CENA – Os outros desejos de Julia Mestre. O que achamos de “Arrepiada”, seu novo disco solo

Julia Mestre ficou conhecida nacional e internacionalmente graças ao Bala Desejo, badalado grupo de modernidades regressivas da MPB do qual faz parte. E cujo disco de lançamento, “Sim, Sim, Sim”, lançado em 2022, ganhou um Grammy Latino.

Mas agora, descolada mais ou menos da bandinha famosa, a cantora e compositora carioca veio nesta semana com seu segundo disco solo, “Arrepiada.”

O disco começa potente e inusitado, graças a uma intro com o violino marcante de Felipe Pacheco. E logo vem a primeira música mesmo: “Arrepiada”. A ótima faixa-título faz referência forte às sonoridades dos anos 1980, com uma pegada inspirada nos trabalhos de Rita Lee e Marina Lima. 

Inclusive, Rita Lee tem sido referência forte para a cantora carioca desde o início de sua carreira. Lá em 2020, Julia participou do programa “Versões” do canal Bis e trouxe toda uma reverência para suas versões da rainha do rock, sem perder a essência disruptiva de Rita Lee. Desde então, Julia Mestre segue inserindo pitadas de Rita Lee em seus trabalhos e especialmente em suas performances, menos como meras versões, mais como uma herança geracional.

“Arrepiada”, o disco de agora, também tem inspirações gringas, como Billie Eilish, trazidas pelo produtor do disco, Lux Ferreira. Inspirada pelo documentário da cantora norte-americana, Julia gravou a faixa “Do Do U”, em seu quarto e com um iphone. 

🌟🌟🌟/5

Muitas das principais sonoridades do “Arrepiada” já estavam presentes no primeiro álbum da cantora, “Geminis”, e aparecem também em seu trabalho com o Bala Desejo. E, apesar de aproveitar um certo momento calmaria do Baila para seguir com sua carreira solo, Julia Mestre traz seus companheiros de banda de forma presente dentro do disco. 

Para além de uma nova versão de “Clama Floresta”, lançada originalmente no álbum do quarteto carioca, Dora Morelenbaum, Zé Ibarra e Lucas Nunes aparecem em diversas faixas, seja como compositores, coros e até em bases de violão. 

Este segundo disco solo de Julia é um trabalho de alguns anos de feitura, como evidencia a faixa “Forró da Solidão”, escrita durante momentos solitários na pandemia. Mas parece que o sucesso do Bala Desejo impediu um pouco “Arrepiada” de já ter saído antes. Além de explicar trazer tanto seus companheiros para uma nova empreitada solo.

também lhe despertou uma nova versão, Julia define o álbum como “meu grito de liberdade: exprime a sensação que eu gostaria que as pessoas tivessem ao ouvir o meu trabalho”

Para traduzir seu “grito de liberdade”, como definiu a cantora como se fosse uma necessidade sua de respirar fora das amarras da banda famosa, Julia Mestre aborda ainda em “Arrepiada” uma série de gêneros diferentes, que incluem o xote, o forró e até o reggae.

E aqui entra um rol de colaboradores diferenciados em suas composições, como Ana Caetano, do duo Anavitória, e João Gil, dos Gilsons. Esse conjunto de fatores confere às faixas uma diversidade que pode causar uma certa estranheza em uma primeira audição superficial.

O contraste mais interessante no disco se dá entre os dois singles do trabalho, a dançante “Meu Paraíso” com produção do duo Lux & Tróia, e a balada “Deusa Inebriante”, que destacam os dois lados latentes em Julia Mestre: o equilíbrio entre sua persona sexy e a inocência da juventude.

O único feat do disco ficou por conta da portuguesa MARO na faixa “Sonhos & Ilusões”, que Julia descreve como a oportunidade de “duas mulheres de língua portuguesa, com vivências diferentes, estarem juntas reverenciando a deusa música”. Para fechar o disco de forma sútil e ao mesmo tempo marcante.

“Arrepiada” é um disco que mostra a evolução de Julia Mestre como cantora e especialmente como compositora, e o resultado final é um trabalho superíntimo feito a muitas mãos.

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* A foto de Julia Mestre que ilustra a chamada da home da Popload para este post é de Elisa Maciel