*** A CENA mineira e por tabela a nacional estão de luto. Morreu ontem, em BH, a produtora/agitadora/rainha do indie Fernanda Azevedo, causando uma comoção e consternação instantâneas em todos aqueles que respiram música alternativa, música boa e, acima de tudo, sentem um amor profundo pela cultura. Neste momento muito sensível para todos nós, decidimos prestar uma singela homenagem para a Fê e convidamos o craque Rodrigo James, outra figura ímpar da CENA em Minas Gerais, para tentar traduzir um pouco do que ela foi, é, e sempre será.
Por Rodrigo James
A memória anda falhando por aqui, mas eu acho que a primeira vez que eu vi a Fê (ou pelo menos a primeira vez que eu me lembro de ter visto) foi lá pelos idos de 1999 n’A Obra, o inferninho predileto de 10 entre 10 amantes da música em Belo Horizonte.
Onde mais poderia ter sido?
Me lembro de vê-la dançando ao som de Pavement, que algum tempo depois eu descobriria ser sua banda predileta, e perguntar pra alguém quem era.
“É a Fernanda da Motor”, foi a resposta.
A Fernanda da Motor era a Fê, a Fernandinha, a Fernanda Azevedo. Muitos ainda se lembram dela com a primeira alcunha, porque foi ali, na lendária produtora Motor Music, que a Fê apareceu pra muita gente e se inseriu na cena indie brasileira de vez. Caso você tenha ido a algum dos igualmente lendários shows que a Motor trouxe para o Brasil no início deste século – Man or Astro-Man, Yo La Tengo, Atari Teenage Riot, Stereolab e por aí vai – pode ter certeza que a Fê estava por lá, acompanhando os artistas Brasil afora ou simplesmente curtindo.
Sabe aqueles casos de pessoa certa na hora certa no lugar certo? A Fê era um destes. E a partir daí, a gente passou a frequentar os mesmos lugares, shows, festas, bares, inferninhos, karaokês. A incrível capacidade aglutinadora da Fê se traduziu também em seu trabalho. Pode perguntar por aí pra qualquer um que a conheceu. Ela conseguia aquilo que o Dinho Ouro Preto um dia pediu mas não conseguiu: “juntar as tribos”. A Fê era o NORVANA.
Eu adorava ouvir a Fê contar os casos da turnê do Lemonheads, dos problemas que um certo vocalista deu e jamais me esquecerei que foi ela que me apresentou para o meu karaokê predileto de fim de noite, depois de um aniversário de uma amiga.
A Fê era especialista em fins de noite. Por isso mesmo, nos últimos tempos ela estava trabalhando….adivinhem onde? N’A Obra. O nosso fim de noite predileto. Ela é uma das responsáveis por recolocar a casa nos trilhos pós-pandemia e isso gerou uma série de telefonemas entre nós. A gente trocava idéia sobre a noite, sobre público, sobre DJs, sobre projetos, sobre a vida. Tudo com aquele sotaque mineiro irresistível. A Fê era uma das pessoas mais mineiras que eu conheci. “Ow, James, esse trem é bom demais, sô!”
Trabalhar com a Fê era tão bom quanto sentar com ela em um buteco ou dançar alguma música n’A Obra. Ela fazia tudo com tanto carinho e profissionalismo que a gente nunca queria que o projeto acabasse. A última vez que trabalhamos juntos foi em 2019, quando produzimos uma mostra de documentários musicais chamada Cena.Doc, que também incluía uma série de ótimos bate-papos sobre música independente a partir dos filmes vistos. Os bate-papos nunca terminavam ali no teatro. Óbvio que sempre esticávamos para algum buteco e por lá ficávamos até altas horas falando sobre tudo aquilo que eu disse antes: público, projetos, lugares, shows, festas, bares, música, música, música e música.
Quis o destino que a Fê deixasse esse plano exatamente quando estava a caminho de São Paulo para ver….quem? O Pavement. Sua banda predileta. Engraçado como parece mesmo um ciclo que se fecha. Eu conheci a Fê dançando ao som de Pavement e ela saiu da minha vida quando estava se preparando para ir ver o Pavement.
Aliás, saiu não. Porque ela está por aí, produzindo, conhecendo mais gente, ouvindo mais musica, conversando sobre projetos, incentivando outras cenas.
Tenho certeza que ela já deve estar, nesse momento, conversando com David Bowie, pra montar algum show….
Valeu por tudo, Fê!
P.S.: nesta sexta a gente vai celebrar a vida da Fê. Onde? Claro que n’A Obra. Apareçam por lá!