CENA – Popload entrevista Ana Frango Elétrico: “Acho que meu disco vai falar diretamente com as questões da comunidade LGBTQIAPN+”

Ana Frango Elétrico dá risada quando a gente repara que o nome de seu novo álbum, “Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua”, lembra o verso “Me Fode Que Eu Sou Sua”, presente em “Segredo”, de Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo. No caso, música de um disco que teve pós-produção dela.

“Bom, não tinha pensado nisso haha. Mas há boatos de que essa música foi feita inspirada em situações que eu estava vivendo e que antecedem o assunto do disco inclusive”, rebate a artista carioca, em entrevista à Popload.

Na última sexta-feira, Ana Frango Elétrico lançou seu terceiro álbum, aqui resenhado e que nos levou lindos 4 pês.

Na mesma semana em que lança seu disco, Ana se prepara para embarcar para Europa. Em pouco menos de duas semanas, ela vai percorrer Portugal, França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Holanda.

No meio dessa correria absurda de lançamento de novo disco, preparativos de turnê, participar de show de amigos etc., ela respondeu algumas perguntinhas sobre som, letras, a galera presente no álbum (Dora Morelenbaum, Alberto Continentino, Sérgio Machado, entre outros) e, por que não, a situação política do Brasil.  

E com toda gentileza do mundo Ana Frnago jogou um pouco de luz em nossas questões, ampliando um jeito de entender suas novas músicas e seu lugar no mundo.

A entrevista foi realizada por email, em tópicos. 

– A pesquisa sonora do álbum
“Acho que é bastante organizada mesmo. Sinto que tenho protagonistas e estruturas que já sei de antemão que vão ser estruturais no disco. Vejo meu trabalho com a produção musical de uma forma bastante construtivista/supremacista russa, no sentido de ir em torno do sentimento e síntese das estruturas do que eu quero passar. Sinto ainda que penso muito nessa estrutura geral, quase como um teatro, um cinema com o teatro exposto, Lars Von Trier em “Manderlay”.

No caso do “Me Chama De Gato Que Eu Sou Sua” quis fazer essa ponte com a atualidade ao colocar o baixo e a bateria com bastante evidência e processamentos numa pesquisa orgânica. Forçar a barra de cordas mais altas e pensar no que seria esse som clássico de baladas que já ouvimos muito (orgânicas) no agora.

O caos talvez seja a parte de querer passar e visitar muitas décadas e sentir que em algumas músicas essas referências/pesquisas ficam todas em evidência de uma forma meio caótica. Mas o meu processo em si é bastante organizado e metodológico, pouco inseguro. Sei o que eu quero e sigo meu ouvido.”

– Sobre as letras 
“No disco eu falo muito de amor queer. E eu quero dizer um amor divergente, não binário, não heterossexual. Um amor que não vemos na TV e, se vemos, é só uma imagem, sem subjetividade. Quis trazer minha subjetividade musical e visual, símbolos que pairam, sentimentos. Teve um momento bem desgastante, sinto que coloquei tudo de mim mesmo nesse álbum, energeticamente falando. E em dado instante, no processo, os assuntos do coração que de fato bate começaram a ficar inviáveis de mexer no disco. Aí tive uns meses de distanciamento, mas depois voltei com tudo.”

Letras em inglês
Acho que essa poética faz muito mais sentido para mim do que para os outros. Li um livro de entrevistas com [o poeta, escritor e teatrólogo francês] Édouard Glissant, um pensador da Martinica, que me deixou pensando muito sobre essa questão. Ele dizia que numa coletânea de sua curadoria, o último poema ele deixou em sua língua original, optou por não traduzir, como uma ação futura. Considero as faixas em inglês iscas para trazer o ouvinte gringo para um universo no qual, para ele entender, vai ter que se debruçar em outra linguagem, outros raciocínios. E aí sim chegar nesse objetivo, que Glissant falava, o da ação futura.”

Os colaboradores do álbum
“Faz uns anos que a música me aproximou, de diversas formas, também por outros trabalhos, dessas figuras chaves. Não teve um processo de convencimento não, hahaha. Acho que se deu através de mil outras trocas. A escalação tem a ver com o que eu imaginava de som, de protagonismo e identidade/linguagem das músicas.”

Momento político
“Bom, primeiro obviamente a eleição do nosso presidente foi gloriosa e essencial, mas infelizmente fica claro o déficit do antigo governo. E o que a gente está vendo nessas últimas semanas me deixa em absoluta tristeza. Confesso que me faz repensar sobre o que quero fazer de política e o futuro do meu trabalho. A gente vê a situação de demarcações de terras indígenas, estão querendo proibir o casamento homoafetivo, operações policiais absurdas e horrorosas em favelas, como o da Maré, que deixou dezenas de escolas fechadas. Essas situações são desesperadoras para mim, mas é preciso diálogo e a gente como artista deve se posicionar. No caso do meu disco, acho que ele vai falar diretamente com as questões da comunidade LGBTQIAPN+ e gostaria de pensar em formas de contribuir para essa comunidade a partir desse disco.”

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* As imagens que ilustram este post são de Hick Duarte, incluindo a da foto p&b da home da Popload.