avião de volta para Goiânia, fizemos o salto de asa-delta. O dia estava lindo, fazia muito sol e a vista da Pedra da Gávea é de uma beleza imensa e absurda. Salma saltou antes e eu fui em seguida, a gente se cruzou no ar. Foi das sensações físicas, e também espirituais, mais incríveis e intensas da minha vida. É extremo e maravilhoso estar suspenso a 800 metros de altura, lado a lado com gaivotas. É silencioso. O instrutor que saltou comigo, Edson, é dos mais antigos daquele clube, tem milhares de horas de voo. Mesmo assim, logo que saímos da plataforma e começamos a planar, ele disse: “Deus é foda, né?”. Eu chorei.
O primeiro contato com Kassin foi em 2018, quando ele assistiu um show do Carne Doce no Circo Voador, no Rio. Então ele já conhecia o nosso trabalho quando nos encontramos no final do ano passado. Mostramos algumas canções voz/violão, ele curtiu e então começamos a conversar sobre a possibilidade de ele nos produzir. Gravamos em abril, passamos dez dias com ele em Botafogo, onde é o estúdio. Foi fascinante. Kassin tem uma inteligência musical extraordinária, é supercriativo e profundo pesquisador da música brasileira. Fiquei impressionado com a facilidade com que ele faz as coisas funcionarem. Porque ele também é um agregador. É riquíssimo estar com ele, pelas pessoas que ele atrai, pelas histórias que conta. É um cara superdivertido e amável. Ficamos encantados, e toda essa energia boa foi transmitida para o álbum.
Acho que queremos simplesmente experimentar mais linguagens. Talvez no próximo disco a Carne Doce volte a fazer rock mais pesado justamente porque estamos experimentando mais a MPB nesse projeto. Também vejo a abertura de uma nova possiblidade de trabalho. São projetos com entregas sonoras diferentes, que acontecem em espaços diferentes, que podem servir a públicos diferentes. Um jornalista português comentou que uma coisa é o palco suadão do pub ou do festival, e outra é o banquinho intimista do teatro. É por aí.
A gente tem como ofício fazer música autoral no Brasil. Passamos dias imersos nesse ofício. Mas quando vou pra rua e me deparo com o mundo lá fora, a indústria, o comércio, as Instituições, a infinita correria das pessoas em torno disso, eu penso que meu trabalho é tentar distensionar um pouco essa lógica, então sinto que somos abençoados. Poder fazer isso ao lado da pessoa que eu amo só dá mais sentido à coisa. Sobre ser duo, pode ser mais fácil sim, rápido, simplesmente porque envolve menos gente. Pode ser menos emocionante e divertido também, não sabemos ainda, vamos começar a ter essa experiência de verdade agora. Enquanto duo, sempre cuidamos da produção do Carne Doce, então até aqui foi semelhante, e tem funcionado bem nesses quase dez anos. Nossas personalidades se completam e isso ajuda muito a dar equilíbrio à rotina.
Foi uma escolha mais técnica. O repertório do Carne Doce foi composto para guitarra e eu passei uns meses testando possíveis harmonias para várias de nossas músicas no violão. São domínios bastante diferentes. Essas duas funcionaram melhor, mas ao vivo estamos tocando outras com novos arranjos.
Eu escolhi. Coube a mim a tarefa de adaptar músicas do nosso repertório para o violão. E “Hater” casou superbem. É um sambinha leve, divertido e fácil. Pra nós ela não tem esse peso, não é uma resposta, porque fala de um comportamento que sempre existiu, e que na Internet ganha contornos generalizados. Ela é aberta, universal, qualquer um pode enxergar suas próprias histórias nela, e geralmente é isso que acontece.
A gente comemora cada entrada em playlist, porque isso significa, antes de tudo, chancela. As playlists editoriais talvez respondam hoje à maior parte dessa expectativa de reconhecimento, o que antes era papel das listas de revistas, jornais e blogs. Mas ainda acho essenciais as resenhas.
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* As fotos de Salma e Mac deste post são de Victor Quixabeira e Sousa.